Tempo comum XXIII Semana
Evangelho:
Mc 7, 31-37
31 Jesus, deixando o
território de Tiro, foi novamente por Sidónia para o mar da Galileia,
atravessando o território da Decápole. 32 Trouxeram-Lhe um
surdo-mudo, e pediam-Lhe que lhe impusesse as mãos.33 Então, Jesus,
tomando-o à parte de entre a multidão, meteu-lhe os dedos nos ouvidos, e
tocou-lhe com saliva a língua. 34 Depois, levantando os olhos ao
céu, deu um suspiro e disse-lhe: «Effathá», que quer dizer «abre-te». 35
Imediatamente se lhe abriram os ouvidos, se lhe soltou a prisão da língua e
falava claramente. 36 Ordenou-lhes que a ninguém o dissessem. Porém,
quanto mais lho proibia mais o divulgavam. 37 E admiravam-se
sobremaneira, dizendo: «Tudo fez bem! Faz ouvir os surdos e falar os mudos!».
Comentário:
«Tudo fez bem!»
Esta
afirmação dos circunstantes traduz uma verdade insofismável:
Jesus
Cristo é o verdadeiro Filho de Deus e, portanto, todas as Suas obras são
perfeitas.
Repete-se
em Jesus Cristo o que a Bíblia nos conta sobre a Criação quando refere que
(Deus) «olhou o que tinha feito e achou
que tudo era muito bom»[i]
(ama, comentário sobre Mc 7, 31-37, 2015.02.13)
Leitura espiritual
CRISTO QUE
PASSA
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Vamos acabar a nossa meditação de
Quinta-Feira Santa.
Se o Senhor nos ajudou - e está sempre
disposto, desde que lhe abramos o coração - teremos pressa de corresponder
àquilo que é mais importante: amar.
E saberemos difundir a caridade entre os
outros homens, com uma vida de serviço.
Dei-vos o exemplo, insiste Jesus, falando
aos seus discípulos na noite da Ceia, depois de lhes ter lavado os pés.
Afastemos do coração o orgulho, a ambição,
os desejos de domínio e, à nossa volta e dentro de nós, reinarão a paz e a
alegria, enraizadas no sacrifício pessoal.
Finalmente, um pensamento filial e amoroso
para Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe.
Peço desculpa de contar de novo uma
recordação da minha infância, desta vez relativa a uma imagem que se difundiu
muito na minha terra, quando S. Pio X impulsionou a prática da comunhão frequente.
Representava Maria a adorar a Hóstia Santa.
Hoje, como então e como sempre, Nossa
Senhora ensina-nos a falar e a conviver intimamente com Jesus, a reconhecê-Lo e
a encontrá-Lo nas diversas circunstâncias do dia e, de um modo especial, nesse
instante supremo - o tempo une-se com a eternidade - do Santo Sacrifício da
Missa, em que Jesus, com gesto de sacerdote eterno, atrai a si todas as coisas,
para as colocar, divino afflante Spiritu,
por intermédio do sopro do Espírito Santo, na presença de Deus Pai.
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Esta semana, que o povo cristão
tradicionalmente chama Santa, oferece-nos uma vez mais a possibilidade de
considerar - de reviver - os momentos em que se consuma a vida de Jesus.
Tudo o que as diversas manifestações de
piedade nos trazem à memória nestes dias se encaminha decerto para a
Ressurreição, que é o fundamento da nossa fé, como escreve S. Paulo.
Mas não percorramos este caminho demasiado
depressa; não deixemos cair no esquecimento alguma coisa muito simples, que por
vezes parece escapar-nos: não poderemos participar da Ressurreição do Senhor se
não nos unirmos à sua Paixão e à sua Morte.
Para acompanhar a Cristo na sua glória no
final da Semana Santa, é necessário que penetremos antes no seu holocausto e
que nos sintamos uma só coisa com Ele, morto no Calvário.
A entrega generosa de Cristo enfrenta-se
com o pecado, essa realidade dura de aceitar, mas inegável: o mysterium iniquitatis, a inexplicável
maldade da criatura que se ergue, por soberba, contra Deus.
A história é tão antiga como a Humanidade.
Recordemos a queda dos nossos primeiros
pais; depois, toda essa cadeia de depravações que marcam a marcha dos homens;
finalmente, as nossas rebeldias pessoais.
Não é fácil considerar a perversidade que
o pecado representa e compreender tudo o que a Fé nos ensina.
Temos de ter presente que, mesmo no plano
humano, a grandeza da ofensa se mede pela condição do ofendido, pelo seu valor
pessoal, pela sua dignidade social, pelas suas qualidades.
E o homem ofende a Deus: a criatura renega
o seu Criador.
Mas Deus é Amor.
O abismo de malícia, que o que o pecado
encerra, foi vencido por uma Caridade infinita.
Deus não abandona os homens.
Os desígnios divinos previram que, para
reparar as nossas faltas, para restabelecer a unidade perdida, não bastavam os
sacrifícios da Antiga Lei: tornou-se necessária a entrega de um homem que fosse
Deus.
