13/04/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Jo 6, 35-40

35 Jesus respondeu-lhes: «Eu sou o pão da vida; aquele que vem a Mim não terá jamais fome, e aquele que crê em Mim não terá jamais sede. 36 Porém, já vos disse que vós Me vistes e que não credes. 37 Tudo o que o Pai Me dá virá a Mim; e aquele que vem a Mim não o lançarei fora. 38 Porque desci do céu não para fazer a Minha vontade, mas a vontade d'Aquele que Me enviou. 39 Ora a vontade d'Aquele que Me enviou é que Eu não perca nada do que Me deu, mas que o ressuscite no último dia. 40 A vontade de Meu Pai que Me enviou é que todo o que vê o Filho e crê n'Ele tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia».

Comentário:

O “Discurso do Pão da Vida”, - podemos chamá-lo assim – continua a ser relatado com detalhe pelo Evangelista.
Compreende-se porquê:

O Sacramento Eucarístico é de tal forma importante para a vida de Fé do Cristão que nunca é demais realçar o que Jesus Cristo, que o instituiu num acto de supremo Amor pelos homens, quis que nos compenetrássemos:

Os efeitos e graças que se podem obter com a Comunhão frequente, (que deve ser preocupação e desejo de qualquer baptizado).

(ama, comentário sobre Jo 6, 35-40, 2015.04.22)


Leitura espiritual



SANTO AGOSTINHO – CONFISSÕES

LIVRO DÉCIMO

CAPÍTULO XXI

A memória do que nunca tivemos

Podemos comparar essa lembrança à que conserva de Cartago, quem a viu? Não, a felicidade não se vê com os olhos, pois não é corporal. Seria pois comparável à lembrança dos números? Também não, pois quem conhece os números não deseja adquiri-los. Pelo contrário, a ideia da felicidade inclina-nos a amá-la e a querer possuí-la, para sermos felizes.

Lembramos dela, talvez, como lembramos da eloquência? Também não, embora ao ouvir essa palavra, muitos que não são eloquentes a associam à realidade que ela exprime, e desejariam obtê-la, o que indica que já têm ideia de eloquência. Foi porém pelos sentidos do corpo que ouviram a eloquência alheia, deleitando-se com ela, e desejando também ser eloquentes. E certamente não lhes daria prazer se já não tivessem uma ideia da eloquência, e nem a desejariam se esta não os tivesse deleitado. Mas a felicidade não a percebemos nos outros por nenhum sentido corporal.

Essa lembrança, será porventura comparável à da alegria? Talvez, pois quando estou triste lembro-me da alegria passada, e quando infeliz, lembro-me da felicidade. Ora, esta alegria, eu jamais a vi, ou ouvi, ou senti, ou saboreei, ou toquei; apenas a experimentei na minha alma quando me alegrei. E esta ideia fixou-se na minha memória para que eu pudesse recordá-la, às vezes com desgosto, outras com saudades, conforme as circunstâncias que a geraram.

De facto senti-me invadido de alegria causada por acções torpes, cuja lembrança agora aborreço e abomino; outras vezes alegrei-me por acções boas e honestas, das quais me lembro com saudade; mas já pertencem ao passado, e evoco com tristeza a minha antiga alegria.

Mas onde e quando, então, experimentei a felicidade para lembrar-me dela, para amá-la e desejá-la? Não sou eu apenas, ou alguns que a desejam; mas todos, sem excepção queremos ser felizes. Sem uma noção precisa da felicidade, a nossa vontade não teria essa firmeza.

Que significa isto? Se perguntarmos a dois homens se querem alistar-se no exército, talvez um responda que sim o outro que não. Mas, perguntemos se desejam ser felizes, e ambos responderão que sim, sem nenhuma hesitação. E desejando um engajar-se, e o outro não, têm ambos a mesma finalidade: ser felizes. Um gosta disto, outro daquilo, mas ambos concordam em ser felizes, como seria unânime a resposta afirmativa a quem lhes perguntasse se querem estar alegres. Essa alegria é o que eles chamam de felicidade. E ainda que um siga por um caminho e outro por outro, a finalidade de todos é um só: a alegria. Como a alegria é um sentimento do qual todos temos experiência, encontramo-la na nossa memória, e reconhecemo-la ao ouvir pronunciar a palavra felicidade.

CAPÍTULO XXII

A verdadeira felicidade

Longe de mim, longe do coração do teu servo, Senhor, que a ti se confessa, a ideia de encontrar a felicidade não importa em que alegria! A felicidade é uma alegria que não é concedida aos ímpios, mas àqueles que te servem por puro amor: tu és essa alegria! Alegrar-se de ti, em ti e por ti: isso é felicidade. E não há outra. Os que imaginam outra felicidade, apegam-se a uma alegria que não é a verdadeira. Contudo, há sempre uma imagem da alegria da qual a sua vontade não se afasta.

CAPÍTULO XXIII

Felicidade e verdade

Poderemos então concluir que nem todos desejam ser felizes, pois há aqueles que não querem buscar em ti a sua alegria, tu que és a única felicidade? Ou talvez todos a queiram, mas, como a carne combate contra o espírito, e o espírito contra a carne, e com isso se contentam.

