Páscoa
Evangelho:
Jo 6, 35-40
35
Jesus respondeu-lhes: «Eu sou o pão da vida; aquele que vem a Mim não terá
jamais fome, e aquele que crê em Mim não terá jamais sede. 36 Porém, já vos
disse que vós Me vistes e que não credes. 37 Tudo o que o Pai Me dá virá a Mim;
e aquele que vem a Mim não o lançarei fora. 38 Porque desci do céu não para
fazer a Minha vontade, mas a vontade d'Aquele que Me enviou. 39 Ora a vontade
d'Aquele que Me enviou é que Eu não perca nada do que Me deu, mas que o
ressuscite no último dia. 40 A vontade de Meu Pai que Me enviou é que todo o
que vê o Filho e crê n'Ele tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último
dia».
Comentário:
O “Discurso do Pão da
Vida”, - podemos chamá-lo assim – continua a ser relatado com detalhe pelo
Evangelista.
Compreende-se porquê:
O Sacramento Eucarístico é
de tal forma importante para a vida de Fé do Cristão que nunca é demais realçar
o que Jesus Cristo, que o instituiu num acto de supremo Amor pelos homens, quis
que nos compenetrássemos:
Os efeitos e graças que se
podem obter com a Comunhão frequente, (que deve ser preocupação e desejo de
qualquer baptizado).
(ama, comentário sobre Jo 6, 35-40, 2015.04.22)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
LIVRO
DÉCIMO
CAPÍTULO
XXI
A
memória do que nunca tivemos
Podemos comparar essa
lembrança à que conserva de Cartago, quem a viu? Não, a felicidade não se vê
com os olhos, pois não é corporal. Seria pois comparável à lembrança dos números?
Também não, pois quem conhece os números não deseja adquiri-los. Pelo
contrário, a ideia da felicidade inclina-nos a amá-la e a querer possuí-la,
para sermos felizes.
Lembramos dela, talvez,
como lembramos da eloquência? Também não, embora ao ouvir essa palavra, muitos
que não são eloquentes a associam à realidade que ela exprime, e desejariam
obtê-la, o que indica que já têm ideia de eloquência. Foi porém pelos sentidos
do corpo que ouviram a eloquência alheia, deleitando-se com ela, e desejando também
ser eloquentes. E certamente não lhes daria prazer se já não tivessem uma ideia
da eloquência, e nem a desejariam se esta não os tivesse deleitado. Mas a
felicidade não a percebemos nos outros por nenhum sentido corporal.
Essa lembrança, será porventura
comparável à da alegria? Talvez, pois quando estou triste lembro-me da alegria
passada, e quando infeliz, lembro-me da felicidade. Ora, esta alegria, eu
jamais a vi, ou ouvi, ou senti, ou saboreei, ou toquei; apenas a experimentei na
minha alma quando me alegrei. E esta ideia fixou-se na minha memória para que
eu pudesse recordá-la, às vezes com desgosto, outras com saudades, conforme as
circunstâncias que a geraram.
De facto senti-me invadido
de alegria causada por acções torpes, cuja lembrança agora aborreço e abomino;
outras vezes alegrei-me por acções boas e honestas, das quais me lembro com
saudade; mas já pertencem ao passado, e evoco com tristeza a minha antiga
alegria.
Mas onde e quando, então,
experimentei a felicidade para lembrar-me dela, para amá-la e desejá-la? Não
sou eu apenas, ou alguns que a desejam; mas todos, sem excepção queremos ser felizes.
Sem uma noção precisa da felicidade, a nossa vontade não teria essa firmeza.
Que significa isto? Se
perguntarmos a dois homens se querem alistar-se no exército, talvez um responda
que sim o outro que não. Mas, perguntemos se desejam ser felizes, e ambos responderão
que sim, sem nenhuma hesitação. E desejando um engajar-se, e o outro não, têm ambos
a mesma finalidade: ser felizes. Um gosta disto, outro daquilo, mas ambos
concordam em ser felizes, como seria unânime a resposta afirmativa a quem lhes
perguntasse se querem estar alegres. Essa alegria é o que eles chamam de
felicidade. E ainda que um siga por um caminho e outro por outro, a finalidade
de todos é um só: a alegria. Como a alegria é um sentimento do qual todos temos
experiência, encontramo-la na nossa memória, e reconhecemo-la ao ouvir pronunciar
a palavra felicidade.
CAPÍTULO
XXII
A
verdadeira felicidade
Longe de mim, longe do coração
do teu servo, Senhor, que a ti se confessa, a ideia de encontrar a felicidade
não importa em que alegria! A felicidade é uma alegria que não é concedida aos
ímpios, mas àqueles que te servem por puro amor: tu és essa alegria! Alegrar-se
de ti, em ti e por ti: isso é felicidade. E não há outra. Os que imaginam outra
felicidade, apegam-se a uma alegria que não é a verdadeira. Contudo, há sempre
uma imagem da alegria da qual a sua vontade não se afasta.
CAPÍTULO
XXIII
Felicidade
e verdade
Poderemos então concluir
que nem todos desejam ser felizes, pois há aqueles que não querem buscar em ti a
sua alegria, tu que és a única felicidade? Ou talvez todos a queiram, mas, como
a carne combate contra o espírito, e o espírito contra a carne, e com isso se contentam.
