Leitura Espiritual Temas actuais do cristianismo |
São Josemaria Escrivá
Acaba
de falar da unidade familiar como de um grande valor. Isto pode dar ocasião à
minha pergunta seguinte como é que o Opus Dei não organiza actividades de
formação espiritual onde participem juntamente marido e mulher?
Nisto,
como em tantas outras coisas, nós os cristãos temos a possibilidade de escolher
entre várias soluções, de acordo com as preferências ou opiniões próprias, sem
que ninguém possa pretender impor-nos um sistema único. É preciso fugir, como
da peste, dessa maneira de conceber a pastoral e, em geral, o apostolado, que
não parece mais do que uma nova edição, corrigida e aumentada, do partido único
na vida religiosa.
Sei
que há grupos católicos que organizam retiros espirituais e outras actividades
formativas para casais. Parece-me muitíssimo bem que, usando da sua liberdade,
façam o que consideram conveniente e que também vão a essas actividades os que
encontram nelas um meio que os ajuda a viver melhor a sua vocação cristã. Mas
considero que não é essa a única possibilidade e nem sequer é evidente que seja
a melhor.
Há
muitas facetas da vida eclesial que os casais, e inclusivamente toda a família,
podem e, às vezes, devem viver juntos, como seja a participação no Sacrifício
Eucarístico e em outros actos do culto. Penso, no entanto, que determinadas
actividades de formação espiritual são mais eficazes se a elas forem
separadamente o marido e a mulher. Por um lado, afirma-se mais o carácter
fundamentalmente pessoal da própria santificação, da luta ascética, da união
com Deus, que depois reverterá a favor dos outros, mas onde a consciência de
cada um não pode ser substituída. Por outro lado, assim é mais fácil adequar a
formação às exigências e às necessidades pessoais de cada um, e inclusivamente
à sua própria psicologia. Isto não quer dizer que, nessas actividades, se
prescinda do estado matrimonial dos assistentes - nada mais longe do espírito
do Opus Dei.
Há
quarenta anos que venho dizendo de palavra e por escrito que cada homem, cada
mulher, tem de se santificar na sua vida habitual, nas condições concretas da
sua existência quotidiana; que, portanto, os esposos têm de se santificar
vivendo com perfeição as suas obrigações familiares. Nos retiros espirituais e
em outros meios de formação que o Opus Dei organiza e aos quais assistem
pessoas casadas, procura-se sempre que os esposos tomem consciência da
dignidade da sua vocação matrimonial e que com a ajuda de Deus se preparem para
vivê-la melhor.
Em
muitos aspectos, as exigências e as manifestações práticas do amor conjugal são
diferentes para o homem e para a mulher. Com meios de formação específicos,
pode-se ajudar cada um a descobri-los eficazmente na realidade da sua vida, de
modo que essa separação de umas horas ou de uns dias fá-los estar mais unidos e
amarem-se mais e melhor ao longo de todo o outro tempo, com um amor também
cheio de respeito.
Repito
que nisto não pretendemos sequer que o nosso modo de actuar seja o único bom,
ou que toda a gente o deva adoptar. Parece-me simplesmente que dá muito bons
resultados e que há razões sólidas - além de uma longa experiência - para
proceder assim, mas não ataco a opinião contrária.
Além
disso, devo dizer que, se no Opus Dei seguimos este critério para determinadas
iniciativas de formação espiritual, em variadíssimas actividades de outro
género os casais participam e colaboram como tais. Penso, por exemplo, no
trabalho que se faz com os pais dos alunos em colégios dirigidos por membros do
Opus Dei, nas reuniões, conferências, tríduos, etc., especialmente dedicados
aos pais dos estudantes que vivem em Residências dirigidas pela Obra.
Como
vê, quando a natureza da actividade requer a presença do casal, são marido e
mulher quem participa nestes trabalhos. Mas este tipo de reuniões e iniciativas
é diferente dos que se dirigem directamente à formação espiritual pessoal.
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Continuando
a tratar da vida familiar, queria agora centrar a minha pergunta na educação
dos filhos e nas relações entre pais e filhos. A alteração da situação familiar
em nossos dias leva, algumas vezes, a que não seja fácil o entendimento mútuo,
e inclusivamente gera a incompreensão, dando-se aquilo a que se tem chamado
conflito de gerações. Como se pode superar isto?
O
problema é antigo, se bem que talvez agora se apresente com mais frequência ou
de forma mais aguda, por causa da rápida evolução que caracteriza a sociedade
actual. É perfeitamente compreensível e natural que os jovens e os adultos
vejam as coisas de modo diferente. Sempre assim foi. O mais surpreendente seria
que um adolescente pensasse da mesma maneira que uma pessoa madura. Todos
sentimos impulsos de rebeldia para com os mais velhos quando começamos a formar
o nosso critério com autonomia, e todos também, com o correr dos anos,
compreendemos que os nossos pais tinham razão em muitas coisas, que eram fruto
da sua experiência e do amor por nós. Por isso compete em primeiro lugar aos
pais - que já passaram por esse transe - facilitar o entendimento, com
flexibilidade, com espírito jovial, evitando esses possíveis conflitos com amor
inteligente.
Aconselho
sempre os pais que procurem tornar-se amigos dos filhos. Pode-se harmonizar
perfeitamente a autoridade paterna, que a própria educação requer, com um
sentimento de amizade que exige pôr-se de alguma maneira ao mesmo nível dos
filhos. Os jovens - mesmo os que parecem mais indóceis e desprendidos - desejam
sempre essa aproximação com os pais. O segredo costuma estar na confiança. Que
os pais saibam educar num clima de familiaridade, que nunca dêem a impressão de
que desconfiam, que dêem liberdade e que ensinem a administrá-la com
responsabilidade pessoal. É preferível que se deixem enganar alguma vez. A
confiança que se põe nos filhos faz com que eles próprios se envergonhem de
terem abusado, e se corrijam. Pelo contrário, se não têm liberdade, se vêem que
não se confia neles, sentir-se-ão levados a enganar sempre.
Essa
amizade de que falo, esse saber pôr-se ao nível dos filhos facilitando-lhes que
falem confiadamente dos seus pequenos problemas, torna possível algo que me
parece de grande importância: que sejam os pais quem dê a conhecer aos filhos a
origem da vida, de um modo gradual, adaptando-se à sua mentalidade e à sua
capacidade de compreender, antecipando-se um pouco à sua natural curiosidade. É
necessário evitar que os filhos rodeiem de malícia esta matéria, que aprendam
uma coisa em si mesma nobre e santa por uma má confidência dum amigo ou duma
amiga. Isto mesmo costuma ser um passo importante para firmar a amizade entre
pais e filhos, impedindo uma separação exactamente no despertar da vida moral.
Por
outro lado, os pais têm também de procurar manter o coração jovem, para que
lhes seja mais fácil receber com simpatia as aspirações nobres e inclusivamente
as extravagâncias dos filhos. A vida muda e há muitas coisas novas que talvez
não nos agradem - é possível até que não sejam objectivamente melhores que
outras de antes - mas que não são más, são simplesmente outros modos de viver
sem transcendência de maior. Em não poucas ocasiões, os conflitos aparecem
porque se dá importância a ninharias que se superam com um pouco de perspectiva
e de sentido de humor.
(cont)
[i]
Entrevista
realizada por Pilar Salcedo, publicada em Telva (Madrid), em 1 de Fevereiro de
1968 e reproduzida em Mundo Cristiano (Madrid) em 1 de Março do mesmo ano.
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