Art.
4 — Se a Paixão de Cristo obrou a nossa salvação a modo de redenção.
O quarto discute-se assim. — Parece que
a Paixão de Cristo não obrou a nossa salvação a modo de redenção.
1. — Pois, ninguém compra ou redime o que
nunca deixou de lhe pertencer. Ora, os homens nunca deixaram de ser de Deus,
conforme aquilo da Escritura: Do Senhor é a terra e tudo o que a enche, a
redondeza da terra e todos os seus habitantes. Logo, parece que Cristo não nos
remiu com a sua Paixão.
2. Demais. — Como diz Agostinho, Cristo devia vencer o demónio pela justiça.
Ora, a justiça exige, que quem se apoderou dolosamente da coisa alheia deve ser
privado dela, porque a ninguém deve aproveitar a fraude e o dolo, como também o
exigem as leis humanas. Logo, tendo o diabo enganado e a si subjugado
dolosamente o homem, criatura de Deus, parece que não devia o homem ser-lhe
arrebatado ao poder por meio da redenção.
3. Demais. — Quem compra ou redime uma
coisa paga o preço a quem antes a possuía. Ora, Cristo não pagou o seu sangue,
considerado preço da nossa redenção, ao diabo, que nos tinha captiívos. Logo,
Cristo não nos remiu com a Paixão.
Mas, em contrário, a Escritura: Não por ouro nem por prata, que são coisas
corruptíveis, haveis sido resgatados da vossa vã conversação que recebestes de
vossos pais; mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado
e sem contaminação alguma. Noutro lugar: Cristo nos remiu da maldição da lei, feito ele mesmo maldição por nós.
E odito do Apóstolo — feito maldição por
nós — significa que sofreu por nós no madeiro, como antes se disse. Logo,
pela sua Paixão nos remiu.
Pelo pecado o homem estava
escravizado, de dois modos. — Primeiro pela servidão do pecado; pois, todo o que comete pecado é escravo do
pecado; e todo o que é vencido é escravo daquele que venceu - como se lê na
Escritura. Ora, como o diabo venceu ao homem, induzindo-o ao pecado, o homem
foi feito escravo do diabo. — Segundo, quanto ao reato da pena pelo qual o
homem estava ligado, segundo a justiça de Deus. E esta também é uma escravidão;
pois, é próprio do escravo sofrer o que não quer, ao contrário do homem livre,
que pode dispor de si mesmo como quer. Donde, sendo a Paixão de Cristo uma
satisfação suficiente e superabundante pelo pecado e pelo reato do género
humano, a sua Paixão foi um como preço, pelo qual fomos livrados de uma e outra
escravidão. Assim, a satisfação pela qual satisfazemos por nós ou por outrem é
considerada um preço pelo qual nos remimos do pecado e da pena, segundo a
Escritura: Redime os teus pecados com a
esmola. Ora, Cristo satisfez não certamente dando dinheiro nem por qualquer
forma semelhante, mas dando-se a ele próprio - bem máximo - por nós. Por isso é
que se diz ser a Paixão de Cristo a nossa redenção.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
De dois modos dizemos que o homem pertence a Deus. Primeiro, por lhe estar
sujeito ao poder. E, neste sentido, o homem nunca deixa de pertencer a Deus,
segundo a Escritura: o Excelso tem
debaixo da sua dominação os reinos dos homens e os dá a quem lhe aprazo.
Noutro sentido, pela união da caridade com ele, segundo o dito do Apóstolo: Se algum não tem o Espírito de Cristo, este
tal não é dele. — Ora, do primeiro modo o homem nunca deixou de ser de
Deus. Mas, do segundo, deixa-o, pelo pecado. Donde, quando libertado do pecado,
pela Paixão satisfatória de Cristo, dizemos que o homem foi remido pela Paixão
de Cristo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O homem, pecando,
contraiu uma obrigação tanto para com Deus como para o diabo. Pois, pela culpa,
ofendeu a Deus e, sujeitou-se ao diabo, pelo seu consentimento. E assim, em
razão da culpa, não se tornou servo de Deus; mas antes, afastando-se do seu
serviço, incorreu na servidão do diabo, por justa permissão de Deus, por causa
da ofensa contra ele cometida. Mas, quanto à pena, o homem contraiu
principalmente uma obrigação para com Deus, como supremo juiz; e para com o
diabo, como seu algoz, segundo o Evangelho: Para
que não suceda que o teu adversário te entregue ao juiz e que o juiz te
entregue ao seu ministro, isto é, ao
anjo cruel da pena, como interpreta Crisóstomo. Embora, pois, o diabo
retivesse, injustamente e na medida do seu poder, sob o seu jugo o homem,
enganado pela sua fraude, tanto quanto à culpa como quanto à pena, contudo, era
justo que o homem o sofresse isso, por permissão de Deus, quanto à culpa, e
pela ordem do mesmo Deus, quanto à pena. Donde, relativamente a Deus, a justiça
exigia que o homem fosse redimido; não, porém relativamente ao diabo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como a redenção
era necessária para a libertação do homem, relativamente a Deus, mas não
relativamente ao diabo, o preço não devia ser pago ao diabo, mas a Deus. Por
isso, não se diz que Cristo tivesse oferecido ao diabo, mas a Deus o seu
sangue, que é o preço da nossa redenção.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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