Evangelho:
Lc 8, 16-18
16 «Ninguém, pois,
acendendo uma lâmpada a cobre com um vaso ou a põe debaixo da cama, mas põe-na
sobre um candeeiro, para que os que entram vejam a luz. 17 Porque
nada há oculto que não acabe por ser manifestado, nem escondido que não deva
saber-se e tornar-se público. 18 Vede, pois, como ouvis. Porque
àquele que tem, lhe será dado; e ao que não tem, ainda aquilo mesmo que julga
ter, lhe será tirado».
Comentário:
Quem são estes que “julgam ter” a que o Senhor Se refere?
Pois são todos os que se julgam
possuidores de Fé suficiente e bastante para se considerarem dispensados de a
cultivarem com o estudo aprofundado da Doutrina, de alimentá-la com os
Sacramentos, de, inclusive, pedir, ao Senhor, com insistente perseverança que a
guarde e aumente. O aviso que Jesus Cristo faz é para ser levado muito a sério:
«Vede, pois, como ouvis»!
Como se dissesse: ‘Detém-te, presta
atenção, guarda o que ouves, entende o que te digo’!
(ama, comentário sobre Lc 8, 16-18, V.
Moura, 2013.09.23)
Leitura espiritual
Documentos do Magistério
Sermão do Espírito Santo
Padre António Vieira
VII
E
para que ninguém falte a esta obrigação e a este cuidado, só vos quero lembrar
o grande serviço que fareis a Deus, se o fizerdes, e a grande conta que Deus
vos há-de pedir, se vos descuidardes. É passo, de que me lembro e tremo muitas
vezes, o que agora vos direi. Estavam os apóstolos no Monte Olivete em o dia da
Ascensão, com os olhos pregados no céu e com os corações dentro nele, porque já
se lhes escondera da vista o Mestre e o Senhor, que em si e após si lhos
levara. Estavam enlevados, estavam suspensos, estavam arrebatados, e quase não
em si de amor, de admiração, de glória, de júbilos, de saudades; eis que
aparecem dois anjos e lhes dizem estas palavras: Viri Galilaei, quid statis
aspicientes in caelum? Hic Jesus, qui assumptus est a vobis in caelum, sic
veniet: Varões galileus, que fazeis aqui olhando para o céu? Este mesmo Senhor
que agora se apartou de vós, há de vir outra vez, porque há de vir a julgar. —
Notáveis palavras por certo, e ditas a tais pessoas, em tal lugar e em tal
ocasião! De maneira que estranham os anjos aos apóstolos estarem no Monte
Olivete olhando para o céu de saudades de Cristo, e para os obrigarem a que se
vão logo dali — como se foram — os ameaçam com o dia do Juízo e com a lembrança
da conta? Pois, estar em um monte apartado das gentes, estar com os olhos
postos no céu, estar arrebatado na contemplação da glória, estar enlevado no
amor e saudades de Cristo, é coisa digna de se estranhar e de a estranharem os
anjos? Em tal caso, sim, porque se em todos os homens é digno de estranhar não
deixarem o mal pelo bem, nos apóstolos era digno de estranhar não deixarem o
bem pelo melhor. O ofício e obrigação dos apóstolos era pregar a fé e salvar
almas; a ordem que Cristo lhes tinha dado era que se recolhessem a Jerusalém a
preparar-se para a pregação com os dons do Espírito Santo, que lhes mandaria, e
deixar o Monte Olivete pelo Cenáculo, deixar a contemplação pela escola das
línguas, deixar de olhar para o céu para acudir às cegueiras da terra, deixar,
enfim, as saudades de Cristo pela saúde de Cristo, não era deixar o bem, senão
melhorá-lo, porque era trocar um bem grande por outro maior: era deixar um serviço
de Deus por outro maior serviço, uma vontade de Deus por outra maior vontade,
uma glória de Deus por outra maior glória. O contemplar em Deus é obra divina,
mas o levar almas para Deus é obra diviníssima.
Assim
lhe chamou S. Dionísio Areopagita: Opus Dei divinissimum. E a obrigação dos
apóstolos e varões apostólicos não é só buscar o divino, senão o mais divino: é
deixar o mundo pelo diviníssimo.
