29/07/2016

Reflexão no Ano Jubilar da Misericórdia – 6


Próximos do próximo
 [i] 

Nesta reflexão vou tentar assumir o personagem central desta parábola: O grande devedor.

Encontro-me numa situação delicadíssima: o meu Senhor e Rei mandou-me para a prisão e também confiscar todos os meus bens com a ameaça – que levo muito a sério – de se o resultado da venda não atingir o valor em dívida, a minha mulher e os meus filhos serão vendidos como escravos!

Desde que aqui entrei não tenho feito outra coisa que deitar contas à minha vida tentando descobrir a possibilidade de evitar este último pesadíssimo castigo.

Tenho bem presente a enorme soma em causa e a determinação do meu Rei em não me perdoar um cêntimo sequer.

Como pode um homem ser tão mesquinho?
A minha revolta impede-me de raciocinar direito e a única coisa que penso é na forma de me vingar do tirano… ah! E também daqueles que me foram acusar do que tinha feito àquele que me devia cem denários.

Então não estava no meu direito exigir que me pagasse o que me devia?

Claro que sim! As dívidas devem pagar-se sempre, custe o que custar e se acaso tal se revelar impossível não há outra solução que procurar o credor e tentar um adiamento da data acordada.

Reparo agora, no que acabei de reflectir e que está absolutamente correcto mas… a verdade é que eu não procedi assim.

Em primeiro lugar beneficiei de um acto de misericórdia extraordinário do meu Rei e Senhor que me perdoou toda a minha enorme dívida!

Como foi possível que tal benesse não tivesse calado fundo no meu coração empedernido e tivesse transformado radicalmente a minha forma de actuar.

Em vez disso, estou agora aqui na prisão recriminando quem deveria louvar, agradecer e ter em altíssima consideração.

Mais: quando encontrei aquele que me devia cem denários não tive o mais pequeno rasgo de compreensão – de misericórdia – e cometi um acto de impensável impiedade.

Como posso recriminar os meus companheiros por se terem indignado com a minha atitude?

Amargamente chego à conclusão que a minha vida não vale nada!
Tenho-me deixado dominar pelo dinheiro, pela posse, pelos bens mesmo atropelando direitos e deveres de solidariedade.

Não tenho um amigo, uma pessoa que sinta prazer em estar comigo, sou um solitário – um solitário rico, é certo – um desgraçado com os cofres cheios e o coração vazio.

Que me importa, agora, se tenho muitos ou poucos bens se não possuo o único bem que poderia dar-me conforto: a consciência tranquila!

O que posso fazer para emendar – sim, tenho de emendar tudo isto – fazer uma profunda revisão de vida.

Já sei o que vou fazer: vou dar tudo quanto tenho ao meu Rei e Senhor para que faça o que bem entender e também vou passar recibos de quitação a todos a quem emprestei e ainda não me pagaram.

Talvez que, o meu Rei e Senhor se sinta, uma vez mais, movido pela sua misericórdia e me devolva à liberdade com a promessa que jurarei cumprir com todas as minhas forças e empenho, de não voltar jamais a fazer o mesmo.

Acabo, assim, por chegar à conclusão que o meu Rei e Senhor me salvou de mim mesmo e – mesmo sem eu o merecer - me deu uma oportunidade de arrependimento.

(ama, reflexões no Ano Jubilar da Misericórdia, 22.06.2016)




[i] Mt 18, 21-35

21 Então, aproximando-se d'Ele Pedro, disse: «Senhor, até quantas vezes poderá pecar meu irmão contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?». 22 Jesus respondeu-lhe: «Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23 «Por isso, o Reino dos Céus é comparável a um rei que quis fazer as contas com os seus servos. 24 Tendo começado a fazer as contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. 25 Como não tivesse com que pagar, o seu senhor mandou que fosse vendido ele, a mulher, os filhos e tudo o que tinha, e se saldasse a dívida. 26 Porém, o servo, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo, eu te pagarei tudo”. 27 E o senhor, compadecido daquele servo, deixou-o ir livre e perdoou-lhe a dívida. 28 «Mas este servo, tendo saído, encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários e, lançando-lhe a mão, sufocava-o dizendo: “Paga o que me deves”. 29 O companheiro, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo, eu te pagarei”. 30 Porém ele recusou e foi mandá-lo meter na prisão, até pagar a dívida. 31 «Os outros servos seus companheiros, vendo isto, ficaram muito contristados e foram referir ao seu senhor tudo o que tinha acontecido. 32 Então o senhor chamou-o e disse-lhe: “Servo mau, eu perdoei-te a dívida toda, porque me suplicaste. 33 Não devias tu também compadecer-te do teu companheiro, como eu me compadeci de ti?”. 34 E o seu senhor, irado, entregou-o aos guardas, até que pagasse toda a dívida. 35 «Assim também vos fará Meu Pai celestial, se cada um não perdoar do íntimo do seu coração ao seu irmão»

Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Mateus também poderia ser o Evangelho “oficial” do Ano Jubilar da Misericórdia.

De facto, a parábola proferida por Jesus Cristo, põe-nos perante um autêntico quadro ou, melhor, perante um filme que se desenrola aos nossos olhos prendendo-nos a atenção e excitando os nossos sentidos.

São Josemaria recomendou: aconselho-te a que, na tua oração, intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais. [i]

É isso mesmo que me proponho fazer.

Sob o Título: “Próximos do próximo (sugerido por um bom amigo) vou tentar personificar alguns dos personagens da parábola e, também, introduzir-me nela como observador directo.


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