É válido argumentar que “ninguém
aborta por gosto”?
À primeira vista, o argumento parece
ter certa lógica. Mas há várias objeções a essa lógica.
Os defensores da legalização do aborto
afirmam que nenhuma mulher faz ou fará um aborto de ânimo leve.
À primeira vista, o argumento parece
ter certa lógica.
Praticar o aborto do próprio filho não
é o mesmo que injectar heroína. Apesar de a droga arruinar a saúde do
consumidor, é preciso reconhecer que um aborto não se situa no mesmo plano: por
melhor que seja um Centro de Saúde, nenhuma mulher recorre ao aborto por gosto.
Por isso, ninguém deve insinuar que a
legalidade incentiva ao aborto por motivos banais. Serão sempre casos de
“absoluta necessidade”.
Não tenho receio em concordar que
ninguém, com um mínimo de estabilidade mental, recorre a uma cirurgia, do tipo
que for, por gosto.
Porém, levanto três objecções ao
argumento:
A mesma sequência de raciocínio -
quando se despenaliza uma acção que por si mesma é desagradável não se prevê um
aumento considerável de acções desse tipo - poderia então ser aplicada a outros
casos.
Pensemos no atropelamento.
Se houvesse uma lei a despenalizar os
automobilistas que atropelassem pessoas, não é previsível que a maioria dos
condutores se dedicasse a passar com o carro por cima dos transeuntes: ninguém
ocasionaria com gosto lesões a terceiros (e consequentes amolgadelas no
carro...).
Significa, então, que a lei sobra?
Há até casos de homicídios involuntários
por atropelamento com penas que não são nada leves.
Não seria de declarar a inocência dos
condutores, visto que não atropelaram ninguém de ânimo leve e já lhes basta a
tortura da própria consciência?
E, mesmo em caso de homicídios
voluntários, exceptuando, porventura, a participação em organizações terroristas
ou mafiosas, quem mata não o faz levianamente: pesou os prós e os contras e
concluiu que o assassinato era a melhor maneira de resolver a questão (leiam-se
os romances de Agatha Christie, tão instrutivos nesta matéria quanto a
motivações).
Será de restringir a penalização do
homicídio a casos manifestamente compulsivos ou repetitivos?
(cont)
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