04/01/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual



Tempo de Natal
Epifania

Evangelho: Mt 4, 12-17. 23-25

12 Tendo Jesus ouvido dizer que João fora preso, retirou-Se para a Galileia. 13 Depois, deixando Nazaré, foi habitar em Cafarnaum, situada junto do mar, nos confins de Zabulon e Neftali, 14 cumprindo-se o que tinha sido anunciado pelo profeta Isaías, quando disse: 15 “Terra de Zabulon e terra de Neftali, terra que confina com o mar, país além do Jordão, Galileia dos gentios! 16 Este povo, que jazia nas trevas, viu uma grande luz, e uma luz levantou-se para os que jaziam na sombra da morte”. 17 Desde então, começou Jesus a pregar: «Fazei penitência porque está próximo o Reino dos Céus».

Comentário:

A LUZ – assim, com letra grande – que rasga toda escuridão e dissipa todas as trevas é a Luz de Cristo como que o resplendor da Sua própria divindade que nos atrai e guia através de todos os caminhos da terra.

Não é “uma luz ao fundo do túnel” mas sim uma LUZ que está sempre bem alto por cima de nós banhando-nos na sua claridade inconfundível.

Quem mergulha nesta luz e se deixa envolver por ela nunca mais cairá nas trevas do pecado e, se acaso acontecer, apressar-se-à a regressar.

(ama, comentário sobre MT 4, 12-17; 23-25, 2015.01.05)


Leitura espiritual


CARTA ENCÍCLICA
LAUDATO SI’
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM



CAPÍTULO II

O EVANGELHO DA CRIAÇÃO

7. O olhar de Jesus

99. Segundo a compreensão cristã da realidade, o destino da criação inteira passa pelo mistério de Cristo, que nela está presente desde a origem:
«Todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele» [i].[ii]
O prólogo do Evangelho de João [iii] mostra a actividade criadora de Cristo como Palavra divina (Logos).
Mas o mesmo prólogo surpreende ao afirmar que esta Palavra «Se fez carne» [iv].
Uma Pessoa da Santíssima Trindade inseriu-Se no universo criado, partilhando a própria sorte com ele até à cruz.
Desde o início do mundo, mas de modo peculiar a partir da encarnação, o mistério de Cristo opera veladamente no conjunto da realidade natural, sem com isso afectar a sua autonomia.

100. O Novo Testamento não nos fala só de Jesus terreno e da sua relação tão concreta e amorosa com o mundo; mostra-no-Lo também como ressuscitado e glorioso, presente em toda a criação com o seu domínio universal.
«Foi n’Ele que aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e, por Ele e para Ele, reconciliar todas as coisas (…), tanto as que estão na terra como as que estão no céu» [v].
Isto lança-nos para o fim dos tempos, quando o Filho entregar ao Pai todas as coisas «a fim de que Deus seja tudo em todos» [vi].
Assim, as criaturas deste mundo já não nos aparecem como uma realidade meramente natural, porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um destino de plenitude.
As próprias flores do campo e as aves que Ele, admirado, contemplou com os seus olhos humanos, agora estão cheias da sua presença luminosa.



CAPÍTULO III

A RAIZ HUMANA DA CRISE ECOLÓGICA

101. Para nada serviria descrever os sintomas, se não reconhecêssemos a raiz humana da crise ecológica.
Há um modo desordenado de conceber a vida e a acção do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar.
Não poderemos deter-nos a pensar nisto mesmo?
Proponho, pois, que nos concentremos no paradigma tecnocrático dominante e no lugar que ocupa nele o ser humano e a sua acção no mundo.

