Evangelho:
Mt 13, 44-46
44 «O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro
escondido num campo que, quando um homem o acha, esconde-o e, cheio de alegria
pelo achado, vai e vende tudo o que tem e compra aquele campo. 45 O
Reino dos Céus é também semelhante a um negociante que busca pérolas preciosas 46
e, tendo encontrado uma de grande preço, vai, vende tudo o que tem e a compra.
Comentário:
Todo
o ser humano passa a sua vida à procura de algo. Faz parte da sua “condição
humana”, essa busca permanente que, muitas vezes, não tem bem definida, mas da
qual guarda, pelo menos, um esboço geral. Algo que mude a sua vida, a faça
progredir, lhe dê a estabilidade e segurança necessárias para alcançar o que
tem como objectivo.
O
objectivo de todo o cristão é alcançar a herança a que, como filho de Deus, tem
o direito de aspirar e, sendo assim, o seu “tesouro”, isso que deseja e
procura, está exactamente na sua própria vida, a forma como a leva, o que pensa
e o que faz.
Ou
seja, cumprir, em tudo, a Vontade de Deus.
(AMA, comentário sobre Mt
13, 44-46, 2013.07.31)
Leitura espiritual
Documentos do Magistério
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
CARTA AOS BISPOS DA IGREJA CATÓLICA ACERCA
DE ALGUNS ASPECTOS DA MEDITAÇÃO CRISTÃ
…/3
V.
QUESTÕES DE MÉTODO 2
22. O cristão orante pode
finalmente chegar, se Deus o quer, a uma experiência particular de união. Os
sacramentos, sobretudo o Baptismo e a Eucaristia, 26 constituem o
início objectivo da união do cristão com Deus. Por intermédio duma especial
graça do Espírito, o orante pode ser chamado, sobre este fundamento, àquele
tipo peculiar de união com Deus que, no ambiente cristão, é qualificado como
mística.
23. O cristão precisa
certamente de determinados tempos de retiro na solidão, para se recolher e
reencontrar o seu caminho junto de Deus. Mas, dado o seu carácter de criatura,
e de criatura que sabe que toda a sua segurança está na graça, o seu modo de
aproximar-se de Deus não se funda numa técnica, no sentido estrito da palavra.
Tal facto contradiria o espírito de infância exigido pelo Evangelho. A mística
cristã autêntica não tem nada a ver com a técnica: é sempre um dom de Deus, do
qual se sente indigno quem dele beneficia. 27
24. Há determinadas graças
místicas, conferidas, por exemplo, aos fundadores de instituições eclesiais em
favor de toda a fundação, e também a outros santos, as quais graças
caracterizam a sua peculiar experiência de oração e não podem, como tais, ser
objecto de imitação e da aspiração por parte doutros fiéis, mesmo pertencentes
àquela instituição, e desejosos duma oração sempre mais perfeita. 28
Podem existir diversos níveis e diversas modalidades de participação da
experiência de oração dum fundador, sem que a todos deva ser conferida a mesma
forma. Aliás a experiência de oração que ocupa um lugar privilegiado em todas
as instituições autenticamente eclesiais antigas e modernas, é sempre, em
última análise, algo de pessoal. E é à pessoa que Deus dá as suas graças em
vista da oração.
25. A propósito da
mística, deve-se distinguir entre os dons do Espírito Santo e os carismas
concedidos, de modo totalmente livre, por parte de Deus. Os primeiros são uma
realidade que cada cristão pode reavivar em si, mediante uma vida zelante de
fé, de esperança e de caridade, para poder assim, através duma séria ascese,
chegar a uma certa experiência de Deus e dos conteúdos da fé. Quanto aos carismas,
S. Paulo afirma que são outorgados sobretudo em favor da Igreja, dos outros
membros do Corpo místico de Cristo (cfr. 1 Cor. 12, 7). A tal propósito,
deve-se recordar, seja que os carismas não podem ser identificados com dons
extraordinários («místicos») (cfr. Rm. 12, 3-21), seja que a distinção entre os
« dons do Espírito Santo » e os « carismas » pode ser bastante fluida. É certo
que um carisma fecundo para a Igreja, não pode ser exercitado, no âmbito do
Novo Testamento, sem um determinado grau de perfeição pessoal. Doutro lado, é
certo que todo o cristão «vivo» possui uma tarefa peculiar (e neste sentido um
«carisma») «para a edificação do Corpo de Cristo» (cfr. Ef. 4, 15-16),(29) em
comunhão com a Hierarquia, à qual «compete de modo especial não extinguir o
Espírito mas julgar tudo e conservar o que é bom» (Lumen gentium, n. 12).
