Próximos
do próximo
Seguia o
cortejo fúnebre e, confesso não me sentia nada bem comigo mesmo.
Como que um
“peso” sobre o peito esmagava-me e fazia-me sentir muito mal, como se estivesse
a representar um papel de um drama qualquer que, até então, tinha ignorado
completamente.
De
propósito!
Achava que
não me dizia respeito!
A pobre
mulher que seguia o féretro do filho único era de facto viúva de um homem que
tinha sido um grande amigo meu, aliás, mais que amigo, um autêntico bem-feitor.
Devia-lhe
uma soma de dinheiro não despicienda e, no entanto, nem enquanto vivo alguma
vez me pressionara para que lhe pagasse como nem sequer, ao morrer, se
encontrou qualquer nota da dívida pendente.
Senti-me
“aliviado”, ninguém sabia do caso e, como nada havia escrito, a dívida pura e
simplesmente deixara de existir.
Na verdade,
algumas vezes, pensei em resolver a situação até porque sabia que a viúva vivia
com enormes dificuldades sendo o filho o único apoio com que contava para o seu
parco sustento.
Mas… fui
deixando o tempo passar e nada fiz.
Agora…
aquele “peso” de que falava fazia-me sentir uma enorme vergonha e um remorso
quase insuportável.
Imerso
nestes pensamentos mal me dei conta que o cortejo se detivera e que um homem se
dirigia à viúva dizendo algo que eu não consegui ouvir.
Toda a sua
atitude era de compaixão pela pobre mulher e, até, pareceu-me ver os seus olhos
húmidos de lágrimas.
Quem seria
o personagem?
A mulher
não dera mostras de o reconhecer mas olhava para ele com um olhar misto de
espanto e esperança.
As pessoas
em redor abriram um espaço e o homem dirigiu-se ao féretro e estendendo a mão
tocou e bradou com voz forte que todos pudemos ouvir bem:
«Jovem, Eu
te ordeno, levanta-te».
O que
aconteceu a seguir foi algo extraordinário que jamais esquecerei:
«O que
tinha estado morto sentou-se, e começou a falar.»
Então o
homem, pegando-lhe pela mão «entregou-o à mãe».
As pessoas
que seguiam no cortejo fúnebre irromperam em gritos e exclamações de espanto e
a dar graças a Deus por tão grande milagre que acabavam de presenciar.
O homem,
discretamente, retirou-se acompanhado de uns quantos que pareciam ser seus
amigos íntimos.
Eu… caí de
joelhos no chão duro possuído de um choro incontrolável.
Depois,
informei-me sobre o personagem que operara o milagre e vários me disseram que
era um Profeta, um tal Jesus de Nazaré, um Galileu.
Mais tarde,
quando caíu a noite, fui a casa da viúva e entreguei-lhe uma bolsa com
dinheiro, o dobro da quantia que o seu marido me emprestara e disse-lhe
envergonhado mas, ao mesmo tempo, feliz:
‘Este
dinheiro pertence-te, foi o teu marido quem mo emprestou. A partir de hoje tudo
quanto precisares diz-me e eu providenciarei’.
E, a
verdade, é que eu, um homem duro e apenas preocupado comigo e a minha vida
passei a olhar para os outros com outros olhos e, na minha povoação, toda a
gente sabe que pode contar comigo para o que for.
(AMA, Reflexões, 01.09.2016)
[i] Lc 7
11 No dia seguinte foi para uma cidade, chamada Naim. Iam com Ele os Seus
discípulos e muito povo.12 Quando chegou perto da porta da cidade, eis que era
levado a sepultar um defunto, filho único de uma viúva; e ia com ela muita
gente da cidade.13 Tendo-a visto, o Senhor, movido de compaixão para com ela,
disse-lhe: «Não chores».14 Aproximou-Se, tocou no caixão, e os que o levavam
pararam. Então disse: «Jovem, Eu te ordeno, levanta-te».15 E o que tinha estado
morto sentou-se, e começou a falar. Depois, Jesus, entregou-o à sua mãe.
Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Lucas [1] poderia ser o Evangelho “oficial” do Ano Jubilar da Misericórdia.
De facto, aparte a magistral descrição da parábola proferida
por Jesus Cristo, a beleza do texto, a economia das palavras, o ritmo da
descrição – características deste Evangelista – põem-nos perante um autêntico
quadro ou, melhor, perante um filme que se desenrola aos nossos olhos
prendendo-nos a atenção e excitando os nossos sentidos.
São Josemaria recomendou: “aconselho-te a que, na tua oração, intervenhas nas
passagens do Evangelho, como um personagem mais”. [1]
É isso mesmo que me proponho fazer.
Sob o Título: “Próximos do próximo” (sugerido por um bom amigo) vou tentar personificar alguns dos personagens da parábola
e, também, introduzir-me nela como observador directo.
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