28/07/2014

Tratado da lei 67

Questão 103: Da duração dos preceitos cerimoniais.


Em seguida devemos tratar da duração dos preceitos cerimoniais.
E nesta questão discutem-se quatro artigos: 

Art. 1 — Se a cerimónias da lei existiram antes dela.
Art. 2 — Se as cerimónias da lei antiga tinham a virtude de justificar no tempo dessa lei.
Art. 3 — Se as cerimónias da lei antiga cessaram com o advento de Cristo.
Art. 4 — Se depois da paixão de Cristo, se podem observar as cerimónias legais, sem pecado mortal.

Art. 1 — Se a cerimónias da lei existiram antes dela.

(III, q. 60, a. 5, ad3; q. 61, a. 3 ad2; q. 70, a. 2, ad 1; IV Sent., dist. 1, q. 1, a. 2, qª 3, ad2; q. 2, a 6, qª 3; Ad Hebr., cap. VII, lect I).

O primeiro discute-se assim. — Parece que as cerimónias da lei existiram antes dela.

1. — Pois, os sacrifícios e os holocaustos pertenciam às cerimónias da lei antiga, como já se disse (q. 101, a. 4). Ora, uns e outros existiram antes dela. Assim, diz a Escritura (Gn 4, 3-40, que Caim ofereceu ao Senhor os seus dons dos frutos da terra; Abel também ofereceu das primícias do seu rebanho e das suas gorduras. Noé também ofereceu holocaustos ao Senhor (Gn 18, 20). Abraão, do mesmo modo (Gn 22, 13). Logo, as cerimónias da lei antiga existiram antes dela.

2. Demais. — Entre as cerimónias concernentes às coisas sagradas estava construir e untar o altar. Ora, isto fazia-se antes da lei, como se lê na Escritura (Gn 13, 18): Abraão edificou um altar ao Senhor; e diz de Jacob (Gn 28, 18): tirou a pedra e a erigiu em padrão, derramando óleo sobre ela. Logo, as cerimónias legais existiram antes da lei.

3. Demais. — Entre os sacramentos legais era considerado como o primeiro a circuncisão. Ora, esta existia antes da lei, como se lê na Escritura (Gn 17). Também o sacerdócio existia antes da lei; pois, diz a Escritura (Gn 14, 18), que Melquisedeque era Sacerdote do Deus altíssimo. Logo, as cerimónias dos sacramentos existiram antes da lei.

4. Demais. — A discriminação entre animais limpos e imundos pertencia às cerimónias das observâncias, como se disse (q. 100, a. 2, a. 6 ad 1). Ora, essa discriminação já existia antes da lei, como se vê na Escritura (Gn 7, 2-3): Toma de todos os animais limpos sete machos e sete fêmeas; e dos animais imundos dois machos e duas fêmeas. Logo, as cerimónias legais existiram antes da lei.

Mas, em contrário, a Escritura (Dt 6, 1): Estes são os preceitos e as cerimónias que o Senhor nosso Deus me mandou que vos ensinasse. Ora, os judeus não precisavam ser ensinados sobre elas, se tais cerimónias já tivessem existido antes. Logo, as cerimónias da lei não existiram antes dela.

Como já dissemos (q. 101, a. 2; q. 102, a. 2), as cerimónias da lei ordenavam-se a dois fins: o culto de Deus e a figuração de Cristo. Ora, quem adora a Deus há de necessariamente fazê-lo por determinados meios, constitutivos do culto externo. E determinar o culto divino pertencia às cerimónias; assim como pertence aos preceitos judiciais determinar as disposições que nos ordenam ao próximo, como já dissemos (q. 99, a. 4). Donde, assim como entre os homens havia geralmente alguns preceitos judiciais, sem contudo serem instituídos por autoridade da lei divina, mas ordenados pela razão deles, assim também havia certas cerimónias, não certamente, determinadas pela autoridade de alguma lei, mas só pela vontade e devoção dos que adoravam a Deus. — Ora, ainda antes da lei, existiram alguns homens notáveis, dotados de espírito profético. Donde é de crer que, por instinto divino e como por uma lei privada, fossem levados a algum modo certo de adorar a Deus, conveniente ao culto interior e também próprio a significar os mistérios de Cristo, que também eram figurados por outros actos deles, conforme a Escritura (1 Cor 10, 11): Todas estas coisas lhes aconteciam a eles em figura. — Existiram, logo, antes da lei, certas cerimónias; não porém as da lei, porque não eram instituídas por nenhuma disposição legal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Essas oblações e sacrifícios e holocaustos os antigos ofereciam-nos por uma certa devoção da vontade própria, por lhes parecer conveniente. Para que, pelas coisas recebidas de Deus e pelas que ofereciam em reverência divina, se afirmassem como adoradores de Deus, princípio e fim de todas as coisas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — E também instituíram algumas coisas como sagradas; pois lhes parecia conveniente, em reverência de Deus havere alguns lugares, distintos dos outros, destinados ao culto divino.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O sacramento da circuncisão foi estabelecido por preceito divino, antes da lei. Por isso não se pode chamar sacramento da lei, como se fosse por ela instituído, mas só como observado no seu regime. E foi isto o que disse o Senhor (Jo 7, 20): a circuncisão não vem do Senhor, mas dos patriarcas. Também o sacerdócio existia antes da lei, entre os que adoravam a Deus, por determinação humana, e que atribuíam essa dignidade aos primogénitos.

RESPOSTA À QUARTA. — A discriminação entre animais limpos e imundos, para o efeito de serem comidos, não era anterior à lei, pois a Escritura diz (Gn 9, 3): Tudo o que se move e vive vos poderá servir de sustento. Mas só para o efeito da oblação dos sacrifícios, porque os ofereciam de alguns animais determinados. Se porém havia certas discriminações de animais, para o fim da alimentação, isto não era por se reputar ilícito o comê-los, pois nenhuma lei o proibia; mas por causa da abominação ou do costume. Assim como ainda agora vemos serem alguns alimentos abomináveis em algumas terras, comidos em outras.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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