Podemos imaginar - para nos aproximarmos
de algum modo deste mistério insondável - que a Trindade Santíssima se reúne em
conselho na sua contínua relação íntima de amor imenso e, como resultado de uma
decisão eterna, o Filho Unigénito de Deus-Pai assume a nossa condição humana,
carrega sobre Si as nossas misérias e as nossas dores, para acabar pregado com
cravos num madeiro.
Esse fogo, esse desejo de cumprir o
decreto salvador de Deus-Pai, enche toda a vida de Cristo, desde o seu
nascimento em Belém.
Ao longo dos três anos que com Ele
conviveram, os discípulos ouvem-No repetir incansavelmente que o seu alimento é
fazer a vontade d'Aquele que O enviou, até que, no meio da tarde da primeira
Sexta-Feira Santa, se concluiu a sua imolação: inclinando a cabeça entregou o
espírito.
Com estas palavras descreve-nos o Apóstolo
S. João a morte de Cristo: Jesus, sob o peso da Cruz com todas as culpas dos
homens, morre por causa da força e da vileza dos nossos pecados.
Meditemos no Senhor, chagado dos pés à
cabeça por amor de nós. Com frase que se aproxima da realidade, embora não
consiga exprimi-la completamente, podemos repetir com um escritor de há séculos:
O corpo de Jesus é um retábulo de dores.
A vista de Cristo feito um farrapo,
transformado num corpo inerte descido da Cruz e confiado a sua Mãe, à vista
desse Jesus destroçado, poder-se-ia concluir que esta cena é a exteriorização
mais clara de uma derrota.
Onde estão as massas que O seguiram e o
Reino cuja vinda anunciava? Contudo, não temos diante dos olhos uma derrota,
mas sim uma vitória: está agora mais perto do que nunca o momento da Ressurreição,
da manifestação da glória que Cristo conquistou com a sua obediência.
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A morte de Cristo chama-nos a uma vida
cristã plena
Acabamos de reviver o drama do Calvário,
aquilo que me atreveria a chamar a primeira Missa, a primordial, celebrada por
Jesus.
Deus-Pai entrega o seu Filho à morte.
Jesus, o Filho Unigénito, abraça-se ao madeiro, no qual O haviam de justiçar, e
o seu sacrifício é aceite pelo Pai. Como fruto da Cruz, derrama-se sobre a
Humanidade o Espírito Santo.
Na tragédia da Paixão consuma-se a nossa
própria vida e toda a história humana.
A Semana Santa não pode reduzir-se a uma
mera recordação, pois que nela se considera o mistério de Jesus Cristo, que se
prolonga nas nossas almas: o cristão está obrigado a ser alter Christus, ipse Christus, outro Cristo, o próprio Cristo.
Pelo Baptismo, fomos todos constituídos
sacerdotes da nossa própria existência, para oferecer vítimas espirituais que
sejam agradáveis a Deus por Jesus Cristo, para realizar cada uma das nossas
acções em espírito de obediência à vontade de Deus, perpetuando assim a missão
do Deus-Homem.
Por contraste, esta realidade leva-nos a
repararmos nas nossas desditas, nos nossos erros pessoais.
Tal consideração não nos deve desanimar,
nem colocar na atitude céptica de quem renunciou aos grandes ideais.
Porque o Senhor reclama-nos tal como
somos, para que participemos da sua vida, para que lutemos por ser santos.
Santidade!
Quantas vezes pronunciamos esta palavra
como se fosse um som vazio!
Para muitos, ela representa mesmo um ideal
inacessível, um tema da ascética, mas não um fim concreto, uma realidade viva.
Não pensavam deste modo os primeiros
cristãos, que usavam o nome de santos para se chamarem entre si com toda a
naturalidade e com grande frequência: saúdam-vos todos os santos, saudai todos
os santos em Cristo Jesus.
Situados agora no Calvário, quando Jesus
já morreu e não se manifestou ainda a glória do seu triunfo, temos uma boa
ocasião para examinar os nossos desejos de vida cristã, de santidade para
reagir com um acto de fé perante as nossas debilidades e, confiando no poder de
Deus, fazer o propósito de pôr amor nas coisas do nosso dia-a-dia.
A experiência do pecado tem de nos
conduzir à dor, a uma decisão mais madura e mais profunda de sermos fiéis, de
nos identificarmos deveras com Cristo, de perseverarmos, custe o que custar,
nessa missão sacerdotal que Ele encomendou a todos os seus discípulos sem
excepção, que nos impele a sermos sal e luz do mundo.
97
A consideração da morte de Cristo
traduz-se num convite a situarmo-nos, com absoluta sinceridade, perante o nosso
trabalho ordinário, a tomarmos a sério a Fé que professamos.
A Semana Santa, portanto, não pode ser um
parêntesis sagrado no contexto de um viver movido só por interesses humanos:
tem de ser uma ocasião para penetrarmos na profundidade do Amor de Deus, para
podermos assim, com a palavra e com as obras, mostrá-lo aos outros homens.
Mas o Senhor impõe condições.
