Em seguida devemos tratar dos efeitos da
Paixão de Cristo. E nesta questão discutem-se seis artigos:
Art. 1 — Se pela Paixão de Cristo somos libertados
do pecado.
Art. 2 — Se pela Paixão de Cristo fomos
livrados do poder do diabo.
Art. 3 — Se pela Paixão de Cristo os
homens foram libertados da pena do pecado.
Art. 4 — Se pela Paixão de Cristo fomos
reconciliados com Deus.
Art. 5 — Se Cristo com a sua Paixão nos
abriu as portas do céu.
Art. 6 — Se Cristo pela sua Paixão
mereceu ser exaltado.
Art.
1 — Se pela Paixão de Cristo somos libertados do pecado.
O
primeiro discute-se assim. — Parece que pela Paixão de Cristo não somos libertados
do pecado.
1. — Pois, libertar do pecado é próprio
de Deus, segundo a Escritura: Eu sou, eu
mesmo o que apago as tuas iniquidades por amor de mim. Ora, Cristo não
sofreu enquanto Deus, mas enquanto homem. Logo, a Paixão de Cristo não nos
liberta do pecado.
2. Demais. — O corporal não age sobre o
espiritual. Ora, a Paixão de Cristo foi corporal; ao passo que o pecado existe
na alma, criatura espiritual. Logo, a Paixão de Cristo não podia purificar do
pecado.
3. Demais. — Ninguém pode ser libertado
de pecado que ainda não cometeu, mas do que no futuro cometerá. Ora, como
muitos pecados foram cometidos e todos os dias o são, posteriores à Paixão de
Cristo, parece que pela sua Paixão não fomos libertados do pecado.
4. Demais. — Posta a causa suficiente,
nada mais é necessário para a produção do efeito. Ora, além da Paixão de Cristo
requerem-se outras causas como o baptismo e a penitência, para a remissão dos
pecados. Logo, parece que a Paixão de Cristo não foi causa suficiente da
remissão dos pecados.
5. Demais. — A Escritura diz: A caridade cobre todos os delitos. E
noutro lugar. Os pecados purificam-se
pela misericórdia e pela fé. Ora, há muitos outros objectos de fé e motivos
da caridade, além da Paixão de Cristo. Logo, a Paixão de Cristo não é a causa
própria da remissão
dos pecados.
Mas, em contrário, a Escritura: Amou-nos e lavou-nos dos pecados no seu
sangue.
A Paixão de Cristo é a causa
própria da remissão dos pecados, por três razões. — Primeiro, como causa
excitante à caridade. Pois, no dizer do Apóstolo, Deus faz brilhar a sua caridade em nós, porque ainda quando éramos
pecadores, no seu tempo Cristo morreu por nós. Ora, pela caridade
conseguimos o perdão dos pecados, conforme o Evangelho: Perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque amou muito. —
Segundo, a Paixão de Cristo causa a remissão dos pecados a modo de redenção.
Pois, sendo Cristo a nossa cabeça, pela Paixão que sofreu por obediência e
caridade, libertou-nos, como os seus membros, do pecado, quase pelo preço da
sua Paixão; como no caso de alguém que, por uma obra meritória manual, se
resgatasse do pecado que com os pés tivesse cometido. Assim como, pois, o corpo
natural é uno, na diversidade dos seus membros, assim a Igreja na sua
totalidade, que é o corpo místico de Cristo, é considerada quase uma mesma
pessoa com a sua cabeça que é Cristo. — Terceiro, o modo de eficiência,
enquanto a carne, na qual Cristo sofreu a sua Paixão, é o instrumento da
divindade; pelo qual os padecimentos e as acções de Cristo agem com virtude
divina, com o fim de delir o pecado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
Embora Cristo, como Deus, não sofresse, contudo a sua carne foi o instrumento
da divindade. Donde houve na sua Paixão, uma certa virtude divina de perdoar os
pecados, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A Paixão de
Cristo, embora corpórea, produz contudo uma certa virtude espiritual por causa
da divindade à qual a sua carne estava unida, como instrumento. E por força
dessa virtude a Paixão de Cristo é a causa da remissão dos pecados.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo pela sua
Paixão livrou-nos dos pecados, causalmente, isto é, por ter instituído a causa
da nossa libertação, em virtude da qual pudesse perdoar num dado momento
quaisquer pecados - passados, presentes ou futuros. Tal o médico que preparasse
um remédio capaz de curar quaisquer doenças, mesmo futuras.
RESPOSTA À QUARTA. — A Paixão de Cristo
é, como dissemos, a causa universal antecedente da remissão dos pecados. Mas é
necessário aplicá-la a cada um a fim de delir os pecados próprios. O que se dá
pelo baptismo, pela penitência e pelos outros sacramentos, que tiram a sua
virtude da Paixão de Cristo, como a seguir se dirá.
RESPOSTA À QUINTA. — Também pela fé nos
é aplicada a Paixão de Cristo, a fim de lhe colhermos os frutos, segundo o
Apostolo: Ao qual propôs Deus para ser;
vitima de propiciação pela fé no seu sangue. Mas a fé, pela qual nos
purificamos do pecado, não é uma fé informe, que pode coexistir com o pecado,
mas a fé informada pela caridade. De modo que uma Paixão de Cristo nos é
aplicada, não só quanto ao intelecto, mas também quanto ao afecto. E também
deste modo os pecados são perdoados por virtude da Paixão de Cristo.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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