Capítulo 2: O
primeiro fruto que se há-de colher da consideração da primeira Palavra dita por
Cristo na Cruz 1
Tendo dado o significado
literal da primeira palavra dita por Nosso Senhor na Cruz, nossa próxima tarefa
será esforçarmo-nos para recolher alguns de seus frutos mais preferíveis e
vantajosos. O que mais nos impressiona na primeira parte do sermão de Cristo na
Cruz é sua ardente caridade, que arde com fulgor mais brilhante que o que possamos
conhecer ou imaginar, de acordo com o que escreveu São Paulo aos Efésios: “e
conhecer também aquele amor de Cristo, que excede toda a ciência” 1. Pois nesta
passagem o Apóstolo nos informa, pelo mistério da Cruz, como a caridade de
Cristo ultrapassa nosso entendimento, já que se estende para além da capacidade
de nosso limitado intelecto. Pois quando sofremos qualquer dor forte, como uma
dor de dente, ou uma dor de cabeça, ou uma dor nos olhos, ou em qualquer outro
membro do corpo, nossa mente está tão atada a isto, que se torna incapaz de
qualquer esforço. Então não estamos com humor para receber os amigos nem para
continuar com o trabalho. Mas, quando Cristo foi pregado na Cruz, usou seu
diadema de espinhos, como está claramente expresso nos escritos dos antigos
Padres; por Tertuliano, entre os Padres latinos, em seu livro contra os judeus,
e por Orígenes, entre os Padres gregos, em sua obra acerca de São Mateus; e
portanto se segue que Ele não podia mover a cabeça para trás nem movê-la de um
lado para o outro sem dor adicional. Toscos cravos lhe sujeitavam as mãos e
pés, e, pela maneira como lhe dilaceravam a carne, ocasionavam doloroso e longo
tormento. Seu corpo estava desnudo, desgastado pelo cruel flagelo e pelo
intenso ir-e-vir, exposto ignominiosamente à vista do vulgo, aumentando por seu
peso as feridas nos pés e mãos, numa bárbara e contínua agonia. Todas estas
coisas combinadas foram origem de muito sofrimento, como se fossem outras
tantas cruzes. Não obstante, ó caridade, verdadeiramente a ultrapassar nosso
entendimento, Ele não pensou em seus tormentos, como se não sofresse, não
estando solícito senão à salvação de seus inimigos, e, desejando cobrir-lhes a
pena dos crimes, clamou fortemente a seu Pai: “Pai, perdoa-lhes”. Que teria
feito Ele se esses infelizes fossem as vítimas de uma perseguição injusta, ou
se tivessem sido seus amigos, seus parentes, ou seus filhos, e não seus
inimigos, seus traidores e parricidas?
são
roberto belarmino
(Tradução:
Permanência, revisão ama).
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Notas:
1.Ef 3,19.
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