Tempo comum XII Semana
São Josemaria Escrivá
Evangelho:
Mt 8, 1-4
1 Tendo Jesus descido do monte, seguiu-O uma grande multidão.2
E eis que, aproximando-se um leproso, se prostrou, dizendo: «Senhor, se Tu
quiseres, podes curar-me».3 Jesus, estendendo a mão, tocou-o,
dizendo-lhe: «Quero, sê curado». E logo ficou curado da sua lepra.4
E Jesus disse-lhe: «Vê, não o digas a ninguém, mas vai, mostra-te ao sacerdote,
e faz a oferta que Moisés preceituou em testemunho da tua cura».
Comentário:
Impressiona este diálogo tão
simples entre o pobre leproso e Jesus Cristo.
Não são necessárias nem muitas palavras nem grandes gestos.
Não são necessárias nem muitas palavras nem grandes gestos.
Uma a afirmação de fé:
«Senhor, se Tu quiseres, podes curar-me».
O gesto de misericórdia
divina:
«Jesus, estendendo a mão, tocou-o, dizendo-lhe: Quero, sê curado»
(ama,
comentário sobre Mt 8, 1-4, 2013.06.28)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 1 a 9
1
Há muitos anos, íamos por uma estrada de
Castela e vimos ao longe, no campo, uma cena que me impressionou e me serviu
para fazer oração em muitas ocasiões: vários homens fixavam com força na terra
as estacas que depois utilizaram para segurar verticalmente uma rede e formar o
redil.
Mais
tarde, chegaram àquele lugar os pastores com as ovelhas, com os cordeiros;
chamavam-nos pelo nome e entravam um a um no aprisco, para estarem todos
juntos, em segurança.
E
hoje, meu Senhor, lembro-me de modo particular desses pastores e desse redil,
porque todos os que nos encontramos aqui reunidos para conversar contigo - e
muitos outros no mundo inteiro -, sabemo-nos metidos no teu rebanho.
Tu próprio disseste: Eu sou o Bom Pastor,
conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-me.
Conheces-nos
bem; sabes que queremos ouvir, estar sempre atentos aos teus assobios de Bom
Pastor e corresponder-lhes porque a vida eterna é esta:
Que te conheçam a ti como um só Deus
verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.
Gosto tanto da imagem de Cristo rodeado à
direita e à esquerda pelas suas ovelhas, que mandei colocá-la no oratório onde
habitualmente celebro a Santa Missa; e fiz gravar noutros lugares, como
despertador da presença de Deus, as palavras de Jesus: cognosco oves meas et cognoscunt me meae, para considerarmos a toda
a hora que Ele nos repreende ou nos instrui e nos ensina como o pastor faz com
a sua grei.
Vem,
pois, muito a propósito esta recordação de terras de Castela.
2
Deus
quer-nos santos
Todos os que aqui estamos fazemos parte da
família de Cristo, porque Ele mesmo nos escolheu antes da criação do mundo, por
amor, para sermos santos e imaculados diante dele, o qual nos predestinou para
sermos seus filhos adoptivos por meio de Jesus Cristo para sua glória, por sua
livre vontade.
Esta
escolha gratuita de que Nosso Senhor nos fez objecto, marca-nos um fim bem
determinado: a santidade pessoal, como S. Paulo nos repete insistentemente: haec est voluntas Dei: sanctificatio vestra
, esta é a vontade de Deus: a vossa santificação.
Portanto,
não nos esqueçamos: estamos no redil do Mestre, para alcançar esse fim.
3
Não se apaga da minha memória uma ocasião -
já passou muito tempo - em que fui rezar à Catedral de Valência e passei
defronte da sepultura do Venerável Ridaura.
Contaram-me
então que perguntavam a este sacerdote, quando já era muito idoso: quantos anos
tem?
Ele,
muito convencido, respondia-lhes em valenciano: poquets, pouquinhos! os que passei a servir a Deus.
Para muitos de vocês ainda se contam pelos
dedos de uma mão os anos que passaram desde que se decidiram a ter mais
intimidade com Nosso Senhor, a servi-lo no meio do mundo, no próprio ambiente e
através da própria profissão ou ofício.