VI.
MÉTODOS PSICO-FÍSICOS-CORPÓREOS
26. A experiência humana
demonstra que a posição e a atitude do corpo não são sem influência no
recolhimento e na disposição do espírito. É um facto ao qual têm prestado
atenção alguns escritores espirituais do Oriente e do Ocidente cristãos. As
suas reflexões, embora apresentando pontos de contacto com os métodos orientais
não cristãos de meditação, evitam todavia aqueles exageros ou posições
unilaterais que, pelo contrário, são hoje frequentemente propostas a pessoas
não suficientemente preparadas.
Tais autores espirituais
adoptaram os elementos que facilitam o recolhimento na oração,
reconhecendo-lhes assim um valor relativo: trata-se de métodos úteis, se
retocados em vista do fim da oração cristã. 30 Por exemplo: o jejum
possui, no cristianismo, sobretudo o significado dum exercício de penitência e
de sacrifício; mas já para os Padres era também orientado a tornar o homem mais
disponível para o encontro com Deus, e o cristão mais capaz do domínio de si
próprio e ao mesmo tempo mais atento aos irmãos necessitados.
Na oração é o homem todo
que deve entrar em relação com Deus; por isso, também o seu corpo deve assumir
a posição mais apta para o recolhimento. 31 Tal posição pode
exprimir simbolicamente a oração mesma, variando de acordo com as culturas e a
sensibilidade pessoal. Em certas áreas, os cristãos, hoje, estão a adquirir uma
maior consciência de quanto a atitude do corpo possa favorecer a oração.
27. A meditação cristã do
Oriente 32 valorizou o simbolismo psico-físico, frequentemente
ausente na oração do Ocidente. Tal simbolismo pode ir duma determinada atitude
corpórea até às funções vitais fundamentais, como a respiração e o pulsar do
coração. O exercício da «oração de Jesus», por exemplo, adaptando-se ao ritmo
respiratório natural, — pelo menos por um certo tempo — pode ser útil para
muitos. 33 Por outro lado, os próprios mestres orientais verificaram
também que não todos são igualmente idóneos para recorrer ao uso destes
simbolismos, porque não todos são capazes de passar do sinal material à
realidade espiritual que se procura. Se compreendido de modo inadequado e
incorrecto, o simbolismo pode tornar-se até um ídolo e, por consequência, um
impedimento para a elevação do espírito a Deus. Viver no âmbito da oração toda
a realidade do próprio corpo como símbolo, é ainda mais difícil: pode degenerar
em culto do corpo e levar a identificar sub-repticiamente todas as suas
sensações com experiências espirituais.
28. Alguns exercícios
físicos produzem automaticamente sensações de repouso e de distensão, que são
sentimentos gratificantes; podem talvez até produzir fenómenos de luz e de
calor, que se assemelham a um bem-estar espiritual. Trocá-los, porém, por
autênticas consolações do Espírito Santo, seria um modo totalmente erróneo de
conceber o caminho espiritual. Atribuir-lhes significados simbólicos típicos da
experiência mística, quando o comportamento moral do praticante não está à sua
altura, representaria uma espécie de esquizofrenia mental, o que pode conduzir
até a perturbações psíquicas e, em certos casos, a aberrações morais.
Tudo isto não obsta a que
autênticas práticas de meditação, vindas do Oriente cristão e das grandes
religiões não cristãs, práticas que, como se disse, exercem uma forte atracção
sobre o homem de hoje dividido e desorientado, possam constituir um meio
adequado para auxiliar o orante a pôr-se diante de Deus interiormente
distendido, mesmo no meio de solicitações exteriores contrárias. Convém recordar,
todavia, que a união habitual com Deus, ou aquela atitude de vigilância
interior e de invocação do auxílio divino que, no Novo Testamento, é chamada a
«oração contínua», 34 não se interrompe necessariamente quando nos
dedicamos também, segundo a vontade de Deus, ao trabalho e ao cuidado do
próximo. «Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei
tudo para a glória de Deus», diz-nos o Apóstolo (1 Cor. 10, 31). A oração
autêntica, de facto, como afirmam os grandes mestres de espírito, desperta nos
orantes uma caridade ardente que os impele a colaborar na missão da Igreja e no
serviço dos irmãos, para a maior glória de Deus 35.
