Páscoa
Evangelho:
Jo 6, 22-29
22 No dia seguinte, a multidão, que
tinha ficado do outro lado do mar, advertiu que não havia ali mais que uma
barca e que Jesus não tinha entrado nela com os Seus discípulos, mas que os
Seus discípulos tinham partido sós. 23 Entretanto, arribaram de Tiberíades
outras barcas perto do lugar onde haviam comido o pão, depois de o Senhor ter
dado graças. 24 Tendo, pois, a multidão visto que lá não estava nem Jesus nem
os Seus discípulos, entrou naquelas barcas e foi a Cafarnaum em busca de Jesus.
25 Tendo-O encontrado do outro lado do mar, disseram-lhe: «Mestre, quando
chegaste aqui?». 26 Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Vós
buscais-Me não porque vistes os milagres, mas porque comestes dos pães e
ficastes saciados. 27 Trabalhai não pela comida que perece, mas pela que dura
até à vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará. Porque n'Ele imprimiu Deus
Pai o Seu selo». 28 Eles, então, disseram-Lhe: «Que devemos fazer para praticar
as obras de Deus?». 29 Jesus respondeu: «A obra de Deus é esta: Que acrediteis
n'Aquele que Ele enviou».
Comentário:
Jesus Cristo dá-nos uma informação preciosa: Qual é a
Vontade de Deus!
A cada passo deparamo-nos com essa dúvida ou, pelo
menos, interrogação: devo fazer isto… ou não? Está certo ou errado? Será que
Deus o quer?
Nestes momentos não há que hesitar, basta dizer com
todas as veras da nossa alma:
‘Senhor, eu creio em Ti, mas aumenta a minha fé.’
(ama comentário sobre Jo 6, 22-29, 2013.04.15)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
LIVRO
DÉCIMO
CAPÍTULO
XI
Ideias
inatas
Por isso descobrimos que
adquirir tais noções – cujas imagens não atingimos por meio dos sentidos mas
que percebemos em nós, sem o auxílio de imagens, tais como são em si mesmas, nada
mais é do que coligir com o pensamento os elementos esparsos na memória e, pela
reflexão, obrigá-los a estarem sempre disponíveis na memória, onde antes se
ocultavam em desordem e abandono, de modo que se apresentem sem dificuldade ao
chamado do nosso espírito. E quantas noções deste tipo a minha memória não
encerra, já descobertas e, como disse, postas como que à mão; eis o que
chamamos de “aprender” e “saber”. Se porém deixo de as recordar por uns tempos,
de tal modo submergem e se dispersam nos seus profundos esconderijos, que é
preciso reuni-las uma segunda vez, como se fossem novas (cogente) – pois não têm outra habitação – e juntá-las de novo para
que possam ser objecto do saber; isto é: preciso tirá-las de sua condicção de dispersão
e juntá-las novamente. Daí a palavra cogitare,
porque cogo e cogito são como ajo e agito, e facio,
facito. Contudo, a inteligência
reivindicou essa palavra (cogito)
para si, de modo que essa operação de coligir, de reunir no espírito, e não noutra
parte, é propriamente o que se chama pensar (cogitare).
CAPÍTULO
XII
A
memória e as matemáticas
A memória guarda também as
relações e inumeráveis leis dos números e dimensões, sendo que nenhuma dessas ideias
foi impressa em nós pelos sentidos do corpo, porque não têm cor, nem som, nem
têm cheiro, nem gosto, nem são tangíveis. Ouço, quando delas se fala, os sons das
palavras que as exprimem; mas uma coisa são os sons, e outra bem diferente são
as ideias que elas significam. As palavras soam de modo diferente em grego e em
latim; mas as ideias nem são gregas, nem latinas, nem de nenhuma outra língua.
Vi linhas traçadas por
artistas, finas como um fio de aranha. Mas as linhas materiais não são a imagem
das que vi com meus olhos carnais. Para reconhecê-las não há necessidade alguma
de se pensar num corpo qualquer, pois, é no espírito que as reconhecemos.
Também conheci os números
mediante os sentidos do corpo: mas a ideia de número é bem diferente: não são
imagens dos primeiros, possuindo por isso mesmo um ser muito mais real.
Ria-se de mim quem não
compreender o que disse; eu terei compaixão do seu riso.
CAPÍTULO
XIII
A
memória da memória
Tudo isso guardo na minha
memória, assim como o modo pelo qual o aprendi.
Também guardo na memória
as muitas argumentações infundadas que ouvi contra essas verdades. Essas objecções
sem dúvida são falsas, mas não é falso recordá-las. E lembro de ter sabido
distinguir entre essas verdades e os erros que se lhe opunham. Vejo agora que
uma coisa é essa distinção, que faço hoje, e outra o recordar ter feito muitas
vezes tal distinção, ao considerá-las. Lembro-me, portanto, de ter muitas vezes
compreendido isso, e confio à memória o acto actual de distingui-las e
compreendê-las, para me lembrar, mais tarde, de que hoje as compreendi.
