Art.
3 — Se Cristo foi o primeiro que ressuscitou.
O terceiro discute-se assim. —
Parece que Cristo não foi o primeiro que ressuscitou.
1. — Pois, lemos no Antigo Testamento
que Elias e Eliseu fizeram ressurgir alguns, como o diz o Apóstolo: As mulheres recobraram os seus filhos mortos
por meio de ressurreição. Semelhantemente Cristo, antes da sua Paixão,
ressuscitou três mortos. Logo, Cristo não foi o primeiro dos ressuscitados.
2. Demais. — O Evangelho, entre os
outros milagres que se deram na Paixão de Cristo, narra que se abriram as sepulturas e muitos corpos de
santos, que estavam mortos, ressuscitaram. Logo, Cristo não foi o primeiro
dos ressuscitados.
3. Demais. — Assim como Cristo, pela sua
ressurreição é a causa da nossa, assim pela sua graça é a causa da nossa graça,
segundo o Evangelho: Todos nós
participamos da sua plenitude. Ora, outros, como todos os Patriarcas do
Antigo Testamento, tiveram a graça antes de Cristo. Logo, tiveram também a
ressurreição do corpo, antes de Cristo.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo
ele as primícias dos que dormem. Ao que diz a Glosa: Porque ressuscitou antes, no tempo, e em dignidade.
A ressurreição consiste em um
morto retornar à vida. Ora, de dois modos pode alguém ser retomado à morte: ou
de uma morte actual, como quando recomeça simplesmente a viver, depois de ter
morrido; ou quando fica livre não só da morte, mas também da necessidade, e o
que é mais, da possibilidade de morrer. E esta é a verdadeira e perfeita
ressurreição. Porque, enquanto vivemos sujeitos à necessidade de morrer, de
certo modo a morte nos domina, segundo o Apóstolo: O corpo verdadeiramente está morto pelo pecado. Ora, o que existe
como possível existe de certo modo, isto é, potencialmente. Donde é claro, que
a ressurreição pela qual alguém é retomado somente à uma morte actual é uma
ressurreição imperfeita. — Assim, pois, falando-se da ressurreição
perfeita, Cristo foi o primeiro que ressuscitou, porque ele foi o primeiro que,
ressuscitando, chegou à vida perfeitamente imortal, segundo o Apóstolo: Tendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não
morre. Mas, por uma ressurreição imperfeita alguns outros ressuscitaram,
antes de Cristo, para serem uma como indicação prévia da ressurreição do mesmo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
Pois também os que ressuscitaram como o narra o Antigo Testamento, e os ressuscitados
por Cristo, voltaram à vida, mas ficando sujeitos a morrerem de novo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Há dupla opinião
referente aos que ressuscitaram com Cristo. Assim, uns afirmam que, voltando à vida,
ficaram livres de tornar a morrer; pois, o morrerem de novo ser-lhes-ia maior
tormento que não terem ressuscitado. E tal é o sentido que se deve dar, segundo
Jerónimo, àquele lugar: Não ressuscitaram
antes de o Senhor ter ressuscitado. E por isso diz o evangelista: Saindo das sepulturas depois da ressurreição
de Jesus, vieram à cidade santa e apareceram a muitos. Mas Agostinho,
referindo essa opinião, diz: Sei que há
alguns de opinião, que os justos, ressuscitados na ocasião da morte de Nosso
Senhor Jesus Cristo, se encontraram desde logo em todas as condições da ressurreição
última. Mas se não depuseram o novo
corpo, para reentrarem no sono do túmulo, pergunto como se entende o dito que
Cristo é o primogénito dentre os mortos, se tantos outros ressuscitaram antes
dele. Responderão que o evangelista antecipou, falando do segundo facto, de
modo que devamos entender o lugar citado no sentido que os túmulos se abriram
por ocasião do tremor de terra, quando Cristo expirou na cruz, mas que os
justos, de que se trata, só depois de ter Cristo ressuscitado é que
ressuscitaram. Mas, então, resta outra dificuldade: como S. Pedro, querendo
provar aos judeus, que não a David, mas a Cristo, era referente a predição que
a sua carne não veria a corrupção, faz-lhes observar que o túmulo desse rei se
via ainda entre eles? Pois, não podia convencê-los com essa razão, se o corpo
de Davi já não estava no túmulo. Porque, ainda mesmo que David tivesse
ressuscitado pouco tempo depois da sua morte, e que o seu corpo não tivesse
sofrido a corrupção, poderia, contudo, ainda existir o seu túmulo. Entretanto,
supondo que esses justos ressuscitando alcançaram uma vida imortal, é duro
pensar que David não foi do número deles, apesar de considerarmos como um
título de glória para Cristo o ter nascido da raça de David. E também será
difícil entender-se o que o Apóstolo diz aos Hebreus, dos justos do Velho
Testamento — Para que eles, sem nós não fossem consumados - se já por
efeito dessa ressurreição foram constituídos no estado de incorruptibilidade,
que nos é prometido no fim dos tempos, como nossa perfeição. Donde,
Agostinho é de opinião que ressuscitaram, mas para morrer de novo. Com o que
também concorda o dito de Jerónimo: Assim
como Lázaro ressuscitou, assim também muitos corpos de santos, para mostrarem
que o Senhor deveras ressuscitou. Embora, num Sermão, deixe o assunto
duvidoso. As razões de Agostinho, porém, parecem muito mais concludentes.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Assim como o que
precedeu o advento de Cristo foi preparatório da sua vinda, assim a graça é uma
disposição para a glória. Donde, o que pertence à glória, tanto quanto à alma -
tal o perfeito gozo de Deus - como quanto ao corpo — e tal é a
ressurreição gloriosa, tudo isso Cristo devia tê-la com anterioridade no tempo,
como sendo o autor da glória. No concernente à graça, convinha existisse ela
primeiro nos que para Cristo se ordenavam.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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