Evangelho: Lc 10 21-24
21 Naquela mesma hora
Jesus exultou de alegria no Espírito Santo, e disse: «Graças Te dou, ó Pai,
Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos
prudentes, e as revelaste aos simples. Assim é, ó Pai, porque assim foi do Teu
agrado. 22 Todas as coisas Me foram entregues por Meu Pai; e ninguém
sabe quem é o Filho, senão o Pai, nem quem é o Pai, senão o Filho e aquele a
quem o Filho quiser revelar». 23 Depois, tendo-Se voltado para os
discípulos, disse: «Felizes os olhos que vêem o que vós vedes. 24
Porque Eu vos afirmo que muitos profetas e reis desejaram ver o que vós vedes e
não o viram, ouvir o que vós ouvis e não o ouviram».
Comentário:
Quando penso na ventura daqueles que
contemplavam e ouviam o Mestre, conviviam com Ele diariamente, O acompanhavam
no Seu caminhar incessante pelas terras de Israel, sinto, por vezes, uma certa
inveja: Ah! Se e estivesse entre eles!
Depois,
lembro-me imediatamente que, na verdade, tenho uma ventura muito maior e
completa. Continuo a ouvir quanto o Senhor disse, a poder, em qualquer momento,
contar com a Sua companhia onde quer que eu vá, porque está sempre comigo, e,
mais importante, posso recebê-lo como alimento para a minha alma. Então, em vez
de inveja sinto uma enorme gratidão que me leva a dizer-lhe do fundo da minha
alma: Gratias Tibi! Gratias Tibi!
(ama, meditação sobre Lc 10,
21-24, 2009.07.13)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Cristo Que passa 160 a 164
160
Tenhamos,
pois, Fé, sem permitir que o desalento nos domine; sem nos determos em cálculos
meramente humanos. Para superar os obstáculos, há que começar a trabalhar,
metendo-se em cheio nessa tarefa, de maneira que o nosso próprio esforço nos
leve a abrir novos caminhos. Perante qualquer dificuldade, o remédio é este:
santidade pessoal, entrega ao Senhor.
Ser
santos é viver tal como o nosso Pai do Céu dispôs que vivêssemos. Dir-me-eis
que é difícil. Sim, o ideal é muito elevado. Mas ao mesmo tempo é fácil: está
ao alcance da mão. Quando uma pessoa adoece, nem sempre se consegue encontrar o
remédio adequado para a tratar. Mas no plano sobrenatural não acontece assim. O
remédio está sempre perto de nós: é Jesus Cristo, presente na Sagrada
Eucaristia, que também nos dá a sua graça nos outros Sacramentos que instituiu.
Repitamos
com a palavra e com as obras: Senhor, confio em Ti, basta-me a tua providência ordinária,
a tua ajuda de cada dia. Não temos por que pedir a Deus grandes milagres. Temos
de lhe suplicar, pelo contrário, que aumente a nossa fé, que ilumine a nossa
inteligência, que fortaleça a nossa vontade. Jesus está sempre junto de nós e
permanece fiel.
Desde
o começo da minha pregação, preveni-vos contra um falso endeusamento. Não te
assustes ao veres-te tal como és: assim, feito de barro. Não te preocupes.
Porque, tu e eu somos filhos de Deus, - este é o endeusamento bom - escolhidos
desde a eternidade, com uma vocação divina: escolheu-nos o Pai, por Jesus
Cristo, antes da criação do mando, para que sejamos santos diante dele. Nós,
que somos especialmente de Deus, seus instrumentos apesar da nossa pobre
miséria pessoal, seremos eficazes se não perdermos o conhecimento da nossa
fraqueza. As tentações dão-nos a dimensão da nosso própria fraqueza.
Se
sentimos desalento ao experimentar - talvez de um modo particularmente vivo - a
nossa mesquinhez, é o momento de nos abandonarmos por completo, com docilidade,
nas mãos de Deus. Conta-se que, certo dia, um mendigo saiu ao encontro de
Alexandre Magno, pedindo uma esmola. Alexandre parou e ordenou que o fizessem
senhor de cinco cidades. O pobre, confundido e atordoado, exclamou: eu não
pedia tanto! E Alexandre respondeu: tu pediste como quem és; eu dou-te como
quem sou.
