Evangelho: Lc 2 36-40
36 Havia também uma profetisa, chamada
Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era de idade muito avançada. Tinha
vivido sete anos com o seu marido, após o seu tempo de donzela,37 e
tinha permanecido viúva até aos oitenta e quatro anos, e não se afastava do templo,
servindo a Deus noite e dia com jejuns e orações. 38 Ela também,
vindo nesta mesma ocasião, louvava a Deus e falava de Jesus a todos os de
Jerusalém que esperavam a redenção.39 Depois que cumpriram tudo, segundo
o que mandava a Lei do Senhor, voltaram para a Galileia, para a sua cidade de
Nazaré. 40 O Menino crescia e fortificava-Se, cheio de sabedoria, e
a graça de Deus estava com Ele.
Comentário:
«Depois que cumpriram tudo, segundo o que
mandava a Lei do Senhor»
Esta
a "chave" da vida do cristão: cumprir, em primeiro lugar, o que o
Senhor quer que façamos. Depois, só depois, haveremos de fazer as outras coisas
que, por importantes que possam ser, vêm sempre em segundo lugar.
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 209 a 215
209
Em que esperar
Dado
que o mundo oferece muitos bens, apetecíveis para este nosso coração, que
reclama felicidade e busca ansiosamente o amor, talvez alguns perguntem: nós,
os cristãos, em que devemos esperar? Além disso, queremos semear a paz e a
alegria às mãos cheias, não ficamos satisfeitos com a consecução da
prosperidade pessoal e procuramos que estejam contentes todos os que nos
rodeiam.
Por
desgraça, alguns, com uma visão digna mas rasteira, com ideais exclusivamente
caducos e fugazes, esquecem que os anelos do cristão se hão-de orientar para
cumes mais elevados: infinitos. O que nos interessa é o próprio Amor de Deus, é
gozá-lo plenamente, com um júbilo sem fim. Temos comprovado, de muitas
maneiras, que as coisas da terra hão-de passar para todos, quando este mundo acabar;
e já antes, para cada um, com a morte, porque nem as riquezas nem as honras
acompanham ninguém ao sepulcro. Por isso, com as asas da esperança, que anima
os nossos corações a levantarem-se para Deus, aprendemos a rezar: in te Domine
speravi, non confundar in æternum, espero em Ti, Senhor, para que me dirijas
com as tuas mãos agora e em todos os momentos pelos séculos dos séculos.
210
O
Senhor não nos criou para construirmos aqui uma Cidade definitiva, porque este
mundo é o caminho para o outro, que é morada sem pesar. No entanto, nós, os
filhos de Deus, não devemos desligar-nos das actividades terrenas em que Deus
nos coloca para as santificarmos, para as impregnarmos da nossa bendita fé, a
única que dá verdadeira paz, alegria autêntica às almas e aos diversos
ambientes. Tem sido esta a minha pregação constante desde 1928: urge cristianizar
a sociedade; levar a todos os estratos desta nossa humanidade o sentido
sobrenatural, de modo que uns e outros nos empenhemos em elevar à ordem da graça
a ocupação diária, a profissão ou o ofício. Desta forma, todas as ocupações
humanas se iluminam com uma esperança nova, que transcende o tempo e a
caducidade do mundano.
Pelo
Baptismo, somos portadores da palavra de Cristo, que serena, que inflama e aquieta
as consciências feridas. E para que o Senhor actue em nós e por nós, temos de
lhe dizer que estamos dispostos a lutar em cada dia, ainda que nos vejamos
frouxos e inúteis, ainda que sintamos o peso imenso das misérias pessoais e da
pobre debilidade pessoal. Temos de lhe repetir que confiamos n'Ele, na sua ajuda:
se é preciso, como Abraão, contra toda a esperança. Assim trabalharemos com
renovado empenho e ensinaremos as pessoas a reagirem com serenidade, livres de
ódios, de receios, de ignorância, de incompreensões, de pessimismos, porque
Deus tudo pode.
211
Onde
quer que nos encontremos, esta é a exortação do Senhor: vigiai! Em face deste
apelo de Deus, alimentemos nas nossas consciências os desejos esperançosos de
santidade, com obras. Dá-me, meu filho, o teu coração, sugere-nos o senhor ao
ouvido. Deixa-te de construir castelos com a fantasia, decide-te a abrir a tua
alma a Deus, pois exclusivamente no Senhor acharás o fundamento real para a tua
esperança e para fazer o bem aos outros. Quando não lutamos connosco mesmos,
quando não rechaçamos terminantemente os inimigos que estão dentro da cidadela
interior - o orgulho, a inveja, a concupiscência da carne e dos olhos, a
auto-suficiência, a tresloucada avidez da libertinagem - quando não existe essa
peleja interior, os mais nobres ideais definham como a flor do feno; ao romper
o sol ardente, a erva seca, a flor cai e acaba a sua vistosa formosura. Depois,
pela menor fenda brotarão o desalento e a tristeza, como plantas daninhas e
invasoras.
