06/02/2016

Tratado da vida de Cristo 74

Questão 40: Do género de vida que Cristo levou

Art. 3 — Se Cristo devia viver neste mundo uma vida pobre.

 O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo não devia viver neste mundo uma vida pobre.


1. — Pois, Cristo devia assumir a vida mais digna de escolha. Ora, a vida mais digna de escolha é a média, entre as riquezas e a pobreza, conforme a Escritura: Não me dês nem a pobreza nem as riquezas; dá-me somente o que for necessário para viver. Logo, Cristo não devia viver uma vida pobre, mas medíocre.

2. Demais. — As riquezas exteriores ordenam-se a alimentar e vestir o corpo. Ora, Cristo alimentava-se e vestia-se de acordo com a vida ordinária daqueles com quem convivia. Logo parece que devia viver do modo comum, uma vida mediana entre rica e pobre, e não na extrema pobreza.

3. Demais. — Cristo deu-nos a todos o exemplo da humildade, segundo diz Evangelho: Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração. Ora, sobretudo aos ricos é que se deve pregar a humildade, no dizer do Apóstolo: Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos. Logo, parece que Cristo não devia levar uma vida pobre.

Mas, em contrário, o Evangelho: O Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. Como se dissesse, segundo o explica Jerónimo: Desejais seguir-me por causa das riquezas e dos bens do século, a mim tão pobre que nem mesmo tenho um tugúrio e vivo sob o tecto alheio? E o Evangelho - Para que os não escandalizemos, vai ao mar - diz Jerónimo: Entendidas essas palavras pelo que significam, são uma edificação para o ouvinte, advertindo-o ter sido tão grande a pobreza do Senhor a ponto de não ter com que pagasse o tributo por si e pelo Apóstolo.

Convinha a Cristo viver neste mundo uma vida pobre. - Primeiro, por condizer com o ofício da pregação, por causa da qual disse ter vindo ao mundo: Vamos para as aldeias e cidades circunvizinhas, porque também quero lá pregar; que a isso é que vim. Pois, os pregadores da palavra de Deus hão-de dar-se totalmente à pregação, desapegados completamente do cuidado das coisas seculares. O que não podem fazer os possuidores de riquezas. Por isso, o próprio Senhor, enviando os Apóstolos a pregar, disse-lhes: Não possuais ouro nem prata: E os próprios Apóstolos diziam: Não é justo que nós deixemos a palavra de Deus e que sirvamos às mesas. - Segundo, porque assim como sujeitou o seu corpo à morte para nos conquistar a vida espiritual, assim sofreu a pobreza de bens materiais, para nos conquistar as riquezas espirituais, segunda o Apóstolo: Sabeis que graça não foi a de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por vosso amor, a fim de que vós fosseis ricos pela sua pobreza. - Terceiro, porque, se tivesse riquezas, podiam atribuir-lhe a pregação à cobiça. Por isso, diz Jerónimo, que se os discípulos tivessem riquezas, pareceria pregarem não com a vista na salvação dos homens mas no ganho. - Quarto, para tanto mais manifestar a grandeza da sua divindade, quanto mais pobre a vida que levava. Por isso se diz no Concílio Efesino: Escolheu uma vida pobre e humilde, tudo o que constitui mediania e obscuridade para o maior número para que se visse que foi a divindade quem transformou a face da terra. Por isso, escolheu como sua mãe uma pobrezinha, uma pátria paupérrima e foi pobre de bens; e isso mesmo te mostra o seu presépio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A superabundância das riquezas e a mendicidade, enquanto ocasiões de pecar, devem ser cortadas pelos que querem viver uma vida virtuosa. Pois, a abundância de riquezas é ocasião de soberba; a mendicidade, de roubo e de mentira ou ainda de perjúrio. Ora, como Cristo era isento de todo pecado, não devia evitar uma e outra causa pela mesma causa por que as evitava Salomão. Nem, além disso, qualquer mendicidade é ocasião de furto e de perjúrio, como no mesmo lugar o ensina Salomão, mas só a que nos contraria a vontade para evitar a qual o homem furta e perjura. Pois, a pobreza voluntária não tem esse perigo. E foi essa a escolhida por Cristo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Alimentar-se e vestir-se ao modo ordinário qualquer um pode, não só possuindo riquezas, mas ainda recebendo dos ricos o necessário. O que também se deu com Cristo. Assim, como o Evangelho diz certas mulheres que seguiam a Cristo, que lhe assistiam de suas posses. Pois, como diz Jerónimo, era uso dos judeus e em nada colidia com o costume antigo desse povo, que as mulheres fornecessem de seus próprios bens o alimento e a roupa aos que as instruíam. Mas, como isso podia causar escândalo aos gentios, Paulo declarou que rejeitou tais auxílios. Assim, pois, a subsistência comum podia existir sem os cuidados impeditivos do dever da pregação; mas não a posse das riquezas.

RESPOSTA À TERCEIRA. - No pobre por necessidade a humildade não é muito meritória. Mas no pobre voluntário, como Cristo, a própria pobreza é sinal de uma humildade máxima.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.