Vol. 2
LIVRO XV
CAPÍTULO VI
Doenças de que, como pena de pecado, sofrem mesmo os cidadãos da Cidade de Deus durante a peregrinação desta vida, e das quais Deus os cura.
Com efeito, esta doença, ou esta desobediência de que falámos no livro décimo quarto, é o castigo da primeira desobediência — e, portanto, não é uma natureza, mas um vício dela. Por isso é que se diz aos bons que avançam e vivem da fé nesta peregrinação:
e da mesma forma noutro lugar:
Corrigi os espíritos inquietos, consolai os pusilânimes, sustentai
os débeis, sede pacientes para com todos, olhai que ninguém pague o mal com o
mal [ii];
de igual modo noutro passo:
Se algum homem for surpreendido em falta, vós, que sois
espirituais, recuperai-o com espírito de doçura. Mas acautela-te não sejas tu
tentado [iii];
e noutro lugar:
e no Evangelho:
e da mesma maneira, a propósito dos pecados em que é de recear o escândalo de muitos, diz o Apóstolo:
Por isso é que, acerca do perdão mútuo, existem muitas prescrições e se exige cuidado especial para se manter a paz sem a qual ninguém poderá ver a Deus. Daí esse terror que inspira a condenação do servo a pagar os dez mil talentos que já lhe tinham sido perdoados, porque ele mesmo não quis perdoar um a dívida de cem dinheiros a um seu companheiro. Depois de ter contado esta parábola, Jesus acrescentou:
Assim fará vosso Pai celeste para convosco, se cada um de vós não
perdoar ao seu irmão com todo o coração [vii].
Deste modo são curados os cidadãos da Cidade de Deus que peregrinam nesta Terra e suspiram pela paz da pátria do Alto. É, porém, o Espírito Santo que opera por dentro para tornar eficaz o remédio aplicado de fora.
Demais, embora o próprio Deus, valendo-se da criatura que lhe está sujeita, se dirija sob uma aparência humana aos sentidos humanos, quer aos do corpo, quer aos que tem os semelhantes, nos sonos, se não reger a inteligência e não actuar sobre ela por uma graça interior, de nada servirá ao homem toda a pregação da verdade. E o que Ele faz separando os «Vasos da Cólera» dos «Vasos da Misericórdia», por um a distribuição muito oculta, mas justíssima, que só Ele conhece. Sem dúvida que Deus nos ajuda de modos admiráveis e escondidos. Quando o pecado que habita nos nossos membros (ou antes a pena
do pecado) já não reina no nosso corpo mortal para o sujeitar aos seus desejos, nem nós apresentamos os nossos membros com o armas de iniquidade, conforme o preceito do Apóstolo — o homem, sob a direcção de Deus volta-se para o seu espírito que, por sua vez, deixa de se com prazer em si para o m al, se manterá no sereno domínio de si mesmo e reinará sem pecado algum na paz eterna, na saúde e na imortalidade perfeitas.
(cont)
(Revisão da versão portuguesa por ama)
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