Questão 57: Da Ascensão de Cristo
Em seguida devemos tratar da ascensão de
Cristo.
E nesta questão discutem-se seis
artigos:
Art. 1 — Se devia Cristo ascender ao
céu.
Art. 2 — Se ascender ao céu convinha a
Cristo enquanto de natureza divina.
Art. 3 — Se Cristo subiu por virtude
própria.
Art. 4 — Se Cristo subiu acima de todos
os céus.
Art. 5 — Se o corpo de Cristo subiu
acima de todas as criaturas espirituais.
Art. 6 — Se a ascensão de Cristo é a
causa da nossa salvação.
Art.
1 — Se devia Cristo ascender ao céu.
O
primeiro discute-se assim. — Parece que Cristo não devia ascender ao céu.
1. — Pois, segundo o Filósofo, os seres dotados da maior perfeição possível
fruem bem próprio sem precisar mover-se. Ora, Cristo tinha a maior
perfeição possível, por ser o sumo bem, em virtude da sua natureza divina, e
ser, pela sua natureza humana soberanamente glorificado. Logo, fruía sem nenhum
movimento a seu bem. Ora, a ascensão é um movimento. Logo, Cristo não devia
ascender ao céu.
2. Demais. — Tudo o que se move visa um
fim melhor. Ora a Cristo não era melhor estar no céu que na terra; pois, nenhum
bem se lhe acrescentou por estar no céu, nem quanto à alma nem quanto ao corpo.
Logo, parece que Cristo não devia subir ao céu.
3. Demais. — O Filho de Deus assumiu a
natureza humana para a nossa salvação. Ora, seria melhor para a salvação dos
homens que sempre se conservasse connosco na terra, e por isso ele próprio
disse aos discípulos: Lá virá tempo que
em vós desejareis ver um dia do Filho do homem e não no vereis. Parece,
logo, que Cristo não devia subir ao céu.
4. Demais. — Como diz Gregório, o corpo de Cristo não sofreu nenhuma mudança
depois da ressurreição. Ora, não subiu ao céu imediatamente depois da
ressurreição; pois, ele próprio o disse depois dela: Ainda não subi a meu Pai. Logo, parece que nem depois dos quarenta
dias devia subir ao céu.
Mas, em contrário, o Senhor diz: Vou para meu Pai e vosso Pai.
O lugar deve proporcionar-se
ao que nele está colocado. Ora, Cristo depois da ressurreição entrou na sua
vida imortal e incorruptível. Ora, a terra que habitamos é um lugar em que
seres nascem e morrem; ao contrário, o céu é um lugar onde não há morte. Logo
Cristo não devia, depois da ressurreição, permanecer na terra, mas devia subir
ao céu.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
O ser soberanamente perfeito que possui o seu bem sem ter necessidade nenhuma
de mover-se, é Deus: pois é absolutamente imutável, segundo a Escritura - Eu sou o Senhor e não mudo. Ao
contrario, toda criatura é de certo modo
mutável, como o adverte Agostinho. E como a natureza assumida pelo Filho de
Deus permaneceu criatura, conforme do sobre dito se colige, não há
inconveniência em lhe atribuir algum movimento.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Por ter subido, ao
céu nenhum bem se lhe acrescentou a Cristo, sua glória essencial, nem quanto ao
corpo nem quanto à sua alma. Mas lhe constituiu um novo bem o esplendor da sua
mansão gloriosa. Não que ao corpo lhe adviesse, do corpo celeste, maior
perfeição ou conservação, senão só o conveniente esplendor. O que de certo modo
lhe redundava em glória. E esse esplendor lhe causava alegria; não que
começasse então a gozá-la, quando subiu ao céu; mas porque de novo modo gozou
dele, como de um bem completo. Por isso, sobre o dito da Escritura — Deleites na tua direita para sempre, diz
a Glosa: As minhas delícias e a minha
alegria serão quando estiver sentado ao teu lado, longe dos olhares humanos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora da
presença corporal de Cristo os fiéis ficassem privados pela ascensão, contudo têm
a presença da sua divindade sempre eles, segundo o Evangelho: Eu estou convosco todos os dias, até à
consumação do século. Pois, o que subiu aos céus não abandonou os seus
filhos adoptivos, como diz Leão Papa.
Mas, a própria ascensão de Cristo ao
céu, fazendo-nos ficar privados da sua presença corporal, nos foi mais útil que
essa presença. — Primeiro, pelo aumento da fé, cujo objecto é o invisível. Por
isso o próprio Senhor disse aos seus discípulos, que o Espírito Santo, quando vier, arguirá o mundo da justiça, isto
é, dos que crêem; pois, a simples comparação dos fiéis com infiéis é a
condenação a destes últimos. E por isso acrescenta: Porque vou para o Pai e vós não me vereis mais. Mas felizes são os que,
não vendo, crêem. Será, pois, vossa a
justiça, de que será o mundo arguido, por crerdes em mim, a quem não vedes.
— Segundo, para fundar a nossa esperança. Por isso ele próprio o disse: Depois que eu for e vos aparelhar o lugar,
virei outra vez e tomar-vos-ei para mim mesmo, para que onde eu estou estejais
também. Elevando assim ao céu Cristo a natureza humana assumida, deu-nos a
esperança de lá chegar: porque em
qualquer lugar em que estiver o corpo, aí se hão de ajuntar também as águias.
E por isso diz a Escritura: Ascende
abrindo o caminho adiante deles. — Terceiro, a fim de elevar o afecto da
caridade para os bens celestes. Donde o dizer o Apóstolo: Buscais as coisas que são lá de cima, onde Cristo está sentado à dextra
de Deus; cuidai nas coisas que são lá de cima, não nas que há sobre a terra.
Pois, na frase do Evangelho, onde está o teu tesouro aí está também o teu
coração. E sendo o Espírito Santo o Amor que nos arrebata para os bens celestes,
por isso o Senhor diz aos discípulos: A vós convém-vos que eu vá, porque se eu
não for, não virá a vós o Consolador; mas se for vo-lo enviarei. O que
Agostinho assim expõe: Não sois capazes
de receber o Espírito, enquanto persistis em só conhecer a Cristo segundo a
carne. Cristo, separando-se deles corporalmente, não somente o Espírito
Santo, mas ainda o Pai e o Filho residiram neles espiritualmente.
RESPOSTA À QUARTA. — Embora o lugar
conveniente a Cristo ressuscitado para a vida imortal fosse morada celeste,
contudo diferiu a sua ascensão para que comprovasse a verdade da sua
ressurreição. Por isso declara a Escritura: Depois
da sua Paixão manifestou-se a si mesmo vivos os discípulos com muitas provas,
por quarenta dias. Ao que uma certa glossa diz: Por ter estado morto durante quarenta horas, confirma que está vivo,
durante quarenta dias. Ou podemos entender que esses quarenta dias são a
imagem da vida presente, durante a qual Cristo reside na sua Igreja. Neste
sentido, que o homem se compõe de quatro elementos e que a Igreja o educa para
a observação do decálogo.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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