24/11/2016

Leitura espiritual


DE MAGISTRO

(DO MESTRE)

CAPÍTULO VI

SINAIS QUE SE SIGNIFICAM A SI MESMOS

AGOSTINHO

– Vamos em frente, e diz-me se te parece que, assim como concordamos que todas as palavras são nomes, e todos os nomes, palavras, também te parece que todos os nomes são vocábulos e todos os vocábulos nomes.

ADEODATO

– Não encontro entre eles outra diferença senão a do som das sílabas.

AGOSTINHO

– Por enquanto, aceito, embora não faltem os que vêm entre eles diferença de significado, o que não vem ao caso discutirmos agora. Porém, com certeza compreendes que chegamos àqueles sinais que tem significado recíproco, noutra diferença que a do som, e àqueles que se significam a si mesmos junto com as demais partes da oração.

ADEODATO

– Por ora não entendo.

AGOSTINHO

– Não compreendes então que “nome” significa “vocábulo” e “vocábulo” “nome”, e que assim – além do seu som – não há outra diferença entre eles quanto ao nome em geral; mas que, quanto a ser nome em particular, trata-se de uma das oitos partes da oração, sem que naturalmente inclua as outras sete.

ADEODATO

– Compreendo.

AGOSTINHO

– Contudo, era isso mesmo que estava dizendo quando afirmava que vocábulo e nome significam-se reciprocamente.

ADEODATO

– Entendo, mas o que querias dizer com as palavras “significam a si mesmos junto com as demais partes da oração”?

AGOSTINHO

– Acaso a discussão anterior não nos provou que todas as partes da oração podem chamar-se tanto nomes como vocábulos, isto é, podem ser significadas pelos termos de “nome” e de “vocábulo”?

ADEODATO

– Certamente.

AGOSTINHO

– Se te indagasse como chamas o nome em si mesmo, isto é, o som expresso por estas duas sílabas, seria correto me responder “nome”?

ADEODATO

– Seria correcto.

AGOSTINHO

– E significará a si mesmo, talvez, o sinal com quatro sílabas, quando proferimos “coniunctio” (conjunção)? Não; porque este termo não pode ser incluído entre as coisas que significa.

ADEODATO

– Compreendo perfeitamente.

AGOSTINHO

– E foi isso que antes afirmamos: que o nome se significa a si mesmo tanto quanto os outros nomes que significa; o que podes chamar também do “vocábulo”.

ADEODATO

– Sim, está fácil; agora porém ocorre-me que o termo “nome” pode ser tomado em sentido geral ou particular, enquanto “vocábulo”, ao contrário, não é uma das oito partes da oração; parece-me, pois, que os dois termos são diferentes não só pelo som, mas também por isso.

AGOSTINHO

– Acreditas que “nomem” (nome) e “ónoma” (nome) tenham algo mais diferente que o som, que também distingue a língua grega da latina?

ADEODATO

– Neste caso, sinceramente, nada mais encontro.

AGOSTINHO

– Chegamos, então, àqueles sinais que, além de significantes a si mesmos, com inteira reciprocidade um significa o outro, ou seja, os seus significados mutuamente se significam. Assim, o que este significa também aquele significa e vice-versa, tendo por diferença entre si apenas o som; este quarto caso, nós o encontramos agora: os três anteriores referem-se a “nome” e “palavra”.

ADEODATO

– Chegamos.

CAPÍTULO VII

RESUMO DOS CAPÍTULOS ANTERIORES

AGOSTINHO

– Desejaria que fizesses um resumo do que apuramos em nossa discussão.

ADEODATO

– Farei o que puder. Antes de mais nada, lembro que por certo tempo indagamos da razão por que se fala, e achamos que se fala para ensinar ou para recordar. Pois, mesmo quando interrogamos, nada mais pretendemos do que fazer saber ao interlocutor o que dele queremos ouvir. Depois vimos que, ao cantar, o som que emitimos apenas por prazer não pertence propriamente à locução; e quando na oração nos dirigimos a Deus, a quem não se pode ensinar ou recordar algo, o valor das palavras está em admoestar a nós mesmos ou, mediante nós, admoestar e instruir aos outros. A seguir, após teres demonstrado o bastante que as palavras nada mais são do que sinais e que não pode existir sinal que não tenha significado, propuseste-me um verso, de cujas palavras busquei explicar o significado, uma por uma, o verso era: “Si nihil ex tanta superis placet urbe relinqui”. Sua segunda palavra (nihil), apesar de familiar a todos, não conseguimos, todavia, encontrar o que significava, pois parecia a mim que nós não a empregamos inutilmente durante a fala, mas para transmitir algo a nosso ouvinte; isto é, parecia-me que esta palavra indicasse, talvez, o estado da mente quando acha que não existe a coisa que procura ou que julga tê-la achado; e tu evitaste com uma brincadeira aprofundar não sei como a questão, adiando para outra ocasião o esclarecimento. Não julgues, porém, que eu esqueça dessa tua dívida comigo. Depois, quando eu buscava explicar a terceira palavra do verso, me convidaste a indicar não outra palavra equivalente, mas, pelo contrário, a mostrar a própria coisa que a palavra significa. Respondi, em nossa conversação, que isto não seria possível, e consideramos aquelas coisas que podem ser apontadas aos nossos interlocutores. Pensava eu que isso fosse possível com todas as coisas corpóreas, mas depois achamos que o seria apenas com as visíveis. Daí passamos, não lembro como, aos surdos e aos histriões, observando que exprimem pelo gesto sem voz, não só as coisas visíveis, mas muitas outras e quase todas as que expressamos com palavras, e conviemos que os gestos também são sinais. Voltamos, pois, a indagar se seria possível indicar, sem empregar sinal algum, as mesmas coisas que indicamos por sinais, sendo aquela parede, aquela cor e tudo o que é visível e que é indicado pelo gesto, devemos convir que é sempre indicado por certo sinal. Nisso eu me enganei e respondi que não poderíamos achar nada disso, e, todavia, ficou assente entre nós que seria possível mostrar, sem sinais, aquilo que nós não fazemos no momento da pergunta, mas que podemos fazer depois de interrogados; a locução, porém, não se enquadra nisto, pois quando falamos, se alguém nos perguntar o que é falar, demonstra-se facilmente por si mesmo: falando.


(Revisão de versão portuguesa por ama

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