A Carta aos Gálatas é uma das mais lidas e
comentadas em todo o mundo cristão. E dos escritos paulinos foi dos mais
explorados por alguns grupos ou Igrejas, sobretudo em dois momentos: o da
polémica de Santo Agostinho com o herético Pelágio (séc. IV) e o dos
Reformadores, no debate católico-protestante.
DATA
E DESTINATÁRIOS
Quem são os Gálatas? No tempo do NT, a
Galácia era uma província romana da Ásia Menor, que abrangia os seguintes
territórios: a Galácia propriamente dita, a Frígia, a Pisídia e a Licaónia.
Galácia, nos Actos (Act 16,6; 18,23), distingue-se da Frígia.
As igrejas da Galácia devem ter sido fundadas
por ocasião da 1.ª viagem missionária de Paulo (Act 13,1-14,26). O Apóstolo dos
gentios escreve a Carta aos Gálatas entre 55 e 57, a partir de Éfeso ou de
Corinto, depois de 1 Ts e antes de Rm, Fl e Flm.
CONTEXTO
Na altura, nem sempre havia uma distinção
clara entre judaísmo e cristianismo. Pregadores judeus, que seguiram os passos
de Paulo, vieram anunciar a necessidade da circuncisão para a salvação. É que,
no início da Igreja, o mais sério problema que se apresentou à consciência
cristã foi o da relação da “nova doutrina” de Cristo com a Lei de Moisés, ou
melhor, com o Antigo Testamento.
O Antigo Testamento, cujos cinco primeiros
livros, ou Pentateuco, constituem a Lei de Moisés, ainda hoje é venerado pelos
cristãos como Palavra de Deus; mas as suas prescrições sobre o culto, os
alimentos, as doenças, etc. ver o Levítico deixaram de vigorar. Hoje, é claro
que não estamos obrigados a tais prescrições; para os primeiros cristãos,
porém, o assunto não era tão claro. Tratava-se de judeus convertidos, que
continuavam a observar a Lei e a circuncidar-se. A Igreja nasceu no seio do
Antigo Testamento.
Esta Carta pode considerar-se uma espécie de
circular, apaixonada e polémica (5,12), dirigida às pequenas comunidades
dispersas pelo imenso território da Galácia, que estavam em situação de crise
de identidade cristã. Tratava-se da fidelidade ou infidelidade ao Evangelho,
num momento em que o cristianismo corria perigo de se converter numa simples
seita judaica.
DIVISÃO
E CONTEÚDO
O conteúdo desta Carta pode resumir-se no
seguinte:
Introdução: 1,1-10;
I. Origem divina do Evangelho: 1,11-2,21;
II. O Evangelho faz-nos filhos de Deus:
3,1-4,7;
III. O Evangelho faz-nos livres: 4,8-5,12;
IV. Vida cristã, caminho de liberdade:
5,13-6,10;
Conclusão: 6,11-18.
TEOLOGIA
A discussão acerca do anúncio do Evangelho
também aos pagãos, considerados imundos pela Lei (Act 10-11; 15), foi o
primeiro problema que surgiu após a Ressurreição de Cristo e do Pentecostes.
Depois, levantou-se o problema de se os cristãos, vindos do paganismo, estavam
também sujeitos à Lei mosaica. Divergiam as opiniões. Paulo, apesar de ser
judeu da seita dos fariseus (os mais zelosos da Lei), tornou-se o campeão da
liberdade cristã ou da não sujeição à Lei, interpretada à maneira dos fariseus.
Isso mereceu-lhe a hostilidade, não só dos judeus, mas também dos cristãos de
origem judaica. O chamado concílio de Jerusalém (Act 15) não conseguira acalmar
completamente os ânimos. Cristãos de origem judaica os judaizantes puseram em
causa a validade e legitimidade do anúncio evangélico feito por Paulo,
negando-lhe a dignidade apostólica e acusando-o de pregar um Evangelho mutilado
e de anunciar um cristianismo diferente do dos outros Apóstolos de Jerusalém.
Por isso, tentavam submeter os recém-convertidos ao jugo da Lei.
Foi o que aconteceu nas igrejas paulinas da
Galácia. Nas pegadas do Apóstolo, os judaizantes atraíram os gálatas para a sua
causa. Paulo escreveu-lhes, então, esta Carta polémica, em defesa da sua
dignidade apostólica e da ortodoxia da sua doutrina, reconhecida, sobretudo,
pelas colunas da Igreja-mãe de Jerusalém; expõe aqui o seu pensamento sobre as
relações entre a Lei de Moisés e Cristo. Este último ponto será amplamente
tratado na Carta aos Romanos, cronologicamente posterior à Carta aos Gálatas.
Para o Apóstolo, a Lei de Moisés foi
sobretudo «um pedagogo», cuja missão era conduzir a Cristo (3, 24). Se os
cristãos continuassem a observar a Lei como necessária para a salvação, então a
obra de Cristo teria sido inútil: a salvação não nos viria por Ele, mas pela
Lei. Por isso, o que nos justifica não são as obras da Lei, mas a fé em Cristo.
Partindo deste princípio, Paulo vai ainda
mais longe. Esforça-se por provar aos seus adversários que a Lei nunca
justificou ninguém. O próprio Abraão não foi justificado pela observância da
Lei, mas pela fé e pela Promessa. A Lei não fez mais do que manifestar o pecado,
ao indicar um caminho, sem dar forças para o seguir. Só a Boa-Nova de Cristo,
que é poder de Deus para todo o que crê, justifica, porque, indicando o
caminho, dá também a força sobrenatural para o seguir. O grupo dos judaizantes
quase desapareceu com a queda de Jerusalém, por volta do ano 70.
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