CRISTO QUE PASSA
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Para servir, servir
Para viver assim, para
santificar a profissão, é necessário, primeiro que tudo, trabalhar bem, com seriedade
humana e sobrenatural. Quero recordar-vos agora, por contraste, o que conta um
dos antigos relatos dos evangelhos apócrifos: O Pai de Jesus, que era
carpinteiro, fazia arados e jugos.
Uma vez - continua a
narração - foi-lhe encomendada uma cama, por certa pessoa de boa posição. Mas
aconteceu que um dos varais era mais curto que o outro, pelo que José não sabia
o que fazer.
Então o Menino Jesus disse
ao seu Pai: põe os dois paus no chão e acerta-os por uma extremidade.
Assim fez José. Jesus põe-se
do outro lado, pegou no varal mais curto e esticou-o, deixando-o tão comprido
como o outro.
José, seu Pai, ficou cheio
de admiração ao ver o prodígio e encheu o Menino de abraços e beijos dizendo:
ditoso de mim, porque Deus me deu este Menino
José, não daria graças a
Deus por estes motivos; o seu trabalho não podia ser assim. S. José não é o
homem das soluções fáceis e milagreiras, mas o homem da perseverança, do
esforço e, quando é necessário, do engenho.
O cristão sabe que Deus
faz milagres; que os realizou há séculos, que continuou a fazê-los depois e que
continua a fazê-los agora, porque non est
abbreviata manus Domini, não diminuiu o poder de Deus.
Mas os milagres são uma
manifestação da omnipotência salvadora de Deus, e não um expediente para resolver
as consequências da inépcia ou para facilitar o nosso comodismo.
O milagre que o Senhor vos
pede é a perseverança na nossa vocação cristã e divina, a santificação do
trabalho de cada dia: o milagre de converter a prosa diária em decassílabos, em
verso heróico, pelo amor com que realizais a vossa ocupação habitual.
Aí vos espera Deus para
que sejais almas com sentido de responsabilidade, com zelo apostólico, com
competência profissional.
Assim, como lema para o
vosso trabalho, posso indicar-vos este: para servir, servir.
Porque para fazer as
coisas, é necessário, em primeiro lugar, saber concluí-las.
Não acredito na rectidão
da intenção de quem não se esforça por conseguir a competência necessária para
cumprir bem os trabalhos de que está encarregado.
Não basta querer fazer o
bem; é preciso saber fazê-lo.
E, se queremos realmente,
esse desejo traduzir-se-á no empenho por utilizar os meios adequados para fazer
as coisas bem acabadas, com perfeição humana.
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Além disso, esse serviço
humano, essa capacidade a que poderíamos chamar técnica, saber realizar o nosso
ofício, deve ter uma característica que foi fundamental no trabalho de S. José
e que devia ser fundamental em todo o cristão: o espírito de serviço, o desejo
de trabalhar para contribuir para o bem dos outros homens.
O trabalho de S. José não
foi um trabalho que visasse a auto-afirmação, embora a dedicação de uma vida
laboriosa tenha forjado nele uma personalidade madura, bem delineada.
O Santo Patriarca
trabalhava com a consciência de cumprir a vontade de Deus, pensando no bem dos
seus, Jesus e Maria, e tendo presente o bem de todos os habitantes da pequena
Nazaré.
Em Nazaré José era um dos
poucos artesãos da terra, se não era o único.
Possivelmente,
carpinteiro.
E, como é costume nas
pequenas povoações, também era capaz de fazer outras coisas: pôr a funcionar um
moinho que não funcionava ou arranjar, antes do inverno, as fendas de um tecto.
José tirava muita gente de
apuros, certamente com um trabalho bem acabado.
O seu trabalho
profissional era uma ocupação orientada para o serviço, para tornar agradável a
vida das outras famílias da aldeia, acompanhada de um sorriso, de uma palavra
amável, de um comentário feito como que de passagem, mas que devolve a fé e a
alegria a quem está a ponto de perdê-las.
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Às vezes, quando se
tratava de pessoas mais pobres do que ele, José trabalharia aceitando alguma
coisa de pouco valor, que deixava a outra pessoa com a satisfação de pensar que
tinha pago.
Normalmente José cobraria
o que fosse razoável; nem mais nem menos.
Saberia exigir o que em
justiça lhe era devido, já que a fidelidade a Deus não significa renúncia a
direitos que na realidade são deveres; S. José tinha de exigir o que era justo,
porque tinha de sustentar a família que Deus lhe tinha confiado, com a
recompensa desse trabalho.
A exigência dos nossos
direitos não deve ser fruto de um egoísmo individualista.
