Tempo de Natal
Epifania
Evangelho:
Mt 4, 12-17. 23-25
12
Tendo Jesus ouvido dizer que João fora preso, retirou-Se para a Galileia. 13
Depois, deixando Nazaré, foi habitar em Cafarnaum, situada junto do mar, nos
confins de Zabulon e Neftali, 14 cumprindo-se o que tinha sido
anunciado pelo profeta Isaías, quando disse: 15 “Terra de Zabulon e
terra de Neftali, terra que confina com o mar, país além do Jordão, Galileia
dos gentios! 16 Este povo, que jazia nas trevas, viu uma grande luz,
e uma luz levantou-se para os que jaziam na sombra da morte”. 17
Desde então, começou Jesus a pregar: «Fazei penitência porque está próximo o
Reino dos Céus».
Comentário:
A LUZ – assim, com letra grande – que rasga toda
escuridão e dissipa todas as trevas é a Luz de Cristo como que o resplendor da
Sua própria divindade que nos atrai e guia através de todos os caminhos da
terra.
Não é “uma luz ao fundo do túnel” mas sim uma LUZ que
está sempre bem alto por cima de nós banhando-nos na sua claridade inconfundível.
Quem mergulha nesta luz e se deixa envolver por ela
nunca mais cairá nas trevas do pecado e, se acaso acontecer, apressar-se-à a
regressar.
(ama, comentário sobre MT 4, 12-17;
23-25, 2015.01.05)
Leitura espiritual
CARTA
ENCÍCLICA
LAUDATO SI’
DO
SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE
O CUIDADO DA CASA COMUM
CAPÍTULO II
O
EVANGELHO DA CRIAÇÃO
7.
O olhar de Jesus
99. Segundo a compreensão cristã da
realidade, o destino da criação inteira passa pelo mistério de Cristo, que nela
está presente desde a origem:
O prólogo do Evangelho de João [iii]
mostra a actividade criadora de Cristo como Palavra divina (Logos).
Mas o mesmo prólogo surpreende ao afirmar
que esta Palavra «Se fez carne» [iv].
Uma Pessoa da Santíssima Trindade
inseriu-Se no universo criado, partilhando a própria sorte com ele até à cruz.
Desde o início do mundo, mas de modo
peculiar a partir da encarnação, o mistério de Cristo opera veladamente no
conjunto da realidade natural, sem com isso afectar a sua autonomia.
100. O Novo Testamento não nos fala só de
Jesus terreno e da sua relação tão concreta e amorosa com o mundo; mostra-no-Lo
também como ressuscitado e glorioso, presente em toda a criação com o seu
domínio universal.
«Foi n’Ele que aprouve a Deus fazer
habitar toda a plenitude e, por Ele e para Ele, reconciliar todas as coisas
(…), tanto as que estão na terra como as que estão no céu» [v].
Isto lança-nos para o fim dos tempos,
quando o Filho entregar ao Pai todas as coisas «a fim de que Deus seja tudo em
todos» [vi].
Assim, as criaturas deste mundo já não nos
aparecem como uma realidade meramente natural, porque o Ressuscitado as envolve
misteriosamente e guia para um destino de plenitude.
As próprias flores do campo e as aves que
Ele, admirado, contemplou com os seus olhos humanos, agora estão cheias da sua
presença luminosa.
CAPÍTULO
III
A
RAIZ HUMANA DA CRISE ECOLÓGICA
101. Para nada serviria descrever os
sintomas, se não reconhecêssemos a raiz humana da crise ecológica.
Há um modo desordenado de conceber a vida
e a acção do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar.
Não poderemos deter-nos a pensar nisto
mesmo?
Proponho, pois, que nos concentremos no
paradigma tecnocrático dominante e no lugar que ocupa nele o ser humano e a sua
acção no mundo.
1.
A tecnologia: criatividade e poder
102. A humanidade entrou numa nova era, em
que o poder da tecnologia nos põe diante duma encruzilhada.
Somos herdeiros de dois séculos de ondas
enormes de mudanças: a máquina a vapor, a ferrovia, o telégrafo, a
electricidade, o automóvel, o avião, as indústrias químicas, a medicina
moderna, a informática e, mais recentemente, a revolução digital, a robótica,
as biotecnologias e as nanotecnologias.