Este
pormenor não tem muita importância; pelo contrário, interessa gravarmos a fogo na
alma que o convite à santidade, feito por Jesus Cristo a todos os homens sem
excepção, exige que cada um de nós cultive a vida interior, exercite
diariamente as virtudes cristãs; e não de uma maneira qualquer, nem acima do
normal, nem sequer de um modo excelente: devemos esforçar-nos até ao heroísmo,
no sentido mais forte e radical da expressão.
4
A meta que proponho - ou melhor, a que Deus
indica a todos - não é uma miragem ou um ideal inatingível: podia contar-vos
tantos exemplos concretos de mulheres e de homens correntes, como vocês e como
eu, que encontraram Jesus que passa quasi
in occulto pelas encruzilhadas aparentemente mais vulgares e decidiram
segui-lo, abraçando com amor a cruz de cada dia.
Nesta
época de desmoronamento geral, de concessões e de desânimos, ou de libertinagem
e de anarquia, parece-me ainda mais actual aquela convicção simples e profunda
que, no princípio da minha actividade sacerdotal e sempre, me consumiu em
desejos de comunicar à humanidade inteira: estas crises mundiais são crises de
santos.
5
Vida interior: é uma exigência do
chamamento que o Mestre fez à alma de todos.
Temos de ser santos - di-lo-ei com uma
expressão castiça - da cabeça aos pés: cristãos de verdade, autênticos,
canonizáveis; se não, fracassámos como discípulos do único Mestre.
Pensem
também que Deus, ao reparar em nós, ao conceder-nos a sua graça para lutarmos
por alcançar a santidade no meio do mundo, nos impõe também a obrigação do
apostolado.
Compreendam
que, até humanamente, como comenta um Padre da Igreja, a preocupação pelas
almas brota como uma consequência lógica dessa escolha: quando descobris que
algo vos foi proveitoso, tentais atrair os outros.
Tendes
pois que desejar que outros vos acompanhem pelos caminhos de Nosso Senhor.
Se
ides ao foro ou aos banhos e deparais com alguém que esteja desocupado,
convidai-lo para que vos acompanhe.
Aplicai
ao espiritual este costume terreno e, quando fordes a Deus, não o façais sós.
Se não queremos desperdiçar o tempo
inutilmente - nem sequer com falsas desculpas das dificuldades exteriores do
ambiente, que nunca faltaram desde o princípio do cristianismo - devemos ter
muito presente que, de um modo normal, Jesus Cristo vinculou à vida interior a
eficácia da nossa acção para arrastar os que nos rodeiam.
Cristo
pôs a santidade como condição para a eficácia da acção apostólica; corrijo-me,
o esforço da nossa fidelidade, porque na terra nunca seremos santos.
Parece
inacreditável, mas Deus e os homens precisam que, da nossa parte, haja uma
fidelidade sem condições, sem eufemismos, que chegue até às últimas
consequências, sem mediocridade ou concessões, em plenitude de vocação cristã
assumida e praticada com delicadeza.
6
Talvez entre vocês algum esteja a pensar
que me refiro exclusivamente a um sector de pessoas selectas.
Não
se deixem enganar tão facilmente, movidos pela cobardia ou pelo comodismo.
Pelo
contrário, que cada um sinta a urgência divina de ser outro Cristo, ipse
Christus, o próprio Cristo; em poucas palavras, a urgência de que a nossa
conduta seja coerente com as normas da fé, pois a nossa santidade - a que temos
de aspirar - não é uma santidade de segunda categoria, que não existe.
E
o principal requisito que nos é pedido - bem conforme com a nossa natureza -
consiste em amar: a caridade é o vínculo da perfeição; caridade que devemos
praticar de acordo com as orientações explícitas que o próprio Senhor
estabelece: amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua
alma, com toda a tua mente, sem reservarmos nada para nós.
A santidade consiste nisto.