1. A tecnologia: criatividade e poder

102. A humanidade entrou numa nova era, em que o poder da tecnologia nos põe diante duma encruzilhada.
Somos herdeiros de dois séculos de ondas enormes de mudanças: a máquina a vapor, a ferrovia, o telégrafo, a electricidade, o automóvel, o avião, as indústrias químicas, a medicina moderna, a informática e, mais recentemente, a revolução digital, a robótica, as biotecnologias e as nanotecnologias.
É justo que nos alegremos com estes progressos e nos entusiasmemos à vista das amplas possibilidades que nos abrem estas novidades incessantes, porque «a ciência e a tecnologia são um produto estupendo da criatividade humana que Deus nos deu».[vii]
A transformação da natureza para fins úteis é uma característica do género humano, desde os seus primórdios; e assim a técnica «exprime a tensão do ânimo humano para uma gradual superação de certos condicionamentos materiais».[viii]
A tecnologia deu remédio a inúmeros males, que afligiam e limitavam o ser humano.
Não podemos deixar de apreciar e agradecer os progressos alcançados especialmente na medicina, engenharia e comunicações.
Como não havemos de reconhecer todos os esforços de tantos cientistas e técnicos que elaboraram alternativas para um desenvolvimento sustentável?

103. A tecnociência, bem orientada, pode produzir coisas realmente valiosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano, desde os objectos de uso doméstico até aos grandes meios de transporte, pontes, edifícios, espaços públicos.
É capaz também de produzir coisas belas e fazer o ser humano, imerso no mundo material, dar o «salto» para o âmbito da beleza.
Poder-se-á negar a beleza de um avião ou de alguns arranha-céus? Há obras pictóricas e musicais de valor, obtidas com o recurso aos novos instrumentos técnicos.
Assim, no desejo de beleza do artífice e em quem contempla esta beleza dá-se o salto para uma certa plenitude propriamente humana.

104. Não podemos, porém, ignorar que a energia nuclear, a biotecnologia, a informática, o conhecimento do nosso próprio DNA e outras potencialidades que adquirimos, nos dão um poder tremendo.
Ou melhor: dão, àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder económico para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do género humano e do mundo inteiro.
Nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, e nada garante que o utilizará bem, sobretudo se se considera a maneira como o está a fazer.
Basta lembrar as bombas atómicas lançadas em pleno século XX, bem como a grande exibição de tecnologia ostentada pelo nazismo, o comunismo e outros regimes totalitários e que serviu para o extermínio de milhões de pessoas, sem esquecer que hoje a guerra dispõe de instrumentos cada vez mais mortíferos.
Nas mãos de quem está e pode chegar a estar tanto poder?
É tremendamente arriscado que resida numa pequena parte da humanidade.

105. Tende-se a crer que «toda a aquisição de poder seja simplesmente progresso, aumento de segurança, de utilidade, de bem-estar, de força vital, de plenitude de valores»[ix], como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia.
A verdade é que «o homem moderno não foi educado para o recto uso do poder»,[x] porque o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência.
Cada época tende a desenvolver uma reduzida autoconsciência dos próprios limites.
Por isso, é possível que hoje a humanidade não se dê conta da seriedade dos desafios que se lhe apresentam, e «cresce continuamente a possibilidade de o homem fazer mau uso do seu poder» quando «não existem normas de liberdade, mas apenas pretensas necessidades de utilidade e segurança».[xi]
O ser humano não é plenamente autónomo.
A sua liberdade adoece, quando se entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, da violência brutal.
Neste sentido, ele está nu e exposto frente ao seu próprio poder que continua a crescer, sem ter os instrumentos para o controlar.
Talvez disponha de mecanismos superficiais, mas podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum lúcido domínio de si.