É justo que nos alegremos com estes
progressos e nos entusiasmemos à vista das amplas possibilidades que nos abrem
estas novidades incessantes, porque «a ciência e a tecnologia são um produto
estupendo da criatividade humana que Deus nos deu».[vii]
A transformação da natureza para fins
úteis é uma característica do género humano, desde os seus primórdios; e assim
a técnica «exprime a tensão do ânimo humano para uma gradual superação de
certos condicionamentos materiais».[viii]
A tecnologia deu remédio a inúmeros males,
que afligiam e limitavam o ser humano.
Não podemos deixar de apreciar e agradecer
os progressos alcançados especialmente na medicina, engenharia e comunicações.
Como não havemos de reconhecer todos os
esforços de tantos cientistas e técnicos que elaboraram alternativas para um
desenvolvimento sustentável?
103. A tecnociência, bem orientada, pode
produzir coisas realmente valiosas para melhorar a qualidade de vida do ser
humano, desde os objectos de uso doméstico até aos grandes meios de transporte,
pontes, edifícios, espaços públicos.
É capaz também de produzir coisas belas e
fazer o ser humano, imerso no mundo material, dar o «salto» para o âmbito da
beleza.
Poder-se-á negar a beleza de um avião ou
de alguns arranha-céus? Há obras pictóricas e musicais de valor, obtidas com o
recurso aos novos instrumentos técnicos.
Assim, no desejo de beleza do artífice e
em quem contempla esta beleza dá-se o salto para uma certa plenitude
propriamente humana.
104. Não podemos, porém, ignorar que a
energia nuclear, a biotecnologia, a informática, o conhecimento do nosso
próprio DNA e outras potencialidades que adquirimos, nos dão um poder tremendo.
Ou melhor: dão, àqueles que detêm o
conhecimento e sobretudo o poder económico para o desfrutar, um domínio
impressionante sobre o conjunto do género humano e do mundo inteiro.
Nunca a humanidade teve tanto poder sobre
si mesma, e nada garante que o utilizará bem, sobretudo se se considera a
maneira como o está a fazer.
Basta lembrar as bombas atómicas lançadas
em pleno século XX, bem como a grande exibição de tecnologia ostentada pelo
nazismo, o comunismo e outros regimes totalitários e que serviu para o extermínio
de milhões de pessoas, sem esquecer que hoje a guerra dispõe de instrumentos
cada vez mais mortíferos.
Nas mãos de quem está e pode chegar a
estar tanto poder?
É tremendamente arriscado que resida numa
pequena parte da humanidade.
105. Tende-se a crer que «toda a aquisição
de poder seja simplesmente progresso, aumento de segurança, de utilidade, de
bem-estar, de força vital, de plenitude de valores»[ix],
como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do
próprio poder da tecnologia e da economia.
A verdade é que «o homem moderno não foi
educado para o recto uso do poder»,[x]
porque o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um
desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à
consciência.
Cada época tende a desenvolver uma
reduzida autoconsciência dos próprios limites.
Por isso, é possível que hoje a humanidade
não se dê conta da seriedade dos desafios que se lhe apresentam, e «cresce
continuamente a possibilidade de o homem fazer mau uso do seu poder» quando
«não existem normas de liberdade, mas apenas pretensas necessidades de
utilidade e segurança».[xi]
O ser humano não é plenamente autónomo.
A sua liberdade adoece, quando se entrega
às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, da
violência brutal.
Neste sentido, ele está nu e exposto frente
ao seu próprio poder que continua a crescer, sem ter os instrumentos para o
controlar.
Talvez disponha de mecanismos
superficiais, mas podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e
uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum
lúcido domínio de si.
2.
A globalização do paradigma tecnocrático
106. Mas o problema fundamental é outro e
ainda mais profundo: o modo como realmente a humanidade assumiu a tecnologia e
o seu desenvolvimento juntamente com um paradigma homogéneo e unidimensional.
Neste paradigma, sobressai uma concepção
do sujeito que progressivamente, no processo lógico-racional, compreende e
assim se apropria do objecto que se encontra fora.
