Difunde-se cada vez mais a chamada ideologia do género ou
gender. Porém, nem todas as pessoas disso se apercebem e muitos desconhecem o
seu alcance social e cultural, que já foi qualificado como verdadeira revolução
antropológica. Não se trata apenas de uma simples moda intelectual. Diz
respeito antes a um movimento cultural com reflexos na compreensão da família,
na esfera política e legislativa, no ensino, na comunicação social e na própria
linguagem corrente.
Mas a ideologia do género contrasta frontalmente com o
acervo civilizacional já adquirido. Como tal, opõe-se radicalmente à visão
bíblica e cristã da pessoa e da sexualidade humanas. Com o intuito de
esclarecer as diferenças entre estas duas visões surge este documento. Move-nos
o desejo de apresentar a visão mais sólida e mais fundante da pessoa,
milenarmente descoberta, valorizada e seguida, e para a qual o humanismo
cristão muito contribuiu. Acreditamos que este mesmo humanismo, atualmente, é
chamado a dar contributo válido na redescoberta da profundidade e beleza de uma
sexualidade humana corretamente entendida.
Trata-se da defesa de um modelo de sexualidade e de
família que a sabedoria e a história, não obstante as mutações culturais, nos
diferentes contextos sociais e geográficos, consideram apto para exprimir a
natureza humana.
1. A pessoa humana,
espírito encarnado
Antes de mais, gostaríamos de deixar bem claro que, para
o humanismo cristão, não há lugar a dualismos: o desprezo do corpo em nome do
espírito ou vice-versa. O corpo sexuado, como todas as criaturas do nosso Deus,
é produto bom de um Deus bom e amoroso. Uma segunda verdade a considerar na
visão cristã da sexualidade é a da pessoa humana como espírito encarnado e, por
isso, sexuado: a diferenciação sexual correspondente ao desígnio divino sobre a
criação, em toda a sua beleza e plenitude: «Ele os criou homem e mulher» (Gn
1,27); «Deus, vendo toda sua obra, considerou-a muito boa» (Gn 1,31).
A corporalidade é uma dimensão constitutiva da pessoa,
não um seu acessório; a pessoa é um corpo, não tem um corpo; a dignidade do
corpo humano é corolário da dignidade da pessoa humana; a comunhão dos corpos
deve exprimir a comunhão das pessoas.
Porque a pessoa humana é a totalidade unificada do corpo
e da alma, existe necessariamente, como homem ou mulher. Por conseguinte, a
dimensão sexuada, a masculinidade ou feminilidade, é constitutiva da pessoa, é
o seu modo de ser, não um simples atributo. É a própria pessoa que se exprime
através da sexualidade. A pessoa é, assim, chamada ao amor e à comunhão como
homem ou como mulher. E a diferença sexual tem um significado no plano da
criação: exprime uma abertura recíproca à alteridade e à diferença, as quais,
na sua complementaridade, se tornam enriquecedoras e fecundas.
(cont)
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