25/08/2014

Tratado da Graça 05

Art. 5 — Se o homem sem a graça pode merecer a vida eterna.

(Infra, q. 114, a. 2, II Sent., dust. XXVIII, a. 1, dist. XXIX, a. 1, III Cont. Gent., cap. CXLVII, De Verit., q. 24, a. 1, ad 2, a. 14, Quold. I, q. 4, a. 2).

O quinto discute-se assim. — Parece que sem a graça o homem pode merecer a vida eterna.

1. — Pois, diz o Senhor (Mt 19, 17): Se tu queres entrar na vida, guarda os mandamentos. Por onde se vê que depende da vontade humana entrar na vida eterna. Ora, o que depende da nossa vontade podemos faze-lo por nós mesmos. Logo, o homem pode, por si mesmo, merecer a vida eterna.

2. Demais. — A vida eterna é um galardão ou prémio, que Deus dá aos homens, conforme a Escritura (Mt 5, 12): o vosso galardão está nos céus. Ora, Deus dá o galardão ou o prémio ao homem, segundo as suas obras, no dizer da Escritura (Sl 61, 12): Tu retribuirás a cada um segundo as suas obras. Logo, sendo o homem senhor dos seus atos, foi deixado ao seu poder entrar na vida eterna.

3. Demais. — A vida eterna é o fim último da vida humana. Ora, todos os seres da natureza podem, pelas suas faculdades naturais, conseguir o seu fim. Logo, com maior razão, o homem, de natureza mais elevada, pode chegar à vida eterna pelas suas faculdades naturais, sem o auxílio da graça.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Rm 6, 23): A graça de Deus é a vida eterna. O que foi dito, explica a Glosa nesse lugar, para entendermos, que Deus nos conduz, pela sua misericórdia, à vida eterna.

Os actos conducentes ao fim devem ser proporcionados a este. Ora, nenhum acto excede à proporção do princípio activo. Por isso, vemos que nenhum ser natural pode produzir, pela sua operação própria, um efeito que lhe exceda a virtude activa, senão só o que lhe for proporcionado à virtude. Ora, a vida eterna é um fim desproporcionado à natureza humana, como do sobredito resulta (q. 5, a. 5). Donde, o homem, pelas suas faculdades naturais, não pode praticar obras meritórias proporcionadas à vida eterna, para isso é necessária uma virtude mais alta, que é a virtude da graça. Portanto, sem esta, ele não pode alcançar a vida eterna. Pode, porém, praticar certas obras conducentes a determinados bens que lhe sejam conaturais, como, trabalhar no campo, beber, comer, ter amigos e outros semelhantes, como diz Agostinho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O homem, pela sua vontade, pode fazer obras meritórias para a vida eterna. Mas, como diz Agostinho, no mesmo livro, para isso é necessário que a vontade lhe seja preparada pela graça de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Ao lugar do Apóstolo — a graça de Deus é a vida eterna — diz a Glosa: É certo que a vida eterna é dada em retribuição das boas obras, mas estas mesmas já procedem da graça de Deus. Pois, como também já dissemos (a. 4), para cumprir os mandamentos de Deus, como devemos e meritoriamente, é necessária a graça.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A objecção colhe quanto ao fim conatural do homem. Pois, a natureza humana, por isso mesmo que é mais nobre, pode atingir um fim mais elevado, ao menos com o auxílio da graça, o qual de nenhum modo podem alcançar os seres de natureza inferior. Assim, tem melhor disposição para a saúde quem pode alcançá-la, com o auxílio de certos remédios, do que quem de nenhum modo o pode, como diz o Filósofo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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