04/09/2016

Leitura espiritual

Leitura Espiritual


Cristo que passa



São Josemaria Escrivá

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É a fé em Cristo, que morreu e ressuscitou, presente em todos e cada a um dos momentos da vida, que ilumina as nossas consciências, incitando-nos a participar com todas as forças nas vicissitudes e nos problemas da história humana.
Nessa história, que teve início com a criação do mundo e terminará com a consumação dos séculos, o cristão não é um apátrida: é um cidadão da cidade dos homens, com a alma cheia de desejo de Deus, cujo amor começa já a entrever nesta etapa temporal e no qual reconhece o fim a que estamos chamados todos os que vivemos na Terra.

Se o meu testemunho pessoal tem interesse, posso dizer que sempre entendi o meu trabalho de sacerdote e pastor de almas como uma tarefa dirigida a situar cada pessoa perante as exigências totais da sua vida, ajudando-a a descobrir aquilo que Deus em concreto lhe pede, sem pôr qualquer limitação à santa independência e à bendita responsabilidade individual que são características de uma consciência cristã.
Esse modo de agir e esse espírito baseiam-se no respeito pela transcendência da verdade revelada e no amor à liberdade da criatura humana.
Poderia acrescentar que se baseiam também na certeza da indeterminação da História, aberta a múltiplas possibilidades que Deus não quis limitar.

Seguir Cristo não significa refugiar-se no templo, encolhendo os ombros perante o desenvolvimento da sociedade, perante os acertos ou as aberrações dos homens e dos povos.
A fé cristã leva-nos, pelo contrário, a ver o mundo como criação do Senhor, a apreciar, portanto, tudo o que é nobre e belo, a reconhecer a dignidade de cada pessoa, feita à imagem de Deus, e a admirar esse dom especialíssimo da liberdade, que nos faz senhores dos nossos próprios actos e capazes, com a graça do Céu, de construir o nosso destino eterno.

Seria minimizar a Fé reduzi-la a uma ideologia terrena, arvorando um estandarte político-religioso para condenar, não se sabe em nome de que investidura divina, aqueles que não pensam do mesmo modo em problemas que são, pela sua própria natureza, susceptíveis de receber numerosas e diversas soluções.

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Reflectir no sentido da morte de Cristo

A digressão que acabo de fazer tem por única finalidade pôr em evidência uma verdade central: recordar que a vida cristã encontra o seu sentido em Deus.
Nós os homens não fomos criados apenas para edificar um mundo o mais justo possível: para além disso, fomos colocados na Terra para entrar em comunhão com o próprio Deus.
Jesus não nos prometeu a comodidade temporal, nem a glória terrena, mas a casa de Deus-Pai, que nos espera no final do caminho.

A liturgia de Sexta-feira Santa inclui um hino maravilhoso: o Crux Fidelis.
Nesse hino, somos convidados a cantar e celebrar o glorioso combate do Senhor, o troféu que é a Cruz, a esplêndida vitória de Cristo.
O Redentor do Universo, ao ser imolado, triunfa. Deus, Senhor de toda a criação, não afirma a sua presença com a força das armas, nem sequer com o poder temporal dos seus, mas sim com a grandeza do seu amor infinito.

O Senhor não destrói a liberdade do homem: precisamente foi Ele que nos fez livres.
Por isso mesmo não quer respostas forçadas, mas sim decisões que saiam da intimidade do coração.
E espera de nós, cristãos, que vivamos de tal maneira que aqueles que convivam connosco, por cima das nossas próprias misérias, erros e deficiências, encontrem o eco do drama de amor do Calvário.
Tudo o que temos, recebemo-lo de Deus, para sermos sal que dê sabor, luz que leve aos homens a alegre nova de que Ele é um Pai que ama sem medida.
O cristão é luz do mundo, não porque vença ou triunfe, mas porque dá testemunho do amor de Deus.
E não será sal se não servir para salgar; nem será luz se, com o seu exemplo e a sua doutrina, não oferecer um testemunho de Jesus, se perder aquilo que constitui a razão de ser da sua vida.

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Convém que meditemos naquilo que nos revela a morte de Cristo, sem ficarmos nas formas exteriores ou em fases estereotipadas.
É necessário que nos metamos de verdade nas cenas que vivemos durante estes dias da Semana Santa: a dor de Jesus, as lágrimas de sua Mãe, a debandada dos discípulos, a fortaleza das santas mulheres, a audácia de José e Nicodemos, que pedem a Pilatos o corpo do Senhor.

