07/07/2014

Tratado da lei 46

Questão 100: Dos preceitos morais da lei antiga.

Art. 2 — Se os preceitos morais da lei abrangem todos os actos virtuosos.

(IIª-IIae, q. CXL., a. 2).

O segundo discute-se assim. — Parece que os preceitos morais da lei não abrangem todos os actos virtuosos.

1. — Pois, à observância dos preceitos da lei antiga se chama justificação, conforme a Escritura (Sl 118, 8): observarei as tuas justificações. Ora, a justificação é a execução da justiça. Logo, os preceitos morais não abrangem senão os actos de justiça.

2. Demais. — O que cai sob a alçada de um preceito tem natureza de obrigação. Ora, a noção de obrigação não inclui as demais virtudes, senão só a justiça, cujo acto próprio é dar a cada um o que lhe é devido. Logo, os preceitos da lei moral não abrangem os actos das outras virtudes, mas só os da justiça.

3. Demais. — Toda lei é estabelecida para o bem comum, como diz Isidoro. Ora, dentre as virtudes, só a justiça visa o bem comum, conforme diz o Filósofo. Logo, os preceitos morais abrangem só os actos de justiça.

Mas, em contrário, diz Ambrósio: o pecado é a transgressão da lei divina e a desobediência aos mandamentos celestes. Ora, os pecados contrariam todos os actos virtuosos. Logo, a lei divina deve ordenar sobre os actos de todas as virtudes.

Ordenando-se os preceitos da lei para o bem comum, como já se disse (q. 90, a. 2), eles hão-de forçosamente diversificar-se conforme as diversas maneiras de ser da comunidade. Por isso, o Filósofo ensina, que umas serão as leis estabelecidas para a cidade governada por um rei, e outras as estabelecidas para a que é governada pelo povo ou pelos mais poderosos, dos habitantes dela. Ora, um é o feitio da comunidade, para que se ordena a lei humana, e outro, para que se ordena a lei divina. — Pois, a lei humana ordena-se à comunidade civil, a constituída pelos homens entre si; e estes se ordenam uns para os outros pelos seus actos exteriores, com que se entre comunicam. E essa comunicação pertence essencialmente à justiça, que é propriamente directiva da comunidade humana. Donde, a lei humana só propõe preceitos referentes aos actos de justiça; e se ordenar outros actos de virtude, não será senão enquanto se revestem da essência da justiça, como está claro no Filósofo.

A comunidade porém, a que se ordena a lei divina, é a dos homens enquanto tendem para Deus, na vida presente ou na futura. Por isso, essa lei propõe preceitos sobre todos os actos pelos quais os homens bem se ordenam à comunicação com Deus. Ora, o homem se une a Deus pela razão, ou espírito, que reproduz a imagem d’Ele. Donde, a lei divina propõe preceitos sobre todos os actos pelos quais a razão do homem fica bem ordenada. Ora, isto dá-se pelos actos de todas as virtudes. Assim, as virtudes intelectuais ordenam com acerto os actos da razão em si mesmos; as morais, por seu lado, impõem ordem aos actos da razão relativamente às paixões internas e as obras externas. Donde é manifesto, que a lei divina propõe convenientemente preceitos sobre os actos de todas as virtudes. De modo porém que alguns actos, sem os quais a ordem da virtude, que é a da razão, não pode ser observada, são impostos pela obrigação de preceitos; e outros, relativos à existência completa da virtude perfeita, pertencem à advertência do conselho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O cumprir os mandamentos da lei, mesmo os que pertencem aos actos das outras virtudes, implica a ideia de justificação. Enquanto é justo o homem obedecer a Deus; ou ainda enquanto é justo que todo o humano esteja sujeito à razão.

DONDE A RESPOSTA À SEGUNDA. — A justiça propriamente dita implica a dívida de um homem para com outro; ao passo que todas as outras virtudes implicam o débito das faculdades inferiores para com as superiores. E, conforme a natureza desse débito, o Filósofo distingue uma certa justiça metafórica.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A resposta deduz-se clara do que dissemos sobre as diversas comunidades.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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