Mesmo
nos momentos em que percebemos mais profundamente a nossa limitação, podemos e
devemos olhar para Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, sabendo-nos
participantes da vida divina. Nunca existe razão suficiente para voltarmos
atrás: o Senhor está ao nosso lado. Temos que ser fiéis, leais, encarar as
nossas obrigações, encontrando em Jesus o amor e o estímulo para compreender os
erros dos outros e superar os nossos próprios erros. Assim, todos esses desalentos
- os teus, os meus, os de todos os homens - servem também de suporte ao reino
de Cristo.
Reconheçamos
as nossas fraquezas, mas confessemos o poder de Deus. O optimismo, a alegria, a
convicção firme de que o Senhor quer servir-se de nós têm de informar a vida
cristã. Se nos sentirmos parte dessa Igreja Santa, se nos considerarmos
sustentados pela rocha firme de Pedro e pela acção do Espírito Santo,
decidir-nos-emos a cumprir o pequeno dever de cada instante: semear todos os
dias um pouco. E a colheita fará transbordar os celeiros.
161
Terminemos
este tempo de oração. Recordai - saboreando, na intimidade da alma, a infinita
bondade divina - que, pelas palavras da Consagração, Cristo vai tornar-se
realmente presente na Hóstia, com o seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade.
Adorai-O com reverência e devoção; renovai na sua presença o oferecimento
sincero do vosso amor; dizei-lhe sem medo que Lhe quereis; agradecei-lhe esta
prova diária de misericórdia tão cheia de ternura, e fomentai o desejo de vos
aproximardes da comunhão com confiança. Eu surpreendo-me perante este mistério
de Amor: o Senhor procura como trono o meu pobre coração, para não me
abandonar, se eu não me afastar d'Ele.
Reconfortados
pela presença de Cristo, alimentados pelo seu Corpo, seremos fiéis durante esta
vida terrena, e mais tarde no Céu, junto de Jesus e de Sua Mãe, chamar-nos-emos
vencedores. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu
aguilhão? Demos graças a Deus que nos trouxe a vitória, pela virtude de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
162
Homilia pronunciada no dia
17 de Junho de 1966, Festa do Sagrado Coração de Jesus.
Deus
Pai dignou-Se conceder-nos, no Coração do Filho, infinitos dilectionis
thesauros, tesouros inesgotáveis de amor, de misericórdia, de ternura. Se
quisermos descobrir com evidência que Deus nos ama - que não só escuta as
nossas orações, mas até Se nos antecipa - basta-nos seguir o mesmo raciocínio
de S. Paulo: Aquele que nem ao seu próprio Filho perdoou, mas O entregou à
morte por nós, corno não nos dará, com Ele, todas as coisas?
A
graça renova o homem por dentro e converte-o, de pecador e rebelde, em servo
bom e fiel. E a fonte de todas as graças é o amor que Deus tem por nós e nos
revelou - e não só com palavras, também com actos. O amor divino faz com que a
Segunda Pessoa da Trindade Santíssima, o Verbo, o Filho de Deus Pai, tome a
nossa carne, isto é, a nossa condição humana, menos o pecado. E o Verbo, a
Palavra de Deus, é Verbum spirans amorem, a Palavra de que procede o Amor.
O
Amor revela-se na Encarnação, nessa caminhada redentora de Jesus Cristo pela
Terra, até ao sacrifício supremo da Cruz. E na Cruz manifesta-se com um novo
sinal: um dos soldados abriu o lado de Jesus com uma lança e no mesmo instante
saiu sangue e água . Água e sangue de Jesus que nos falam de uma entrega
realizada até ao último extremo, até ao consummatum est , ao "tudo está
consumado", por amor.