Aproximemo-nos, em suma, de Jesus morto, dessa Cruz que se recorta sobre o cume do Gólgota.
Mas aproximemo-nos com sinceridade, sabendo encontrar o recolhimento interior que é sinal de maturidade cristã.
Os acontecimentos, divinos e humanos, da Paixão penetrarão desta forma na alma como palavra que Deus nos dirige para desvelar os segredos do nosso coração e revelar-nos aquilo que espera das nossas vidas.

Há já muitos anos, vi um quadro que se gravou profundamente no meu íntimo.
Representava a Cruz de Cristo e, junto ao madeiro, três anjos: um chorava desconsoladamente; outro tinha um cravo na mão, como para se convencer de que aquilo era verdade; o terceiro estava recolhido em oração.
Eis um programa sempre actual para cada um de nós: chorar, crer e orar.

Perante a Cruz, dor dos nossos pecados, dos pecados da Humanidade, que levaram Jesus à morte; fé, para penetrarmos nessa verdade sublime que ultrapassa todo o entendimento e para nos maravilharmos com o amor de Deus; oração, para que a vida e a morte de Cristo sejam o modelo e o estímulo da nossa vida e da nossa entrega. Só assim nos chamaremos vencedores!
Porque Cristo ressuscitado vencerá em nós, e a morte transformar-se-á em vida.

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Cristo vive.
Esta é a grande verdade que enche de conteúdo a nossa fé.
Jesus, que morreu na cruz, ressuscitou; triunfou da morte, do poder das trevas, da dor e da angústia.
Não temais - foi com esta invocação que um anjo saudou as mulheres que iam ao sepulcro.
Não temais.
Procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado. Ressuscitou; não está aqui.
Haec est dies quam fecit Dominus, exultemus et laetemur in ea - este é o dia que o Senhor fez; alegremo-nos.

O tempo pascal é tempo de alegria, de uma alegria que não se limita a esta época do ano litúrgico, mas mora sempre no coração dos cristãos.
Porque Cristo vive.
Cristo não é uma figura que passou, que existiu em certo tempo e que se foi embora, deixando-nos uma recordação e um exemplo maravilhosos.
Não.
Cristo vive.
Jesus é Emanuel: Deus connosco.
A sua Ressurreição revela-nos que Deus não abandona os seus.
Pode a mulher esquecer o fruto do seu seio e não se compadecer do filho das suas entranhas?
Pois ainda que ela se esquecesse, eu não me esquecerei de ti, havia-nos Ele prometido.
E cumpriu a promessa.
Deus continua a ter as suas delícias entre os filhos dos homens.

Cristo vive na sua Igreja. "Digo-vos a verdade: convém-vos que Eu vá; porque se Eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, se Eu for, enviar-vo-Lo-ei".
Esses eram os desígnios de Deus: Jesus morrendo na Cruz, dava-nos o Espírito de Verdade e de Vida.
Cristo permanece na sua Igreja: nos seus sacramentos, na sua liturgia, na sua pregação, em toda a sua actividade.

De modo especial, Cristo continua presente entre nós nessa entrega diária que é a Sagrada Eucaristia.
Por isso a Missa é o centro e a raiz da vida cristã.
Em todas as Missas está sempre presente o Cristo total, Cabeça e Corpo.
Per Ipsum, et cum Ipso, et in Ipso.
Porque Cristo é o Caminho, o Mediador.
Nele tudo encontramos; fora d'Ele a nossa vida torna-se vazia. Em Jesus Cristo, e instruídos por Ele, atrevemo-nos a dizer - audemus dicere - Pater noster, Pai nosso.
Atrevemo-nos a chamar Pai ao Senhor dos Céus e da Terra.

A presença de Jesus vivo na Sagrada Hóstia é a garantia, a raiz e a consumação da sua presença no Mundo.

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Cristo vive no cristão.
A fé diz-nos que o homem, em estado de graça, está endeusado. Somos homens e mulheres; não anjos.
Seres de carne e osso, com coração e paixões, com tristezas e alegrias; mas a divinização envolve o homem todo, como antecipação da ressurreição gloriosa.
Cristo ressuscitou dentre os mortos, como primícias dos que morreram. Porque, assim como por um homem veio a morte, também veio por um homem a ressurreição.
Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também em Cristo todos são vivificados.

A vida de Cristo é vida nossa, segundo o que prometera aos seus Apóstolos no dia da última Ceia: Todo aquele que me ama observará os meus mandamentos, e meu Pai o amará, e viremos a ele e faremos nele morada.
O cristão, portanto, deve viver segundo a vida de Cristo, tornando seus os sentimentos de Cristo de tal modo que possa exclamar com S. Paulo: Non vivo ego, vivit vero in me Christus; não sou eu quem vive; é Cristo que vive em mim.


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