Jesus
não se conforma com um assentimento titubeante. Pretende, tem direito a que
caminhemos com inteireza, sem concessões às dificuldades. Exige passos firmes
concretos; pois, de ordinário, os propósitos gerais servem para pouco. Os
propósitos pouco delineados parecem-me entusiasmos falazes que intentam calar
as chamadas divinas percebidas pelo coração; fogos fátuos, que não queimam nem
dão calor e que desaparecem com a mesma fugacidade com que surgiram.
Por
isso, convencer-me-ei de que as tuas intenções de alcançar a meta são sinceras,
se te vir caminhar com determinação. Faz o bem, revendo as tuas atitudes
habituais quanto à ocupação de cada instante; pratica a justiça, precisamente
nos ambientes que frequentas, ainda que a fadiga te vença; fomenta a felicidade
dos que te rodeiam, servindo os outros com alegria no lugar do teu trabalho,
com esforço para o acabar com a maior perfeição possível, com a tua compreensão,
com o teu sorriso, com a tua atitude cristã. E tudo por Deus, com o pensamento
na sua glória, com o olhar no alto, anelando a Pátria definitiva, pois só esse
fim vale a pena.
212
Tudo posso
Se
não lutas, não me digas que procuras identificar-te mais com Cristo,
conhecê-lo, amá-lo. Quando empreendemos o caminho real de seguir a Cristo, de
nos portarmos como filhos de Deus, não se nos oculta o que nos aguarda: a Santa
Cruz, que temos de contemplar como o ponto central onde se apoia a nossa
esperança de nos unirmos ao Senhor.
Digo-vos
desde já que este programa não é uma empresa cómoda; viver da maneira que o
Senhor assinala pressupõe esforço. Leio-vos a enumeração do Apóstolo, quando
refere as suas peripécias e os seus sofrimentos para cumprir a vontade de
Jesus: Dos judeus recebi cinco vezes quarenta açoites menos um. Três vezes fui
açoitado com varas; uma vez apedrejado; três vezes naufraguei; uma noite e um
dia estive no abismo do mar. Muitas vezes, em viagens, perigos de rios, perigos
de ladrões, perigos dos da minha nação, perigos dos gentios, perigos na cidade,
perigos no descampado, perigos no mar, perigos entre falsos irmãos; em
trabalhos e misérias, em muitas vigílias, com fome e com sede, com muitos
jejuns, com frio e nudez. Além destas coisas exteriores, pesam sobre mim as
ocupações de cada dia pela solicitude de todas as igrejas.
Gosto,
nestas conversas com o Senhor, de me cingir à realidade em que se desenvolve a
nossa vida, sem inventar teorias, nem sonhar com grandes renúncias, com
heroicidades, que habitualmente não acontecem. Importa que aproveitemos o
tempo, que se nos escapa das mãos e que, segundo o critério cristão, é mais do
que ouro, porque representa uma antecipação da glória que depois nos será concedida.
Logicamente,
na nossa jornada, não toparemos com tais nem com tantas contradições como as
que ocorreram na vida de Saulo. Nós descobriremos a baixeza do nosso egoísmo,
os golpes da sensualidade, as investidas de um orgulho inútil e ridículo e
muitas outras claudicações: tantas, tantas fraquezas. Descoroçoar? Não. Com S.
Paulo, repitamos ao Senhor: sinto complacência nas minhas enfermidades, nos
ultrajes, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo;
pois quando estou fraco, então sou mais forte .
213
Às
vezes, quando tudo nos acontece ao contrário do que imaginávamos, vem-nos espontaneamente
à boca: Senhor, olha que se afunda tudo, tudo, tudo...! Chegou a hora de
rectificar: contigo, avançarei seguro, porque Tu és a própria fortaleza: quia
tu es, Deus, fortitudo mea.
Roguei-te
que, no meio das ocupações, procures levantar os teus olhos ao Céu
perseverantemente, porque a esperança nos impele a agarrar-nos a essa mão forte
que Deus nos estende sem cessar, com o fim de não perdermos o ponto de mira
sobrenatural; isto também quando as paixões se levantam e nos acometem para nos
aferrolharem no reduto mesquinho do nosso eu, ou quando - com pueril vaidade -
nos sentimos o centro do universo. Eu vivo persuadido de que, sem olhar para o
alto, sem Jesus, jamais conseguirei nada; e sei que a minha fortaleza, para me
vencer e para vencer, nasce de repetir aquele brado: tudo posso n'Aquele que me
conforta, que contém a segura promessa de Deus de não abandonar os seus filhos,
se os seus filhos não o abandonarem.