Na
festa de hoje, ao considerarmos uma vez mais os mistérios centrais da nossa fé,
maravilhamo-nos de que as realidades mais profundas - o amor de Deus Pai que
entrega o seu Filho; o amor do Filho que O leva a caminhar sereno até ao
Gólgota - se traduzam em gestos muito próximos dos homens. Deus não Se nos
dirige numa atitude de poder e de domínio; aproxima-Se de nós tomando a forma
de servo, tornado semelhante aos homens. Nunca Jesus Se mostra distante e
altivo. Por vezes, durante os anos de pregação, podemos vê-Lo desgostoso por
lhe doer a maldade humana. Mas, se repararmos melhor, logo perceberemos que o
que Lhe provoca o desgosto ou a cólera é o amor, que o desgosto e a cólera são
apenas um novo modo de nos arrancar à infidelidade e ao pecado. Porventura
quero Eu a morte do ímpio - diz o Senhor Deus - e não que se converta do seu
mau caminho e que viva? Essas palavras explicam-nos toda a vida de Cristo e
fazem-nos compreender por que Se apresentou perante nós com um coração de
carne, com um coração como o nosso, prova irrefutável de amor e testemunho
constante do mistério inenarrável da caridade divina.
163
Conhecer o coração de
Jesus
Não
posso deixar de vos confiar algo que constitui para mim um motivo de pena e ao
mesmo tempo um estímulo para a acção: pensar nos homens que ainda não conhecem
Cristo, que não pressentem ainda a profundeza da felicidade que nos espera nos
Céus e vagueiam pela Terra, como cegos, em perseguição de uma alegria cujo
verdadeiro nome ignoram, ou se perdem por sendas que os afastam da felicidade
autêntica. Como se entende bem o que deve ter sentido o Apóstolo Paulo, naquela
noite da cidade de Tróade, quando, entre sonhos, teve uma visão: um macedónio
estava diante dele, pedindo-lhe: passa à Macedónia e ajuda-nos! Mal acabou a
visão, logo - Paulo e Timóteo - buscaram maneira de passar à Macedónia, certos
de que Deus os chamava para pregarem o Evangelho àquelas gentes.
Não
sentis vós também que Deus nos chama, que - através de tudo o que se passa à
nossa volta - nos impele a proclamar a boa-nova da vinda de Jesus? Mas, às
vezes, nós, cristãos, amesquinhamos a nossa vocação, caímos na
superficialidade, perdemos o tempo em disputas e querelas. Ou, o que é pior
ainda, não falta quem se escandalize falsamente com o modo como os outros vivem
certos aspectos da Fé ou determinadas devoções e, em vez de serem eles a abrir
o caminho, esforçando-se por vivê-las da maneira que consideram recta, entretêm--se
a destruir e a criticar. É claro que podem surgir, e de facto surgem,
deficiências na vida dos cristãos. O que importa, porém, não somos nós e as
nossas misérias; só Ele importa, só Jesus. É de Cristo que devemos falar; não
de nós mesmos.
As
reflexões que acabo de fazer são provocados por uma suposta crise na devoção ao
Sagrado Coração de Jesus. Tal crise não existe. A verdadeira devoção foi e
continua a ser uma atitude viva, cheia de sentido humano e de sentido
sobrenatural. Os seus frutos têm sido e continuam a ser frutos saborosos de
conversão, de entrega, de cumprimento da vontade de Deus, de penetração amorosa
nos mistérios da Redenção.
Bem
diversas, pelo contrário, são as manifestações de um sentimentalismo ineficaz,
vazio de doutrina, eivado de pietismo. Também eu não gosto das imagens
delambidas, dessas figurações do Sagrado Coração que não podem inspirar devoção
nenhuma a pessoas com senso comum e com sentido sobrenatural próprio de cristãos.
Mas não é sinal de boa lógica converter certos abusos de ordem prática, que
acabam por desaparecer, num problema doutrinário, de ordem teológica.
