19/07/2014

Tratado da lei 58

Questão 101: Dos preceitos cerimoniais em si mesmos.

Art. 2 — Se os preceitos cerimoniais são figurativos.

(Infra, q. 103, a. 1, 3; q. 104, a. 2).

O segundo discute-se assim. — Parece que os preceitos morais não são figurativos.

1. — Pois, é da obrigação de quem quer que ensine exprimir-se de modo a ser facilmente entendido, como diz Agostinho. E isto é sobretudo necessário na legislação, porque os preceitos da lei são propostos ao povo. Por isso ela deve ser clara, como diz Isidoro. Se portanto, os preceitos foram dados como figurativos de alguma coisa, parece que foram transmitidos inconvenientemente a Moisés, sem manifestarem o que figuravam.

2. Demais. — Todos os actos do culto divino devem revestir-se da máxima dignidade. Ora, fazer uma coisa para representar outra parece ser próprio do teatro ou da poesia. Pois, antigamente, nos teatros, faziam-se umas coisas para representarem feitos de outrem. Logo, conclui-se que tal não se deve fazer no culto de Deus, como já se disse. Logo, os preceitos cerimoniais não devem ser figurados.

3. Demais. — Agostinho diz, que Deus é cultuado sobretudo pela fé, pela esperança e pela caridade: Ora, os preceitos relativos à fé, à esperança e a caridade não são figurativos. Logo, os preceitos cerimoniais não devem ser figurativos.

4. — Demais. — O Senhor diz (Jo 4, 24): Deus é espírito, e em espírito e verdade é que o devem adorar os que o adoram. Ora, a figura não é a própria verdade; antes, uma divide-se da outra por oposição. Logo, os preceitos cerimoniais, pertencentes ao culto de Deus, não devem ser figurativos.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Cl 2, 16-17): Ninguém vos julgue pelo comer nem pelo beber, nem por causa dos dias de festa, ou das luas novas, ou dos Sábados, que são sombras das coisas vindouras.

Como já dissemos (a. 1; q. 99, a. 3), os ordenados ao culto chamam-se preceitos cerimoniais. Ora, o culto de Deus é duplo — o interno e o externo. Pois, sendo o homem composto de corpo e alma, esta e aquele devem aplicar-se ao culto de Deus, de modo que a alma o cultue com culto interno, e o corpo, com o externo. Por isso, diz a Escritura (Sl 83, 3): O meu coração e a minha alma se regozijaram no Deus vivo. E assim como o corpo se ordena a Deus, pela alma, assim, o culto externo, ao interno. Ora, o culto interno consiste em a alma unir-se com Deus pelo intelecto e pelo afecto. Donde, segundo os modos diversos porque o intelecto e o afecto, de quem cultua a Deus, se une rectamente com ele, assim os modos diversos por que os actos externos do homem se aplicam ao culto de Deus.

Ora, no estado da felicidade futura, o intelecto humano contemplará a verdade divina em si mesma. Donde, o culto externo não consistirá em nenhuma figura, mas só em louvor a Deus, o que procede do conhecimento interior e do afecto, conforme a Escritura (Is 51, 3): Nela se achará o gosto e a alegria, acção de graças e voz de louvor.

Ao contrário, no estado da vida presente, não podemos contemplar a divina verdade em si mesma, mas é necessário que o seu raio nos ilumine, sob certas figuras sensíveis, como diz Dionísio; mas, diversamente, conforme os estados diversos do conhecimento humano. — Ora, na lei antiga, nem a verdade divina era em si mesma clara, nem estava ainda preparada a via para chegar a ela, como diz o Apóstolo (Heb 9, 8). Por isso era necessário que o culto externo da lei antiga fosse figurativo, não só da verdade futura, que deverá manifestar-se na pátria celeste, mas também de Cristo, via conducente a essa verdade celeste. — No estado da lei nova, ao contrário, essa via já foi revelada. Por isso não precisa de ser prefigurada como futura, mas deve ser comemorada a modo de passada ou presente; devendo-se prefigurar só a verdade futura da glória ainda não revelada. E isto diz o Apóstolo (Heb 11, 1): a lei tem a sombra dos bens futuros, não a mesma imagem das coisas. Pois, a sombra é menos que a imagem: ao passo que esta pertence à lei nova, aquela pertence à antiga.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — As verdades divinas não devem ser reveladas aos homens, senão de acordo com a sua capacidade; do contrário dar-se-lhes-ia ocasião de caírem, por desprezarem o que não podiam entender. Por isso foi mais útil os mistérios divinos terem sido transmitidos ao povo rude sob o véu de figuras; de modo que os conhecessem implicitamente ao menos, servindo a essas figuras, em honra de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como as criações poéticas não são compreendidas pela razão humana, por causa da deficiência de verdade que encerram, assim também a razão humana não pode compreender perfeitamente as coisas divinas, por encerrarem verdades que a excedem. Por isso, em um e outro caso, é necessária a representação por meio de figuras sensíveis.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Agostinho refere-se, no lugar aduzido, ao culto interno, ao qual contudo é preciso ordenar o externo, como dissemos.

E semelhantemente deve-se RESPONDER À QUARTA OBJECÇÃO. — Porque, por Cristo, os homens foram introduzidos, mais plenamente, no culto espiritual de Deus.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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