VII.
«EU SOU A VIA»
29. Cada fiel deverá
procurar e poderá encontrar na variedade e riqueza da oração cristã, ensinada
pela Igreja, o próprio caminho, o próprio modo de oração; mas todas estas vias
pessoais confluem, finalmente, naquela via para o Pai que Jesus Cristo afirmou
ser. Na procura do próprio caminho, cada qual deixar-se-á, portanto, conduzir,
não tanto pelos gostos pessoais, quanto pelo Espírito Santo, o Qual o guia,
mediante Cristo, ao Pai.
30. Para quem se aplica
seriamente, virão todavia tempos, nos quais lhe parecerá caminhar num deserto e
não «adverti » nada de Deus, apesar de todos os seus esforços. O cristão deve
saber que tais provas não são poupadas a ninguém que tome a sério a oração. Mas
não se deve identificar imediatamente esta experiência, comum a todos os
cristãos que oram, com a «noite escura», de tipo místico. Em todo o caso, em
tais períodos, a oração que o praticante se esforçará por manter viva, poderá
deixar-lhe a impressão duma certa «artificialidade», embora se trate duma coisa
totalmente diversa. Com efeito, a oração constitui então precisamente a
expressão da sua fidelidade a Deus, em cuja presença ele quer permanecer, mesmo
quando não é recompensado por qualquer consolação subjectiva.
Nestes momentos
aparentemente negativos, torna-se manifesto o que o orante procura realmente:
se busca propriamente a Deus que, na sua infinita liberdade, sempre o
ultrapassa; ou se se procura somente a si mesmo, sem conseguir ir além das
próprias «experiências», quer lhe pareçam « experiências » positivas de união
com Deus, quer se lhe apresentem como «experiências» negativas de «vazio»
místico.
31. O amor de Deus, único
objecto da contemplação cristã, é uma realidade da qual não nos podemos
«apoderar por meio de qualquer método ou
técnica; pelo contrário, devemos ter sempre o olhar fixo em Jesus Cristo, no
Qual o amor divino sobre a cruz chegou por nós a tal ponto que Ele assumiu
sobre si mesmo também a condição de afastamento do Pai (cfr. Mc. 15, 34).
Devemos, portanto, deixar
decidir a Deus o modo segundo o qual Ele quer tornar-nos participantes do seu
amor. Mas não poderemos jamais, de nenhuma maneira, tentar pôr-nos no mesmo
nível do objecto contemplado, que é o amor livre de Deus. E isto nem sequer
quando, pela misericórdia de Deus Pai, mediante o Espírito Santo enviado aos
nossos corações, nos é dado em Cristo, gratuitamente, um reflexo sensível deste
amor divino, e nos sentimos como atraídos pela verdade e pela beleza do Senhor.
Quanto mais é dado a uma
criatura aproximar-se de Deus, tanto mais cresce nela o respeito reverencial
pelo Deus três vezes Santo. Compreende-se então a palavra de Santo Agostinho:
«Tu podes chamar-me amigo, eu reconheço-me servo». 36 Ou então a
palavra que nos é ainda mais familiar, pronunciada por Aquela que foi
gratificada com a mais alta intimidade com Deus: «Olhou para a humilhação de
sua serva» (Lc. 1, 48).
O Sumo Pontífice João
Paulo II, no decorrer de uma Audiência concedida ao Cardeal Prefeito que
subscreve este documento, aprovou a presente Carta, deliberada em reunião
plenária da Congregação para a Doutrina da Fé, e ordenou que a mesma fosse
publicada.
Roma, Sede da Congregação
para a Doutrina da Fé, 15 de Outubro de 1989, na festa de Santa Teresa de
Jesus.
