27/12/2017

Tratado da vida de Cristo 188

Questão 59: Do poder judiciário de Cristo


Art. 6 — Se o poder judiciário de Cristo se estende aos anjos.

O sexto discute-se assim. — Parece que o poder judiciário de Cristo não se estende aos anjos.

1. — Pois, os anjos, tanto os bons como os maus, foram julgados desde o princípio do mundo, quando uns caíram pelo pecado e os outros foram confirmados na beatitude. Ora, os que já foram julgados não precisam sê-lo de novo. Logo, o poder judiciário de Cristo não se estende aos anjos.

2. Demais. — Não pertence à mesma pessoa julgar e ser julgada. Ora, os anjos virão com Cristo para julgar, segundo o Evangelho: Quando vier o Filho do homem na sua majestade e todos os anjos com ele. Logo, parece que os anjos não devem ser julgados por Cristo.

3. Demais. — Os anjos são superiores às outras criaturas. Se, pois, Cristo é juiz não só dos homens, mas, também dos anjos, pela mesma razão será juiz de todas as criaturas. O que é falso, porque essa é uma atribuição própria da providência de Deus, donde o dizer a Escritura: A qual outro estabeleceu sobre a terra ou a quem pôs sobre o mundo que fabricou? Logo não é Cristo o juiz dos anjos.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Não sabeis que havemos de julgar aos anjos? Ora, os santos não julgarão senão pela autoridade de Cristo. Logo, com maior razão, tem Cristo o poder judiciário sobre os anjos. 

Os anjos estão sujeitos ao poder judiciário de Cristo, não só pela natureza divina deste, enquanto Verbo de Deus, mas também em razão da sua natureza humana. O que resulta de três razões. — Primeiro, da proximidade que tem com Deus a natureza assumida, pois, como diz o Apóstolo, em nenhum lugar ele tomou aos anjos, mas tomou a descendência de Abraão. Por isso a alma de Cristo, mais que nenhum dos anjos, está cheia da virtude do Verbo de Deus. Daí vem que ilumina os anjos, como diz Dionísio e, portanto, pode julgá-los, — Segundo, porque, pelas humilhações da Paixão, a natureza humana mereceu ser exaltado, em Cristo acima dos anjos; de modo que, como diz o Apóstolo, ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, na terra e nos infernos. Por isso Cristo exerce o poder judiciário também sobre todos os anjos, tanto bons como maus. Em prova do que diz a Escritura: Todos os anjos estavam em pé ao derredor do trono. — Terceiro, em razão do que obram em relação aos homens, dos quais Cristo é, de certo modo especial, a cabeça. Donde o dizer o Apóstolo: Todos os espíritos são uns administradores enviados para exercer o seu ministério a favor daqueles que hão de receber a herança da salvação. Estão sujeitos, pois, ao juízo de Cristo, primeiro quanto à ministração das obras que devem ser feitas por eles. Ministração essa que também lhes advém do homem Cristo, a quem os anjos serviam, e a quem os demónios pediam lhes permitissem entrar nos porcos, como refere o Evangelho. — Segundo, quanto aos demais prémios acidentais dos bons anjos, que são o alegrarem-se com a salvação dos homens, segundo o Evangelho: Haverá júbilo entre os anjos de Deus por um pecador que faz penitência. E também quanto às penas acidentais do demónio, que os afligem na terra ou encerrados no inferno. O que também depende do homem Cristo. Por isso o Evangelho conta que o demónio clamava: Que tens tu connosco, Jesus Nazareno? Vieste a perder-nos antes do tempo? — Terceiro, quanto ao prémio essencial dos bons anjos, que é a beatitude eterna; e quanto à pena essencial dos maus anjos, que é a condenação eterna. O que tudo advém de Cristo enquanto Verbo de Deus, desde o princípio do mundo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A objecção colhe, quanto ao juízo concernente ao prémio essencial e à pena principal.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Agostinho, embora o espiritual julgue de todas as coisas, contudo pela verdade é ele julgado. Donde, embora os anjos, por serem espirituais, julguem, são, contudo, julgados por Cristo, enquanto é a Verdade.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo tem o poder de julgar não só os anjos, mas também as actividades de todas as criaturas. Se, pois, como ensina Agostinho, os inferiores são, numa certa ordem, governados por Deus mediante os superiores, é necessário admitirmos que todos os seres são governados pela alma de Cristo, superior a todas as criaturas. Daí o dizer o Apóstolo: Deus não submeteu aos anjos o mundo vindouro, isto é, aquele de quem falamos, isto é, a Cristo. Nem, contudo, por causa disso, estabeleceu Deus outro sobre a terra. Porque Deus tem unidade e identidade de ser com Nosso Senhor Jesus Cristo homem. De cujo mistério da Encarnação basta o que até aqui dissemos.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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