Nesta reflexão vou tentar assumir o
personagem central desta parábola: O grande devedor.
Encontro-me numa situação
delicadíssima: o meu Senhor e Rei mandou-me para a prisão e também confiscar
todos os meus bens com a ameaça – que levo muito a sério – de se o resultado da
venda não atingir o valor em dívida, a minha mulher e os meus filhos serão
vendidos como escravos!
Desde que aqui entrei não tenho feito
outra coisa que deitar contas à minha vida tentando descobrir a possibilidade
de evitar este último pesadíssimo castigo.
Tenho bem presente a enorme soma em
causa e a determinação do meu Rei em não me perdoar um cêntimo sequer.
Como pode um homem ser tão mesquinho?
A minha revolta impede-me de
raciocinar direito e a única coisa que penso é na forma de me vingar do tirano…
ah! E também daqueles que me foram acusar do que tinha feito àquele que me
devia cem denários.
Então não estava no meu direito exigir
que me pagasse o que me devia?
Claro que sim! As dívidas devem pagar-se
sempre, custe o que custar e se acaso tal se revelar impossível não há outra
solução que procurar o credor e tentar um adiamento da data acordada.
Reparo agora, no que acabei de
reflectir e que está absolutamente correcto mas… a verdade é que eu não procedi
assim.
Em primeiro lugar beneficiei de um
acto de misericórdia extraordinário do meu Rei e Senhor que me perdoou toda a
minha enorme dívida!
Como foi possível que tal benesse não
tivesse calado fundo no meu coração empedernido e tivesse transformado radicalmente
a minha forma de actuar.
Em vez disso, estou agora aqui na
prisão recriminando quem deveria louvar, agradecer e ter em altíssima consideração.
Mais: quando encontrei aquele que me
devia cem denários não tive o mais pequeno rasgo de compreensão – de misericórdia
– e cometi um acto de impensável impiedade.
Como posso recriminar os meus
companheiros por se terem indignado com a minha atitude?
Amargamente chego à conclusão que a
minha vida não vale nada!
Tenho-me deixado dominar pelo dinheiro,
pela posse, pelos bens mesmo atropelando direitos e deveres de solidariedade.
Não tenho um amigo, uma pessoa que
sinta prazer em estar comigo, sou um solitário – um solitário rico, é certo –
um desgraçado com os cofres cheios e o coração vazio.
Que me importa, agora, se tenho muitos
ou poucos bens se não possuo o único bem que poderia dar-me conforto: a consciência
tranquila!
O que posso fazer para emendar – sim,
tenho de emendar tudo isto – fazer uma profunda revisão de vida.
Já sei o que vou fazer: vou dar tudo
quanto tenho ao meu Rei e Senhor para que faça o que bem entender e também vou
passar recibos de quitação a todos a quem emprestei e ainda não me pagaram.
Talvez que, o meu Rei e Senhor se
sinta, uma vez mais, movido pela sua misericórdia e me devolva à liberdade com
a promessa que jurarei cumprir com todas as minhas forças e empenho, de não
voltar jamais a fazer o mesmo.
Acabo, assim, por chegar à conclusão
que o meu Rei e Senhor me salvou de mim mesmo e – mesmo sem eu o merecer - me
deu uma oportunidade de arrependimento.
(ama,
reflexões no Ano Jubilar da Misericórdia, 22.06.2016)
[i]
Mt 18, 21-35
21 Então, aproximando-se d'Ele Pedro, disse: «Senhor, até quantas vezes
poderá pecar meu irmão contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?». 22
Jesus respondeu-lhe: «Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes
sete. 23 «Por isso, o Reino dos Céus é comparável a um rei que quis
fazer as contas com os seus servos. 24 Tendo começado a fazer as
contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. 25
Como não tivesse com que pagar, o seu senhor mandou que fosse vendido ele, a
mulher, os filhos e tudo o que tinha, e se saldasse a dívida. 26
Porém, o servo, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo,
eu te pagarei tudo”. 27 E o senhor, compadecido daquele servo,
deixou-o ir livre e perdoou-lhe a dívida. 28 «Mas este servo, tendo
saído, encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários e,
lançando-lhe a mão, sufocava-o dizendo: “Paga o que me deves”. 29 O
companheiro, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo, eu
te pagarei”. 30 Porém ele recusou e foi mandá-lo meter na prisão,
até pagar a dívida. 31 «Os outros servos seus companheiros, vendo
isto, ficaram muito contristados e foram referir ao seu senhor tudo o que tinha
acontecido. 32 Então o senhor chamou-o e disse-lhe: “Servo mau, eu
perdoei-te a dívida toda, porque me suplicaste. 33 Não devias tu
também compadecer-te do teu companheiro, como eu me compadeci de ti?”. 34
E o seu senhor, irado, entregou-o aos guardas, até que pagasse toda a dívida. 35
«Assim também vos fará Meu Pai celestial, se cada um não perdoar do íntimo do
seu coração ao seu irmão»
Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Mateus também poderia ser o
Evangelho “oficial” do Ano Jubilar da Misericórdia.
De facto, a parábola
proferida por Jesus Cristo, põe-nos perante um autêntico quadro ou, melhor,
perante um filme que se desenrola aos nossos olhos prendendo-nos a atenção e
excitando os nossos sentidos.
São Josemaria
recomendou: “aconselho-te a que, na tua oração,
intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais”. [i]
É isso mesmo que me
proponho fazer.
Sob o Título: “Próximos do próximo” (sugerido
por um bom amigo) vou tentar personificar alguns dos
personagens da parábola e, também, introduzir-me nela como observador directo.
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