Por
isso lhes estranham os anjos o estarem parados no monte, e com os olhos
suspensos no céu; por isso lhes dizem: Quid statis? Que estais aqui fazendo? —
como se o que faziam nenhuma comparação tivera com o que haviam de fazer. O que
faziam e o que os ocupava eram contemplações, admirações, êxtases,
arrebatamentos; o que haviam de fazer, e o em que se haviam de ocupar, era
pregar, ensinar, doutrinar, batizar, converter almas, e tudo aquilo em comparação
disto, no juízo dos anjos, que melhor que nós o entendem, que é? Um quid, uma
coisa que se pode duvidar se é alguma coisa, um muito menos do que devera ser,
um estar parados, um não ir por diante: Quid statis? Vede, vede vós e vós — com
todos e com todas falo — quão grande serviço fazeis a Deus, quando ensinais os
vossos escravos, quando para isso aprendeis as línguas, quando escreveis e
estudais o catecismo, quando buscais o intérprete ou o mestre, e quando,
talvez, só para este fim o pagais e o sustentais. Oh! ditoso dispêndio! Oh!
ditoso estudo! Oh! ditoso trabalho! Oh! ditoso merecimento, e sem igual diante
de Deus! Em suma, cristãos, que é maior bem e maior serviço de Deus, e maior
glória sua estar ensinando um negrinho da terra, que se estivéreis enlevados e
arrebatados no céu: Quid statis aspicientes in caelum?
E
se é tão grande o serviço que fazem a Deus os que têm este cuidado, os que o
não têm, os que tão descuidados e esquecidos vivem da doutrina, da cristandade
e da salvação de seus escravos, que rigorosa, que estreita e que estreitíssima
conta vos parece que lhes pedirá Deus? Ameaçam os anjos aos apóstolos com o dia
do Juízo, e reparam-lhes em momentos do Monte Olivete. Por quê? Porque eram
homens que tinham à sua conta almas alheias, e quem tem almas alheias à sua
conta, até de um momento que não cuidar muito delas há de dar muito estreita
conta a Deus. Oh! que terrível conta há de pedir Deus no dia do Juízo a todos
os que vivemos neste Estado, porque todos temos almas à nossa conta! Os
pregadores todas, os pastores as das suas igrejas, os leigos as das suas
famílias. Se é tão dificultoso dar boa conta de uma só alma, que será de
tantas? S. Jerônimo, sobre tanto deserto, sobre tantas penitências, sobre
tantos trabalhos em serviço de Deus e da Igreja, estava sempre tremendo da
trombeta do dia do Juízo, pela conta que havia de dar da sua alma. A alma de
Santo Hilarião Abade, depois de oitenta anos de vida eremítica, e de tantas e
tão insignes vitórias contra o demônio, tremia tanto da conta, que não se
atrevia a sair do corpo, estando o santo para expirar, e foi necessário que ele
a animasse.
Pois,
se os Jerónimos, se os Hilariões, se as maiores colunas da Igreja temem de dar
conta de uma alma depois de vidas tão santas, vós, depois das vossas vidas, que
é certo não foram tão ajustadas com a lei de Deus como as suas, que conta
esperais dar a Deus, não de uma, senão de tantas almas? Uns de cinqüenta almas,
outros de cem almas, outros de duzentas almas, outros de trezentas, outros de
quatrocentas, e alguns de mil. Muitos há que tendes hoje poucas, mas naquele
dia haveis de ter muitas, porque todas as que morreram para o serviço, hão de
ressuscitar para a conta. As que tivestes, as que tendes, as que haveis de ter,
todas naquele dia hão de aparecer juntas diante do divino tribunal a dar conta
cada uma de si, e vós de todas. Certo que eu antes quisera dar conta pela sua
parte que pela vossa. O escravo escusar-se-á com o seu senhor; mas o senhor,
com quem se há de escusar? O escravo poder-se-á escusar com o seu pouco
entendimento, com a sua ignorância; mas o senhor, com que se escusará? Com a
sua muita cobiça? Com a sua muita cegueira? Com faltar à piedade? Com faltar à
humanidade? Com faltar à cristandade? Com faltar à fé? Oh! Deus justo! Oh! Deus
misericordioso, que nem em vossa justiça, nem em vossa misericórdia acho
caminho para saírem estas almas de tão intrincado labirinto! Se a justiça divina
acha por onde condenar um gentio, porque não foi batizado, como achará a
misericórdia divina por onde salvar um cristão, que foi causa de ele se não baptizar?