Porque não querem com força bastante o que não têm, para obtê-lo.

Pergunto a todos se preferem encontrar a alegria na verdade ou no erro; ninguém hesita em declarar que preferem a verdade, como em dizer que querem ser felizes. É que a felicidade é a alegria que provém da verdade. E essa alegria é a que nasce de ti, que és a própria Verdade, ó meu Deus, minha luz, saúde do meu rosto! Todos querem essa vida, a única feliz, essa alegria que se origina na verdade.

Encontrei muitos que gostam de enganar, mas ninguém que quisesse ser enganado.

Onde, então, conheceram a felicidade, senão onde conheceram a verdade? Visto que não querem ser enganados, também amam a verdade, e desde que amam a felicidade, que nada mais é que a alegria proveniente da verdade, certamente também amam a verdade; e não a amariam se não retivessem dela, na sua memória, alguma noção. Por que, então, não se alegram com ela? Por que não são felizes? Porque se empolgam demais com outras coisas, que os tornam mais infelizes do que a verdade, de que se recordam fracamente, e que os faria felizes.

Há ainda um pouco de luz entre os homens: caminhem, caminhem, para que as trevas não os surpreendam.

Mas porquê a verdade gera o ódio? Porquê os homens olham como inimigo aquele que a prega em teu nome, uma vez que amam a felicidade, que mais não é que a alegria nascida da verdade? Talvez por amarem a verdade de tal modo que tudo de diferente que amam, querem que seja verdade; e, não admitindo ser enganados, também não querem ser convencidos do seu erro. Desse modo, detestam a verdade por amarem o que tomam pela verdade. Amam-na quando ela brilha, mas odeiam-na quando os repreende; e, como não querem ser enganados, mas enganar, eles amam-na quando ela se manifesta, mas odeiam-na quando ela os denuncia.

Porém ela castiga-os; não querem ser descobertos pela verdade, mas esta denuncia-os, sem que por isso se lhes manifeste.

É assim o coração do homem! Cego e lerdo, torpe e indecente: quer permanecer oculto, mas não quer que nada lhe seja ocultado. Em castigo, sucede-lhe o contrário: não consegue esconder-se da verdade, enquanto esta lhe continua oculta. Contudo, apesar de tão infeliz, prefere encontrar alegrias na verdade que no erro. Será, portanto, feliz quando, livre de perturbações, se alegrar somente na Verdade, origem de tudo o que é verdadeiro.

CAPÍTULO XXIV

Deus e a memória

Eis como esquadrinhei a minha memória à tua procura, Senhor: não me foi possível encontrar-te fora dela. Não encontrei de ti nada que não fosse lembrança, e nunca me esqueci de ti desde que te conheci. Onde encontrei a verdade, aí encontrei o meu Deus, que é a própria verdade; e desde que aprendi a conhecer a verdade, nunca mais a esqueci. Por isso, desde que te conheço, permaneces na minha memória. É lá que te encontro quando me lembro de ti e quando sou feliz em ti. Estas são as santas delicias que me deste na tua misericórdia, olhando para a minha pobreza.

CAPÍTULO XXV

Recapitulação

Onde habitas na minha memória, Senhor, em que lugar dela estás? Que esconderijo aí construíste? Que santuário aí edificaste para ti? Deste-me a honra de morar na minha memória; mas em que parte dela resides? É o que quero agora descobrir.

Quando me recordei de ti, ultrapassei aquela região da memória que também os animais possuem, pois não te encontrei entre as imagens dos objectos corpóreos. E cheguei àquela parte onde depositei os afectos da minha alma, mas também aí não te encontrei. Cheguei à morada que o meu próprio espírito possui na memória – porque também o espírito se lembra de si mesmo – mas nem ali estavas. Isso porque não és imagem corpórea, nem afecto de ser vivo, como a alegria, a tristeza, o desejo, o temor, a lembrança, o esquecimento e outros semelhantes, e nem és o meu próprio espírito, porque és o Senhor e Deus do espírito, e tudo isso é mutável, enquanto permaneces imutável e subsistes acima de todas as coisas, e te dignaste habitar na minha memória desde que te conheço.

Mas, porquê perguntar em que lugar da memória habitas, como se a memória tivesse compartimentos? Certo é que habitas nela desde que te conheço, e é nela que te encontro, quando penso em ti.

CAPÍTULO XXVI

Onde encontrar Deus?

Onde, então, te encontrei, para te conhecer? Não estavas ainda na minha memória antes de eu te conhecer. Onde, então, te encontrei, para te conhecer, senão em ti mesmo, acima de mim? No entanto, aí não existe espaço. Quer nos afastemos de ti, quer nos aproximemos, aí não existe espaço algum. Ó Verdade, por toda parte assistes aos que te consultam, e respondes ao mesmo tempo a todas essas diversas consultas. As tuas respostas são claras, mas nem para todos.

Os homens te consultam sobre o que querem, mas nem sempre ouvem as respostas que querem.

O teu servo fiel é o que não pensa em ouvir de ti a resposta que quer, mas em querer a resposta que lhe dás.

(Revisão de versão portuguesa por ama)


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