Joseph Card. Ratzinger
Prefeito
+ Alberto Bovone
Arcebispo tit. de Cesarea
de Numidia
Secretário
__________________________
Notas:
26.
A Eucaristia, definida pela Constituição dogmática Lumen gentium «fonte e
centro de toda a vida cristã» (LG 11), faz-nos « participar realmente do corpo
do Senhor » (LG 7); nela «somos elevados à comunhão com Ele» (LG 7).
27.
Cfr. Santa Teresa de Jesus, Castillo interior IV, 1, 2.
28.
Nenhum orante, sem uma graça especial, poderá nutrir a ambição duma visão
global da revelação de Deus, igual à que S. Gregório Magno atribui a S. Bento;
nem daquele ímpeto místico com que S. Francisco de Assis contemplava Deus em
todas as criaturas; nem duma visão igualmente global como a concedida a Santo
Inácio junto do rio Cardoner, da qual ele afirmava que, em último termo, teria
podido assumir para ele o lugar da Sagrada Escritura. A « noite escura »
descrita por S. João da Cruz, faz parte do seu carisma pessoal da oração: não é
preciso que cada membro da sua Ordem a viva do mesmo modo, para chegar àquela
perfeição na oração a que é chamado por Deus.
29.
A chamada do cristão a experiências « místicas » pode incluir tanto o que S.
Tomás qualifica como experiência viva de Deus através dos dons do Espírito,
como as formas inimitáveis (e portanto às quais não se deve aspirar) de doação
da graça. Cfr. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, Ia-IIae, q. 68, a. 1 c,
como também a. 5 ad 1.
30.
Vejam-se, por exemplo, os escritores antigos que falam da atitude de orante
assumida pelos cristãos em oração: Tertuliano, De oratione XIV: PL 1, 1170,
XVII: PL 1, 1174-1176; Orígenes, De oratione XXXI, 2: PG 11, 550-553. Também
sobre o significado de tal gesto: Barnabé, Epistula XII, 2-4: PG 2, 760-761; S.
Justino, Dialogus 90, 4-5: PG 6, 689-692; S. Hipólito Romano, Commentarium in
Dan. III, 24: GCS I, 168, 8-17; Orígenes, Homiliae in Ex. XI, 4: PG 12,
377-378. Sobre a posição do corpo, veja-se também Orígenes, De oratione XXXI,
3: PG 11, 553-555.
31.
Cfr. Santo Inácio de Loyola, Ejercicios espirituales, n. 76.
32.
Como, por ex., a dos anacoretas esicastas. A «hesychia » ou repouso, externo ou
interno, é considerada pelos anacoretas uma condição da oração; na sua forma
oriental é caracterizada pela solidão e por certas técnicas de recolhimento.
33.
O exercício da « oração de Jesus », que consiste em repetir uma fórmula densa
de pontos de referência bíblicos de invocação e de súplica (por exemplo: «
Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim »), adapta-se ao ritmo
respiratório natural. Veja-se a este propósito: Santo Inácio de Loyola,
Ejercicios espirituales, n. 258.
34.
Cfr. 1 Ts. 5, 17. Veja-se também 2 Ts. 3, 8-12. Destes e doutros textos surge a
questão: como conciliar a obrigação da oração contínua com a obrigação de
trabalho? Vejam-se, entre outros, Santo Agostinho, Epistula 130, 20: PL 33,
501-502 e João Cassiano, De institutis coenobiorum, III, 1-3: SC 109, 92-93.
Leia-se também a « Demonstração sobre a oração » de AFRAATE, primeiro Padre da
Igreja Siríaca, particularmente os nn. 14-15, dedicados às chamadas « obras da
Oração » (cfr. a edição de J. Parisot: Afraatis Sapientis Persae
Demonstrationes, IV: PS I, pp. 170-174).
35.
Cfr. Santa Teresa de Jesus, Castillo interior VII, 4, 6.
36.
Santo Agostinho, Enarrationes in Psalmos CXLII, 6: PL 37, 1849. Consulte-se
também: Santo Agostinho, Tract. in Joh. IV, 9: PL 35, 1410: «Quando autem nec
ad hoc dignum se dicit, vere plenus Spiritu Sancto erat, qui sic servus Dominum
agnovit, et ex servo amicus fieri meruit».
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