2. A globalização do paradigma tecnocrático

106. Mas o problema fundamental é outro e ainda mais profundo: o modo como realmente a humanidade assumiu a tecnologia e o seu desenvolvimento juntamente com um paradigma homogéneo e unidimensional.
Neste paradigma, sobressai uma concepção do sujeito que progressivamente, no processo lógico-racional, compreende e assim se apropria do objecto que se encontra fora.
Um tal sujeito desenvolve-se ao estabelecer o método científico com a sua experimentação, que já é explicitamente uma técnica de posse, domínio e transformação.
É como se o sujeito tivesse à sua frente a realidade informe totalmente disponível para a manipulação.
Sempre se verificou a intervenção do ser humano sobre a natureza, mas durante muito tempo teve a característica de acompanhar, secundar as possibilidades oferecidas pelas próprias coisas; tratava-se de receber o que a realidade natural por si permitia, como que estendendo a mão.
Mas, agora, o que interessa é extrair o máximo possível das coisas por imposição da mão humana, que tende a ignorar ou esquecer a realidade própria do que tem à sua frente.
Por isso, o ser humano e as coisas deixaram de se dar amigavelmente a mão, tornando-se contendentes.
Daqui passa-se facilmente à ideia dum crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia.
Isto supõe a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta, que leva a «espremê-lo» até ao limite e para além do mesmo.
Trata-se do falso pressuposto de que «existe uma quantidade ilimitada de energia e de recursos a serem utilizados, que a sua regeneração é possível de imediato e que os efeitos negativos das manipulações da ordem natural podem ser facilmente absorvidos».[xii]

107. Assim podemos afirmar que, na origem de muitas dificuldades do mundo actual, está principalmente a tendência, nem sempre consciente, de elaborar a metodologia e os objectivos da tecnociência segundo um paradigma de compreensão que condiciona a vida das pessoas e o funcionamento da sociedade.
Os efeitos da aplicação deste modelo a toda a realidade, humana e social, constatam-se na degradação do meio ambiente, mas isto é apenas um sinal do reducionismo que afecta a vida humana e a sociedade em todas as suas dimensões.
É preciso reconhecer que os produtos da técnica não são neutros, porque criam uma trama que acaba por condicionar os estilos de vida e orientam as possibilidades sociais na linha dos interesses de determinados grupos de poder.
Certas opções, que parecem puramente instrumentais, na realidade são opções sobre o tipo de vida social que se pretende desenvolver.

108. Não se consegue pensar que seja possível sustentar outro paradigma cultural e servir-se da técnica como mero instrumento, porque hoje o paradigma tecnocrático tornou-se tão dominante que é muito difícil prescindir dos seus recursos, e mais difícil ainda é utilizar os seus recursos sem ser dominados pela sua lógica.
Tornou-se anti-cultural a escolha dum estilo de vida, cujos objectivos possam ser, pelo menos em parte, independentes da técnica, dos seus custos e do seu poder globalizante e massificador.
Com efeito, a técnica tem tendência a fazer com que nada fique fora da sua lógica férrea, e «o homem que é o seu protagonista sabe que, em última análise, não se trata de utilidade nem de bem-estar, mas de domínio; domínio no sentido extremo da palavra».[xiii]
Por isso, «procura controlar os elementos da natureza e, conjuntamente, os da existência humana».[xiv]
Reduzem-se assim a capacidade de decisão, a liberdade mais genuína e o espaço para a criatividade alternativa dos indivíduos.



(cont)





[i] Cl 1, 16
[ii] Por isso, São Justino podia falar de «sementes do Verbo» no mundo. Cf. II Apologia 8, 1-2; 13, 3-6: PG 6, 457-458; 467.
[iii] 1, 1-18
[iv] Jo 1, 14
[v] Cl 1, 19-20
[vi] 1 Cor 15, 28
[vii] João Paulo II, Discurso aos representantes da ciência, da cultura e dos estudos superiores na Universidade das Nações Unidas, em Hiroxima (25 de Fevereiro de 1981), 3: AAS 73 (1981), 422.
[viii] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 69:AAS 101 (2009), 702.
[ix] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg 9 1965), 87.
[x] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg 9 1965), 87.
[xi] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg 9 1965), 87-88.
[xii] Pontifício Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 462.
[xiii] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg9 1965), 63-64.
[xiv] Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg9 1965), 64.

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