Porque não querem com
força bastante o que não têm, para obtê-lo.
Pergunto a todos se
preferem encontrar a alegria na verdade ou no erro; ninguém hesita em declarar
que preferem a verdade, como em dizer que querem ser felizes. É que a felicidade
é a alegria que provém da verdade. E essa alegria é a que nasce de ti, que és a
própria Verdade, ó meu Deus, minha luz, saúde do meu rosto! Todos querem essa
vida, a única feliz, essa alegria que se origina na verdade.
Encontrei muitos que
gostam de enganar, mas ninguém que quisesse ser enganado.
Onde, então, conheceram a
felicidade, senão onde conheceram a verdade? Visto que não querem ser
enganados, também amam a verdade, e desde que amam a felicidade, que nada mais
é que a alegria proveniente da verdade, certamente também amam a verdade; e não
a amariam se não retivessem dela, na sua memória, alguma noção. Por que, então,
não se alegram com ela? Por que não são felizes? Porque se empolgam demais com
outras coisas, que os tornam mais infelizes do que a verdade, de que se
recordam fracamente, e que os faria felizes.
Há ainda um pouco de luz
entre os homens: caminhem, caminhem, para que as trevas não os surpreendam.
Mas porquê a verdade gera
o ódio? Porquê os homens olham como inimigo aquele que a prega em teu nome, uma
vez que amam a felicidade, que mais não é que a alegria nascida da verdade?
Talvez por amarem a verdade de tal modo que tudo de diferente que amam, querem que
seja verdade; e, não admitindo ser enganados, também não querem ser convencidos
do seu erro. Desse modo, detestam a verdade por amarem o que tomam pela
verdade. Amam-na quando ela brilha, mas odeiam-na quando os repreende; e, como
não querem ser enganados, mas enganar, eles amam-na quando ela se manifesta,
mas odeiam-na quando ela os denuncia.
Porém ela castiga-os; não
querem ser descobertos pela verdade, mas esta denuncia-os, sem que por isso se lhes
manifeste.
É assim o coração do
homem! Cego e lerdo, torpe e indecente: quer permanecer oculto, mas não quer
que nada lhe seja ocultado. Em castigo, sucede-lhe o contrário: não consegue esconder-se
da verdade, enquanto esta lhe continua oculta. Contudo, apesar de tão infeliz, prefere
encontrar alegrias na verdade que no erro. Será, portanto, feliz quando, livre
de perturbações, se alegrar somente na Verdade, origem de tudo o que é
verdadeiro.
CAPÍTULO
XXIV
Deus
e a memória
Eis como esquadrinhei a
minha memória à tua procura, Senhor: não me foi possível encontrar-te fora
dela. Não encontrei de ti nada que não fosse lembrança, e nunca me esqueci de
ti desde que te conheci. Onde encontrei a verdade, aí encontrei o meu Deus, que
é a própria verdade; e desde que aprendi a conhecer a verdade, nunca mais a
esqueci. Por isso, desde que te conheço, permaneces na minha memória. É lá que
te encontro quando me lembro de ti e quando sou feliz em ti. Estas são as
santas delicias que me deste na tua misericórdia, olhando para a minha pobreza.
CAPÍTULO
XXV
Recapitulação
Onde habitas na minha
memória, Senhor, em que lugar dela estás? Que esconderijo aí construíste? Que
santuário aí edificaste para ti? Deste-me a honra de morar na minha memória;
mas em que parte dela resides? É o que quero agora descobrir.
Quando me recordei de ti,
ultrapassei aquela região da memória que também os animais possuem, pois não te
encontrei entre as imagens dos objectos corpóreos. E cheguei àquela parte onde
depositei os afectos da minha alma, mas também aí não te encontrei. Cheguei à
morada que o meu próprio espírito possui na memória – porque também o espírito se
lembra de si mesmo – mas nem ali estavas. Isso porque não és imagem corpórea,
nem afecto de ser vivo, como a alegria, a tristeza, o desejo, o temor, a
lembrança, o esquecimento e outros semelhantes, e nem és o meu próprio
espírito, porque és o Senhor e Deus do espírito, e tudo isso é mutável,
enquanto permaneces imutável e subsistes acima de todas as coisas, e te
dignaste habitar na minha memória desde que te conheço.
Mas, porquê perguntar em
que lugar da memória habitas, como se a memória tivesse compartimentos? Certo é
que habitas nela desde que te conheço, e é nela que te encontro, quando penso
em ti.
CAPÍTULO
XXVI
Onde
encontrar Deus?
Onde, então, te encontrei,
para te conhecer? Não estavas ainda na minha memória antes de eu te conhecer. Onde,
então, te encontrei, para te conhecer, senão em ti mesmo, acima de mim? No
entanto, aí não existe espaço. Quer nos afastemos de ti, quer nos aproximemos,
aí não existe espaço algum. Ó Verdade, por toda parte assistes aos que te
consultam, e respondes ao mesmo tempo a todas essas diversas consultas. As tuas
respostas são claras, mas nem para todos.
Os
homens te consultam sobre o que querem, mas nem sempre ouvem as respostas que
querem.
O teu servo fiel é o que
não pensa em ouvir de ti a resposta que quer, mas em querer a resposta que lhe
dás.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)
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