214
A miséria e o perdão
Tanto
se aproximou o senhor das criaturas, que todos guardamos no coração fome de
altura, ânsias de subir muito alto, de fazer o bem. Se agora renovo em ti essas
aspirações, é porque quero que te convenças da segurança que Ele pôs na tua
alma: se o deixares actuar, servirás - onde estás - como instrumento útil, com
uma eficácia insuspeitada. Para que não te afastes por cobardia da confiança
que Deus deposita em ti, evita a presunção de menosprezar ingenuamente as
dificuldades que aparecerão no teu caminho de cristão.
Não
temos de estranhar. Trazemos em nós mesmos - consequência da natureza decaída -
um princípio de oposição, de resistência à graça: são as feridas do pecado
original, agravadas pelos nossos pecados pessoais. Portanto, temos de
empreender as ascensões, as tarefas divinas e humanas - as de cada dia - que
sempre desembocam no Amor de Deus, com humildade, com coração contrito, fiados
na assistência divina e dedicando os nossos melhores esforços, como se tudo
dependesse de nós mesmos.
Enquanto
pelejamos - uma peleja que durará até à morte - não excluas a possibilidade de
que se levantem, violentos, os inimigos de fora e de dentro. E, como se fosse
pequeno o lastro, às vezes, acumular-se-ão na tua mente os erros cometidos,
talvez abundantes. Em nome de Deus te digo: não desesperes. Quando isso suceder
- não tem necessariamente que suceder, nem será o habitual - converte essa
ocasião num motivo para te unires mais com o Senhor; porque Ele, que te
escolheu como filho, não te abandonará. Permite a prova, para que ames mais e
descubras com mais clareza a sua contínua protecção, o seu Amor.
Insisto,
tem ânimo, porque Cristo, que nos perdoou na Cruz, continua a oferecer o seu
perdão no Sacramento da Penitência e sempre temos um advogado junto do Pai,
Jesus Cristo, o Justo. Ele mesmo é a vítima de propiciação pelos nossos
pecados, e não somente pelos nossos mas também pelos de todo o mundo, para que
alcancemos a Vitória.
Para
a frente, aconteça o que acontecer! Bem agarrado ao braço do Senhor, considera
que Deus não perde batalhas. Se, por qualquer motivo, te afastas d'Ele, reage
com a humildade de começar e de recomeçar; de fazer de filho pródigo todos os
dias, inclusive repetidamente nas vinte e quatro horas do dia; de reconciliar o
teu coração contrito na Confissão, verdadeiro milagre do Amor de Deus. Neste
Sacramento maravilhoso, o Senhor limpa a tua alma e inunda-te de alegria e de
força para não desanimares na tua luta e para voltares de novo sem cansaço a
Deus, mesmo quando tudo te pareça obscuro. Além disso, a Mãe de Deus, que é
também nossa Mãe, protege-te com a sua solicitude maternal e dá-te confiança no
teu caminhar.
215
Deus não se cansa de
perdoar
A
sagrada Escritura adverte que até o justo cai sete vezes. Sempre que leio estas
palavras, a minha alma estremece com um forte abalo de amor e de dor. Uma vez
mais, vem o Senhor ao nosso encontro, com essa advertência divina, para nos
falar da sua misericórdia, da sua ternura, da sua clemência, que nunca acabam.
Estai seguros: Deus não quer as nossas misérias, mas não as desconhece e conta
precisamente com essas debilidades para que nos façamos santos.
Um
abalo de amor, dizia-vos. Considero a minha vida e, com sinceridade, vejo que
não sou nada, que não valho nada, que não tenho nada, que não posso nada; mais:
que sou o nada! Mas Ele é o tudo e, ao mesmo tempo, é meu, e eu sou d'Ele,
porque não me repele, porque se entregou por mim. Contemplastes amor maior?
E
um abalo de dor, pois examino a minha conduta e assombro-me perante o conjunto
das minhas negligências. Basta-me examinar as poucas horas decorridas desde que
me levantei hoje, para descobrir tanta falta de amor, de correspondência fiel.
Penaliza-me deveras este meu comportamento, mas não me tira a paz. Prostro-me
diante de Deus e exponho-lhe claramente a minha situação. Logo tenho a
segurança da sua assistência e oiço no fundo do meu coração o que ele me repete
devagar: meus es tu!. Sabia - e sei - como és; para a frente!
Não
pode ser de outra maneira. Se acorrermos continuamente a pôr-nos na presença do
Senhor, aumentará a nossa confiança, ao comprovarmos que o seu Amor e o seu
chamamento permanecem actuais: Deus não se cansa de nos amar. A esperança
demonstra-nos que, sem Ele, não conseguimos realizar nem o mais pequeno dever;
e com ele, com a sua graça, cicatrizarão as nossas feridas; revestir-nos-emos
da sua fortaleza para resistir aos ataques do inimigo e melhoraremos. Em
resumo: a consciência de que somos feitos de barro ordinário há-de servir-nos,
sobretudo, para afirmarmos a nossa esperança em Cristo Jesus.
(cont)
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