Oh!
que justiças pedirão sobre vós naquele dia tantas infelizes almas, de cuja
infelicidade eterna vós fostes causa! Abel pedia justiça a Deus, e salvou-se
Abel, e está no céu. Se Abel, se um irmão pede justiça a Deus sobre o irmão que
lhe tirou a vida temporal, um escravo, e tantos escravos, que justiça pedirão a
Deus sobre o senhor que lhes tirou a vida eterna? Se Abel, se uma alma que se
salvou, e que está hoje vendo a Deus, pede justiça, uma alma, e tantas almas,
que se condenaram e estão ardendo no inferno, e estarão por toda a eternidade,
que justiças pedirão, que justiças clamarão, que justiças bradarão no céu, à
terra, ao inferno, aos homens, aos demônios, aos anjos, a Deus? Oh! que
espetáculo tão triste e tão horrendo será naquele dia ver a um português destas
conquistas — e muito mais aos maiores e mais poderosos — cercado de tanta
multidão de índios, uns livres, outros escravos, uns bem, outros mal cativos,
uns gentios, outros com nome de cristãos, todos condenados ao inferno, todos
ardendo em fogo, e todos pedindo justiça a Deus sobre aquele desventurado
homem, que neste mundo se chamou seu senhor?
Ai
de mim, dirá um, que me condenei por não ser baptizado! Justiça sobre meu
ingrato senhor, que me não pagou o serviço de tantos anos, nem com o que tão
pouco lhe custava, como a água do batismo! Ai de mim, dirá outro, que me
condenei por não conhecer a Deus, nem saber os mistérios da fé! Justiça sobre
meu infiel senhor que, mandando-me ensinar tudo o que importava a seu serviço,
só do necessário à minha salvação nunca teve cuidado! Ai de mim, dirá outro,
que me condenei por passar toda a vida torpemente amigado contra a lei de Deus!
Justiça sobre meu desumano senhor, que por suas conveniências particulares me
consentiu o pecado, e não quis consentir o matrimónio! Ai de mim, dirá outro,
que me condenei por não me confessar nas quaresmas, ou não me confessar a quem
me entendesse e me encaminhasse! Justiça sobre meu avarento senhor, que por não
perder dois dias de serviço, me não quis dar nem o tempo, nem o lugar, nem o
confessor que minha alma havia mister!
Ai
de mim, dirá finalmente o outro, que me condenei por morrer sem sacerdote nem
sacramento!
Justiça
sobre meu tirano senhor, que por me não chamar o remédio, ou não me mandar
levar a ele, me deixou morrer como um bruto! Cão me chamava sempre na vida, e
como um cão me tratou na morte.
Isto
dirá cada um daqueles miseráveis escravos ao supremo juiz, Cristo. E todos
juntos bradarão a seu sangue — de que por vossa culpa se não aproveitaram —
justiça, justiça, justiça. — Oh! como é sem dúvida que naquele dia conhecereis
quem vos dizia e pregava a verdade! Oh! como é sem dúvida que naquele dia do
Juízo haveis de mudar de juízo e de juízos! Hoje tendes por ditosos os que têm
muitos escravos, e por menos venturosos os que têm poucos: naquele dia os que
tiveram muitos escravos serão desventurados, e os que tiveram poucos serão os
ditosos, e mais ditoso o que não teve nenhum.
Tende-os,
cristãos, e tende muitos, mas tende-os de modo que eles ajudem a levar a vossa
alma ao céu, e vós as suas. Isto é o que vos desejo, isto é o que vos
aconselho, isto é o que vos procuro, isto é o que vos peço por amor de Deus e
por amor de vós, e o que quisera que leváreis deste sermão metido na alma.
O
Espírito Santo, que hoje desceu sobre os apóstolos, e os ensinou para que eles
ensinassem ao mundo, desça sobre todos vós, e vos ensine a querer ensinar, ou
deixar ensinar, aquele a quem deveis a doutrina, para que ele por vós, e vós
com ele, conseguindo nesta vida — que tão cara vos custa — a graça, mereçais
gozar na outra, com grandes aumentos, a glória.
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