Em seguida devemos tratar do poder da
lei humana.
E nesta questão discutem-se seis
artigos:
Art. 1 — Se a lei humana deve ser
feita para o bem comum ou antes, para o particular.
Art. 2 — Se à lei humana pertence
coibir todos os vícios.
Art. 3 — Se a lei humana ordena os actos
de todas as virtudes.
Art. 4 — Se a lei humana obriga no
foro da consciência.
Art. 5 — Se todos estão sujeitos à
lei.
Art. 6 — Se é lícito a quem está
sujeito à lei agir fora dos termos dela.
Art.
1 — Se a lei humana deve ser feita para o bem comum ou antes, para o
particular.
(V
Ethic., lect XVI).
O primeiro discute-se assim. — Parece
que a lei humana não deve ser feita para o bem comum, mas antes, para o
particular.
1. — Pois, o Filósofo diz: Legal é a
lei estabelecida para casos particulares; e também os decretos que regulam,
como o legal, casos particulares, pois são expedidos para se aplicarem a actos
particulares. Logo, a lei não é feita só para o bem comum, mas também para o
particular.
2. Demais. — A lei é directiva dos
actos humanos, como já se disse (q. 90, a. 1, a. 2). Ora, os actos humanos
versam sobre o particular. Logo, a lei humana deve ser feita, não para o bem
comum, mas antes, para o particular.
3. Demais. — A lei é a regra e a
medida dos actos humanos, como já se disse (q. 90, a. 1, a. 2). Ora, a medida
deve ser certíssima, como diz Aristóteles. Logo, nos actos humanos, não podendo
haver nada a tal ponto certo que não falhe em casos particulares, parece que as
leis devem ser feitas, não para o bem geral, mas para o particular.
Mas, em contrário, diz o jurisconsulto:
O direito deve ser constituído para regular o que frequentemente se dá e não,
para o que acontece fortuitamente.
Tudo o que existe para um
fim deve ser-lhe proporcionado. Ora, o fim da lei é o bem comum; pois, como diz
Isidoro, a lei deve ser estabelecida para a utilidade comum dos cidadãos, e
não, para a utilidade privada. Donde, as leis humanas devem ser proporcionadas ao
bem comum. Ora, este consta de muitos elementos, que portanto, a lei há de
necessariamente visar; no concernente às pessoas, aos actos e aos tempos. Pois,
a comunidade civil é composta de muitas pessoas, cujo bem é buscado por meio de
muitas acções. Nem a lei é instituída para durar pouco tempo, mas para perdurar
longamente, através da sucessão dos cidadãos, como diz Agostinho.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— O Filósofo distingue três partes na justiça legal, que é o direito positivo.
Pois algumas leis são, em si mesmas, estabelecidas para o bem geral; e são as
leis gerais. E a esta luz, diz: ao legal é indiferente vir a ser de um ou de
outro modo mas já não o é, quando está estabelecido: p. ex., que os
prisioneiros sejam resgatados por um certo preço estatuído. — Outras são
gerais, sob certo respeito e particulares, sob outro. E essas chamam-se
privilégios, quase leis privadas, porque respeitam pessoas singulares, embora o
seu vigor se estenda a muitos outros casos. E por isso acrescenta: além disso,
todas as leis feitas para casos particulares. — Certas determinações também se
chamam legais, não por serem leis, mas por constituírem aplicação das leis
comuns a certos factos particulares; e tais são os decretos, tidos como leis.
E, por isto, acrescenta: os decretos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O que é directivo
deve sê-lo de muitas coisas. Por isso, o Filósofo diz, que tudo o pertencente a
um mesmo género é medido pelo que é primeiro nesse género. Pois, se fossem as
regras ou as medidas tantas quantas as coisas medidas ou reguladas, cessaria
por certo a utilidade daquelas, que consiste em podermos conhecer muitas coisas
por meio de uma só. E assim, nenhuma utilidade teria a lei, se não abrangesse
senão um acto particular. Ora, para dirigir actos particulares são
estabelecidos os preceitos singulares dos prudentes. A lei, ao contrário, é um
preceito comum, como já se disse (q. 92, a. 2 arg. 2).
RESPOSTA À TERCEIRA. — Não devemos
buscar em tudo a mesma certeza, diz Aristóteles. Donde, nas coisas contingentes,
como as naturais e as humanas, basta uma certeza tal, que seja um princípio
verdadeiro, na maior parte dos casos, embora, em alguns possa a não vir a
sê-lo.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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