Lembro-me então de que me lembrei; e se mais tarde lembrar de que agora pude recordar
essas coisas, será ainda por força da memória.
CAPÍTULO
XIV
A
lembrança dos sentimentos
Essa mesma memória
conserva também os afectos da alma, não do modo como os sente a alma quando da
vivência, mas de modo muito diverso, segundo o exige a força da memória.
Lembro-me de ter estado
alegre, ainda que não o esteja agora; recordo a minha tristeza passada, sem
estar triste; lembro-me de ter sentido medo, sem senti-lo de novo; lembro-me de
antigo desejo, sem que o mesmo sinta agora. Outras vezes, pelo contrário,
lembro-me com alegria a tristeza passada, e com tristeza uma alegria passada.
Isto não tem nada para admirar quando se trata de emoções corporais, porque uma
coisa é a alma e, outra, o corpo; e assim não é maravilha que me lembre com
alegria de um sofrimento físico já passado.
Porém, aqui o espírito é a
própria memória. Quando confiamos uma tarefa a alguém, dizemos: “Não o guardei
no espírito”, “fugiu-me do espírito”. É, portanto, a memória que chamamos
espírito. Sendo assim, por que ao evocar com alegria uma tristeza passada, o meu
espírito sente alegria e a minha memória, tristeza? Se o meu espírito se alegra
com a alegria que tem em si, por que a memória não se entristece com a
tristeza, que também tem em si? Seria a memória estranha ao espírito? Quem
ousará afirmá-lo? Sem dúvida a memória é como o estômago da alma, e a alegria e
a tristeza são como alimentos, doce ou amargo; quando tais emoções são confiadas
à memória, depois de passarem, digamos, por esse estômago, podem ali ser
guardadas, mas já perderam o sabor. Seria ridículo comparar emoções e alimento
como semelhantes. Contudo, elas não são totalmente diferentes.
É ainda da memória que
tiro a distinção entre as quatro emoções da alma: o desejo, a alegria, o medo e
a tristeza. Assim, todo o raciocínio que eu teça, dividindo cada uma delas nas
espécies de seus géneros, definindo-as, é na memória que encontro o que tenho a
dizer, e de lá tiro tudo o que digo. Contudo, ao recordar essas emoções, não me
perturbo com nenhuma delas.
E antes mesmo que eu as
recordasse para discuti-las, elas ali estavam, e por isso puderam ser tiradas
da memória mediante a lembrança. Talvez a lembrança tire da memória essas
emoções como o acto de ruminar tira do estômago os alimentos. Mas então, por
que aquele que rumina sobre tais paixões não sente na boca do pensamento a
doçura da alegria ou a amargura da tristeza? Estará justamente nisto a
diferença entre tais factos? De facto, quem gostaria de falar dessas emoções
se, todas as vezes que falássemos do medo ou da tristeza, nos víssemos tristes ou
temerosos?
Contudo, certamente não
poderíamos falar deles se não encontrássemos na memória não só os sons dessas
palavras, segundo a imagem gravada em nós pelos sentidos, mas ainda as noções
que elas exprimem. Essas noções, nós não as recebemos por nenhuma porta da
carne, mas a própria alma, sentindo-as pela experiência das próprias emoções,
confiou-as à memória; ou então a própria memória as reteve, sem que ninguém
lhas confiasse.
CAPÍTULO
XV
A
memória das coisas ausentes
Mas quem poderá explicar
se a recordação se faz por meio de imagens ou não?
Por exemplo: se digo
pedra, ou digo sol, sem que tais objectos estejam presentes nos meus sentidos,
certamente tenho as suas imagens na memória, à minha disposição.
Evoco uma dor do corpo,
que está ausente de mim, já que nada me dói. Contudo, se a imagem da dor não
estivesse na minha memória, não saberia o que dizia, e ao raciocinar não a distinguiria
do prazer.
Falo de saúde do corpo,
estando são; neste caso, está em mim o próprio objecto. No entanto, se a sua
imagem não estivesse na minha memória, de modo algum lembraria o significado dessa
palavra. Os doentes, ouvindo falar de saúde, não saberiam do que se trata, não
fosse o poder da memória conservar a imagem da ausência da realidade.
Falo dos números com que
calculamos, e eles apresentam-se na memória, não as suas imagens, mas os
próprios números.
Evoco a imagem do sol, e
esta apresenta-se à minha memória; e não evoco a imagem de uma imagem, mas a
própria imagem, disponível à recordação.
Falo em memória, e
reconheço o que falo, mas de onde o sei, senão da própria memória?
Estará ela presente a si
própria pela sua imagem, e não por si mesma?
(Revisão
de versão portuguesa por ama)
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