7
É bem certo que se trata de um objectivo
elevado e árduo. Mas não se esqueçam de que o santo não nasce: forja-se no jogo
contínuo da graça divina e da correspondência humana.
Um
dos escritores cristãos dos primeiros séculos adverte, referindo-se à união com
Deus: Tudo o que se desenvolve começa por ser pequeno.
Ao
alimentar-se gradualmente, com constantes progressos, é que chega a ser grande.
Por
isso te digo que, se quiseres portar-te como um cristão coerente - sei que
estás disposto a isso, embora te custe tantas vezes vencer-te ou puxar por esse
pobre corpo - deves ter muito cuidado com os mais pequenos pormenores, porque a
santidade que Nosso Senhor te exige atinge-se realizando com amor de Deus o
trabalho e as obrigações de cada dia, que se compõem quase sempre de pequenas
realidades.
8
Coisas
pequenas e vida de infância
Pensando naqueles que, à medida que o tempo
passa, ainda se dedicam a sonhar -em sonhos vãos e pueris, como Tartarin de
Tarascon - com caçar leões nos corredores de casa, onde se calhar só há ratos e
pouco mais, pensando neles, insisto, lembro a grandeza de actuar com espírito
divino no cumprimento fiel das obrigações habituais de cada dia, com essas
lutas que enchem Nosso Senhor de alegria e que só Ele e cada um de nós conhece.
Convençam-se de que normalmente não vão
encontrar ocasiões para grandes façanhas, entre outros motivos porque não é
habitual que surjam essas oportunidades.
Pelo
contrário, não faltam ocasiões de demonstrar o amor a Jesus Cristo, através do
que é pequeno, do normal.
A
grandeza da alma também se demonstra nas coisas diminutas, comenta S. Jerónimo.
Não
admiramos o Criador apenas no céu e na terra, no sol e no oceano, nos
elefantes, camelos, bois, cavalos, leopardos, ursos e leões; mas também nos
animais minúsculos como formigas, mosquitos, moscas, vermes e outros animais
semelhantes, que distinguimos melhor pelos corpos do que pelos nomes: admiramos
a mesma mestria tanto nos grandes como nos pequenos.
Assim,
a alma que se dá a Deus dedica às coisas menores o mesmo fervor que às maiores.
9
Ao meditar as palavras de Nosso Senhor: Por
amor deles santifico-me a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na
verdade, percebemos claramente o nosso único fim: a santificação, isto é, que
temos de ser santos para santificar.
Simultaneamente,
como tentação subtil, talvez nos assalte o pensamento de que muito poucos
estamos decididos a responder a esse convite divino, além de nos vermos como
instrumentos de muito fraca categoria.
É
verdade, somos poucos, em comparação com o resto da humanidade e pessoalmente
não valemos nada; mas a afirmação do Mestre ressoa com autoridade: o cristão é
luz, sal, fermento do mundo e um pouco de fermento faz levedar toda a massa.
Precisamente
por isso, tenho pregado sempre que nos interessam todas as almas - as cem que
há num cento - sem nenhuma espécie de discriminações, com a certeza de que
Jesus Cristo nos redimiu a todos e quer servir-se de alguns de nós, apesar da
nossa nulidade pessoal, para darmos a conhecer esta salvação.
Um discípulo de Jesus nunca trata ninguém
mal; chama erro ao erro, mas deve corrigir com afecto o que erra: se não, não
pode ajudá-lo, não pode santificá-lo.
Temos
que conviver, temos que compreender, temos que desculpar, temos que ser
fraternos; e, como aconselhava S. João da Cruz, temos que pôr amor, onde não há
amor, para tirar amor, sempre, mesmo nas circunstâncias aparentemente
intranscendentes que o trabalho profissional e as relações familiares e sociais
nos proporcionam.
Portanto,
tu e eu vamos aproveitar até as oportunidades mais banais que se apresentarem à
nossa volta, para santificá-las, para nos santificarmos e para santificar os
que compartilham connosco os mesmos afãs quotidianos, sentindo nas nossas vidas
o peso doce e sugestivo da co-redenção.
(cont)
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