28/11/2015

Tratado da vida de Cristo 54

Questão 37: Da circuncisão de Cristo
Art. 2 — Se foi imposto a Cristo o nome conveniente.

O segundo discute-se assim. — Parece que não foi imposto a Cristo o nome conveniente.

1. — Pois, a verdade evangélica deve ser a realização do que foi profetizado. Ora, os profetas prenunciaram outro nome, de Cristo. Assim, Isaías diz: Eis que uma virgem conceberá e parirá um filho e será chamado o seu nome Emanuel. E noutro lugar: Põe-lhe por nome — Apressa-te a tirar os despojos, faze velozmente a presa. Ainda noutro: O nome com que se apelide será — Admirável, Conselheiro. Deus, Forte, Pai do futuro século, Príncipe da Paz. E Zacarias diz: Eis aqui o homem que tem por nome o Oriente. Logo. Cristo foi inconvenientemente chamado Jesus.

2. Demais. — A Escritura diz: Chamar-te-ão por um nome novo, que o Senhor nomeará pela sua boca. Ora, o nome de Jesus não é um nome novo, mas foi imposto a muitos na vigência do Velho Testamento, como se vê também na genealogia de Cristo. Logo, parece que lhe foi inconvenientemente posto o nome de Jesus.

3. Demais. — O nome de Jesus significa salvação, como se lê no Evangelho: Ela parirá um filho e lhe chamarás por nome Jesus, por que ele salvará o seu povo dos pecados deles. Ora, a salvação por Cristo não se realizou só na circuncisão, mas também no prepúcio, como está claro no Apóstolo. Logo, foi-lhe imposto a Cristo, na sua circuncisão, um nome impróprio.

Mas, em contrário, a autoridade da Escritura, que diz: Depois que foram cumpridos os oito dias para ser circuncidado o menino, foi-lhe posto o nome de Jesus.

Os nomes devem corresponder às propriedades das causas. Assim o demonstram os nomes dos géneros e das espécies; pois, como ensina Aristóteles, a essência significada pelo nome é a definição que designa a natureza própria do ser. Ora, a cada pessoa impomos o seu nome fundado em alguma propriedade dela. Quer em virtude do tempo, como quando se dá a alguém o nome do santo do dia em que nasceu. Ou em virtude do parentesco, como quando se impõe ao filho o nome do pai ou de algum parente; assim, os parentes de João Baptista queriam dar-lhe o nome do pai, Zacarias, e não o de João, porque não havia ninguém na sua geração que tivesse esse nome. Ou ainda em virtude de um acontecimento; assim, José chamou ao seu primogénito Manassés, dizendo: Deus me fez esquecer de todos os meus trabalhos. Ou também por causa de alguma qualidade daquele a quem se impõe o nome; assim, como se lê na Escritura, o que saiu primeiro do ventre materno era vermelho e todo áspero a modo de uma pele; e foi-lhe imposto o nome de Esaú, - que significa vermelho. — Quanto aos nomes impostos por inspiração divina, sempre significam algum dom gratuito dado por Deus; assim, foi dito a Abraão: Chamar-te-ás Abraão, porque eu te tenho destinado para pai de muitas gentes. E o Evangelho diz, de Pedro: Tu és Pedra e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. — Ora, como a Cristo foi conferido o dom da graça pelo qual foi constituído o Salvador de todos, foi convenientemente chamado Jesus, isto é, Salvador; tendo o anjo anunciado esse nome, não só à mãe, mas também a José, que havia de ser o seu pai putativo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Todos esses referidos nomes significam de certo modo o nome de Jesus, que implica a ideia de salvação. Assim, o nome de Emanuel, que significa — Deus connosco, designa a causa da salvação, que é a união da natureza divina com a humana na pessoa do Filho de Deus, em virtude da qual Deus esteve connosco. — Quanto ao lugar da Escritura — Põe-lhe por nome, apressa-te a tirar os despojos, etc., designa de que nos salvou, a saber, do diabo, cujos despojos arrebatou, segundo o Apóstolo: Despojando os principados e potestades, os trouxe confiadamente. Quanto à outra — O nome com que se apelide será admirável, etc., designa a via e o termo da nossa salvação, pois é pela admirável sabedoria de Deus e pela sua força que alcançaremos a herança do século futuro, em que gozaremos da paz perfeita dos filhos de Deus, sob a chefia do próprio Deus. — Quanto enfim ao dito — Eis aqui o homem que tem por nome o Oriente — refere-se ao mesmo que a primeira denominação - isto é ao mistério da Encarnação, pois, como diz a Escritura, nas trevas nasceu a luz dos rectos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Aos que viveram antes de Cristo podia convir-lhes o nome de Jesus por alguma outra razão; por exemplo, por terem sido causa de alguma salvação particular e temporal. Mas, por causa da salvação espiritual e universal, esse nome é próprio a Cristo. Por isso é que se diz ser um nome novo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como se lê na Escritura, Abraão recebeu simultaneamente de Deus a imposição do nome e a ordem da circuncisão. Por isso era costume entre os Judeus impor um nome à criança no dia mesmo da circuncisão, como por não ter ainda o seu ser perfeito, antes de circuncisa; assim como agora impomos à criança o nome no baptismo. Donde, a Escritura — Eu também fui filho de meu pai, tenrinho e unigénito de minha mãe. — diz a Glosa: Porque se chama Salomão unigénito diante de sua mãe, quando a Escritura nos informa que foi precedido de um irmão uterino, senão porque este, morto logo depois de nascido e sem nome, era como se nunca tivesse existido? Por isso Cristo, simultaneamente com a circuncisão, recebeu a imposição do nome.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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