Não se ama a justiça se
não se deseja vê-la também cumprida para com os outros.
Como também não é lícito
encerrar-se numa religiosidade cómoda, esquecendo as necessidades dos outros.
Quem deseja ser justo aos
olhos de Deus também se esforça para que a justiça se realize de facto entre os
homens.
E não apenas pelo bom
motivo de que o nome de Deus não seja injuriado, mas porque ser cristão
significa captar e corresponder a todos os anseios nobres do homem.
Parafraseando um texto
conhecido, do Apóstolo S. João, pode-se dizer que mente quem afirma que é justo
com Deus mas não é justo com os outros homens; e a verdade não habita nele.
Como todos os cristãos que
viveram aquele momento, recebi com emoção e alegria a decisão de festejar a
festa litúrgica de S. José Operário.
Esta festa, que é uma
canonização do valor divino do trabalho, mostra como a Igreja, na sua vida
colectiva e pública, se fez eco das verdades centrais do Evangelho, que Deus
quer que sejam especialmente meditadas nesta nossa época.
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Já falámos muito deste
tema noutras ocasiões, mas permiti-me insistir de novo na naturalidade e na
simplicidade da vida de S. José, que não se distinguia da dos seus vizinhos nem
levantava barreiras desnecessárias.
Por isso, ainda que possa
ser conveniente nalguns momentos ou em algumas situações, habitualmente não
gosto de falar de operários católicos, de engenheiros católicos, de médicos
católicos, etc., como se se tratasse de uma espécie dentro dum género, como se
os católicos formassem um grupinho separado dos outros, dando assim a sensação
de que existe um fosso entre os cristãos e o resto da humanidade.
Respeito a opinião oposta,
mas penso que é muito mais correcto falar de operários que são católicos, ou de
católicos que são operários; de engenheiros que são católicos ou de católicos
que são engenheiros. Porque o homem que tem fé e exerce uma profissão
intelectual, técnica ou manual, está e sente-se unido aos outros, igual aos
outros, com os mesmos direitos e obrigações, com o mesmo desejo de melhorar,
com o mesmo empenho de se enfrentar com os problemas comuns e de lhes encontrar
a solução.
O católico, assumindo tudo
isto, saberá fazer da sua vida diária um testemunho de Fé, de Esperança e de
Caridade; testemunho simples, normal, sem necessidade de manifestações
aparatosas, pondo de manifesto - com a coerência da sua vida - a presença constante
da Igreja no mundo, visto que todos os católicos são, eles mesmos, Igreja, pois
são membros, com pleno direito, do único Povo de Deus.
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As relações entre José e
Jesus
Há bastante tempo que
gosto de recitar uma comovedora invocação a S. José, que a própria Igreja nos
oferece entre as orações preparatória da Missa: José, varão bem-aventurado e feliz, ao qual foi concedido ver e ouvir a
Deus, a Quem muitos reis quiseram ver e ouvir e não viram nem ouviram; e não só
vê-Lo e ouvi-Lo mas trazê-Lo nos braços, beijá-Lo, vesti-Lo e guardá-Lo: rogai
por nós.
Esta oração servir-nos-á
para entrar no último tema que hoje vou tocar: a convivência íntima e carinhosa
de José com Jesus.
Para S. José, a vida de
Jesus foi uma contínua descoberta da sua vocação.
Recordámos acima aqueles
primeiros anos cheios de circunstâncias aparentemente contraditórias:
glorificação e fuga, majestade dos magos e pobreza da gruta, canto dos Anjos e
silêncio dos homens. Quando chega o momento de apresentar o Menino no Templo,
José, que leva a modesta oferenda de um par de rolas, vê como Simeão e Ana
proclamam que Jesus é o Messias.
Seu pai e sua mãe ouviram
com admiração, diz S. Lucas.
Mais tarde, quando o
Menino fica no templo sem que Maria e José o saibam, ao encontrá-Lo de novo
depois de O procurarem três dias, o mesmo evangelista narra que se
maravilharam.
José surpreende-se, José
admira-se.
Deus vai-lhe revelando os
seus desígnios e ele esforça-se por compreendê-los.
Como toda a alma que quer
seguir de perto Jesus, descobre logo que não é possível andar com passo
ronceiro, que não pode viver da rotina.
Porque Deus não se
conforma com a estabilidade num nível conseguido, com o descanso no que já se
tem. Deus exige continuamente mais e os seus caminhos não são os nossos
caminhos humanos.
S. José, como nenhum outro
homem antes ou depois dele, aprendeu de Jesus a estar atento para conhecer as
maravilhas de Deus, a ter a alma e o coração abertos.
(cont)
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