Um tal sujeito desenvolve-se ao
estabelecer o método científico com a sua experimentação, que já é
explicitamente uma técnica de posse, domínio e transformação.
É como se o sujeito tivesse à sua frente a
realidade informe totalmente disponível para a manipulação.
Sempre se verificou a intervenção do ser
humano sobre a natureza, mas durante muito tempo teve a característica de
acompanhar, secundar as possibilidades oferecidas pelas próprias coisas;
tratava-se de receber o que a realidade natural por si permitia, como que
estendendo a mão.
Mas, agora, o que interessa é extrair o
máximo possível das coisas por imposição da mão humana, que tende a ignorar ou
esquecer a realidade própria do que tem à sua frente.
Por isso, o ser humano e as coisas
deixaram de se dar amigavelmente a mão, tornando-se contendentes.
Daqui passa-se facilmente à ideia dum
crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os
teóricos da finança e da tecnologia.
Isto supõe a mentira da disponibilidade
infinita dos bens do planeta, que leva a «espremê-lo» até ao limite e para além
do mesmo.
Trata-se do falso pressuposto de que
«existe uma quantidade ilimitada de energia e de recursos a serem utilizados,
que a sua regeneração é possível de imediato e que os efeitos negativos das
manipulações da ordem natural podem ser facilmente absorvidos».[xii]
107. Assim podemos afirmar que, na origem
de muitas dificuldades do mundo actual, está principalmente a tendência, nem
sempre consciente, de elaborar a metodologia e os objectivos da tecnociência
segundo um paradigma de compreensão que condiciona a vida das pessoas e o
funcionamento da sociedade.
Os efeitos da aplicação deste modelo a
toda a realidade, humana e social, constatam-se na degradação do meio ambiente,
mas isto é apenas um sinal do reducionismo que afecta a vida humana e a
sociedade em todas as suas dimensões.
É preciso reconhecer que os produtos da
técnica não são neutros, porque criam uma trama que acaba por condicionar os
estilos de vida e orientam as possibilidades sociais na linha dos interesses de
determinados grupos de poder.
Certas opções, que parecem puramente
instrumentais, na realidade são opções sobre o tipo de vida social que se
pretende desenvolver.
108. Não se consegue pensar que seja
possível sustentar outro paradigma cultural e servir-se da técnica como mero
instrumento, porque hoje o paradigma tecnocrático tornou-se tão dominante que é
muito difícil prescindir dos seus recursos, e mais difícil ainda é utilizar os
seus recursos sem ser dominados pela sua lógica.
Tornou-se anti-cultural a escolha dum
estilo de vida, cujos objectivos possam ser, pelo menos em parte, independentes
da técnica, dos seus custos e do seu poder globalizante e massificador.
Com efeito, a técnica tem tendência a
fazer com que nada fique fora da sua lógica férrea, e «o homem que é o seu
protagonista sabe que, em última análise, não se trata de utilidade nem de
bem-estar, mas de domínio; domínio no sentido extremo da palavra».[xiii]
Por isso, «procura controlar os elementos
da natureza e, conjuntamente, os da existência humana».[xiv]
Reduzem-se assim a capacidade de decisão,
a liberdade mais genuína e o espaço para a criatividade alternativa dos
indivíduos.
(cont)
[i] Cl 1, 16
[ii] Por isso, São Justino podia falar de «sementes do
Verbo» no mundo. Cf. II Apologia 8, 1-2; 13, 3-6: PG 6, 457-458; 467.
[iii] 1, 1-18
[iv] Jo 1, 14
[v] Cl 1, 19-20
[vi] 1 Cor 15, 28
[vii] João Paulo II, Discurso aos representantes da ciência,
da cultura e dos estudos superiores na Universidade das Nações Unidas, em
Hiroxima (25 de Fevereiro de 1981), 3: AAS 73 (1981), 422.
[viii] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho
de 2009), 69:AAS 101 (2009), 702.
[ix] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg 9
1965), 87.
[x] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg 9
1965), 87.
[xi] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg 9
1965), 87-88.
[xii] Pontifício Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da
Doutrina Social da Igreja, 462.
[xiii] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg9
1965), 63-64.
[xiv] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit
(Würzburg9 1965), 64.
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