Há uma declaração sua, que S. Lucas nos
conserva, da qual não se pode prescindir: Se alguém quer vir a Mim e não
aborrece o pai e a mãe, a mulher e os filhos, os irmãos e as irmãs e até a sua
própria vida, não pode ser meu discípulo. São palavras duras.
Decerto nem o odiar nem o aborrecer
exprimem bem o pensamento original de Jesus.
De qualquer maneira, as palavras do Senhor
foram fortes, pois não se reduzem a um amor menor, como por vezes se interpreta
temperadamente, para suavizar a frase.
É tremenda essa expressão tão taxativa,
não porque implique uma atitude negativa ou impiedosa, pois o Jesus que fala
agora é o mesmo que manda amar os outros como a própria alma e entrega a sua
vida pelos homens: aquela locução indica simplesmente que perante Deus não
cabem meias-tintas.
Poderiam traduzir-se as palavras de Cristo
por amar mais, amar melhor, ou então por não amar com um amor egoísta, nem
tão-pouco com um amor de vistas curtas: devemos amar com o Amor de Deus. Disto
é que se trata!
Reparemos na última das exigências de
Jesus: et animam suam, a vida, a
própria alma é o que o Senhor pede.
Se somos fátuos, se nos preocupamos apenas
com a nossa comodidade pessoal, se centramos a existência dos outros e até o
próprio mundo em nós mesmos, não temos o direito de nos chamarmos cristãos, de
nos considerarmos discípulos de Cristo.
A entrega tem de se fazer com obras e com
verdade, não apenas com a boca.
O amor a Deus convida-nos a levarmos a
cruz a pulso, a sentir também sobre nós o peso da Humanidade inteira e a
cumprirmos, nas circunstâncias próprias do estado e do trabalho de cada um, os
desígnios, claros e amorosos ao mesmo tempo, da vontade do Pai. Na passagem que
comentamos, Jesus prossegue: Aquele que não carrega com a sua cruz para Me
seguir também não pode ser meu discípulo.
Aceitemos sem medo a vontade de Deus,
formulemos sem vacilações o propósito de edificar toda a nossa vida de acordo
com aquilo que nos ensina e nos exige a nossa fé.
Estejamos seguros de que encontraremos
luta, sofrimento e dor; mas, se possuirmos de verdade a Fé, nunca nos
sentiremos infelizes: também com sofrimentos, e até mesmo com calúnias, seremos
felizes, com uma felicidade que nos impelirá a amar os outros para os fazer
participar da nossa alegria sobrenatural.
98
O cristão perante a história humana
Ser cristão não é título de mera satisfação
pessoal: tem nome - substância - de missão.
Já antes recordávamos que o Senhor convida
todos os cristãos a serem sal e luz do mundo; fazendo-se eco desse mandato e
com textos tomados do Antigo Testamento, S. Pedro escreve umas palavras que
definem muito claramente essa missão: Sois linhagem escolhida, sacerdócio real,
nação santa, povo de conquista, para publicar as grandezas d'Aquele que nos
arrancou das trevas para a luz admirável.
Ser cristão não é algo de acidental; é uma
realidade divina, que se insere nas entranhas da nossa vida, dando-nos uma
visão clara e uma vontade decidida de actuarmos como Deus quer.
Aprende-se assim que a peregrinação do
cristão no mundo tem de se converter num serviço contínuo, prestado de modos
muito diversos segundo as circunstâncias pessoais, mas sempre por amor a Deus e
ao próximo.
Ser cristão é actuar sem pensar nas
pequenas metas do prestígio ou da ambição, nem em finalidades que podem parecer
mais nobres, como a filantropia ou a compaixão perante as desgraças alheias; é
correr para o termo último e radical do amor que Jesus Cristo manifestou
morrendo por nós.
Verificam-se por vezes algumas atitudes
que nascem de não se saber penetrar neste mistério de Jesus.
Por exemplo, a mentalidade daqueles que
vêem o cristianismo como um conjunto de práticas ou actos de piedade, sem
perceberem a sua relação com as situações da vida corrente, com a urgência de
atender as necessidades dos outros e de se esforçar por remediar as injustiças.
Por mim, diria que quem tem essa
mentalidade não compreendeu ainda o que significa o facto de o Filho de Deus
ter encarnado, tomando corpo, alma e voz de homem, participando no nosso
destino até ao ponto de experimentar a aniquilação suprema da morte.
Talvez por isso, algumas pessoas, sem
querer, consideram Cristo como um estranho no ambiente dos homens.
Outros, pelo contrário, têm tendência para
imaginar que, para poderem ser humanos, precisam de pôr em surdina alguns
aspectos centrais do dogma cristão e actuam como se a vida de oração, a intimidade
habitual com Deus, constituísse uma fuga das suas responsabilidades e um
abandono do mundo.
Esquecem-se de que Jesus, precisamente,
nos deu a conhecer até que extremos se deve ir no caminho do amor e do serviço.
Só se procurarmos compreender o arcano do
amor de Deus, deste amor que chega até à morte, seremos capazes de nos entregar
totalmente aos outros, sem nos deixarmos vencer pelas dificuldades ou pela
indiferença.
(cont)
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