Se
crise existe, é no coração dos homens, que - por miopia, por egoísmo, por
estreiteza de vistas - não são capazes de vislumbrar o insondável amor de
Cristo Senhor Nosso. A liturgia da Santa Igreja, desde que se instituiu a festa
de hoje, tem sabido oferecer o alimento da verdadeira piedade, recolhendo como
leitura para a Missa um texto de S. Paulo em que nos é proposto todo um
programa de vida contemplativa - conhecimento e amor, oração e vida - que
começa por esta devoção ao Coração de Jesus. 0 próprio Deus, pela boca do
Apóstolo, nos convida a seguir esse caminho: que Cristo habite pela fé nos
vossos corações, e que, arreigados e cimentados na caridade, possais
compreender com todos os santos qual é a amplitude e a grandeza, a altura e a
profundidade do mistério; e conhecer também aquele amor de Cristo que
ultrapassa todo o conhecimento, para vos encherdes de toda a plenitude de Deus
.
A
plenitude de Deus revela-se-nos em Cristo e é em Cristo que nos é dada: no seu
amor, no seu Coração. Porque este é o Coração d'Aquele em quem habita
corporalmente toda a plenitude da divindade. Por isso, se se perde de vista
este alto desígnio de Deus, - a corrente de amor instaurada no mundo pela
Encarnação, pela Redenção e pelo Pentecostes - não se poderão compreender as
delicadezas do Coração do Senhor.
164
A verdadeira devoção ao
coração de Cristo
Consideremos
toda a riqueza que se encerra nestas palavras: Sagrado Coração de Jesus.
Quando
falamos de um coração humano, não nos referimos só aos sentimentos: aludimos à
pessoa toda que quer, que ama, que convive com os outros. Ora, na maneira de os
homens se exprimirem, que a Sagrada Escritura utiliza para nos dar a entender
as coisas divinas, o coração é tido por resumo e fonte, expressão e fundo
íntimo dos pensamentos, das palavras, das acções. Um homem vale o que vale o
seu coração - diríamos com palavras bem humanas.
Ao
coração pertence a alegria: alegre-se o meu coração com o teu auxílio!; o
arrependimento: o meu coração é como cera que se derrete dentro do peito; o
louvor a Deus: do meu coração brota um cântico belo; a decisão para ouvir o
Senhor: está disposto o meu coração; a vigília amorosa: eu durmo, mas o meu
coração vigia. E ainda a dúvida e o temor: não se perturbe o vosso coração;
crede em Mim.
O
coração não sente apenas: também sabe e entende. A lei de Deus é recebida no
coração, e nele permanece escrita. E a Escritura acrescenta: a boca fala da
abundância do coração. O Senhor lançou em rosto a uns escribas: porque pensais
mal em vossos corações? E, para resumir todos os pecados que um homem pode
cometer, disse: é do coração que saem todos os maus pensamentos, os homicídios,
os adultérios, as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfémias.
Quando,
na Sagrada Escritura, se fala de coração, não se trata de um sentimento
passageiro, que perturba ou faz nascer as lágrimas. Fala-se do coração para
indicar a pessoa, pois esta, como disse o próprio Jesus, orienta-se toda - alma
e corpo - para o que considera o seu bem: porque onde está o teu tesouro, aí
está também o teu coração.
É
por isso que, quando falamos do coração de Jesus, manifestamos a certeza do
amor de Deus e a verdade da sua entrega a nós mesmos. Recomendar a devoção a
esse Sagrado Coração é o mesmo que dizer que nos devemos orientar
integralmente, com tudo o que somos - a nossa alma, os nossos sentimentos, os
nossos pensamentos, palavras e acções, os nossos trabalhos e as nossas alegrias
- para Jesus todo.
Nisto
se define a verdadeira devoção ao Coração de Jesus: em conhecer a Deus e
conhecermo-nos a nós mesmos, e em olhar para Jesus e recorrer a Ele - que nos
anima, nos ensina, nos guia. A única superficialidade que pode haver nesta
devoção é a do homem que não é integralmente humano e que, por isso, não
consegue aperceber-se da realidade de Deus feito carne.
(cont)
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