A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Evangelho: Lc 8, 1-21
1 Em seguida Jesus caminhava pelas cidades e aldeias,
pregando e anunciando a boa nova do reino de Deus; andavam com Ele os doze 2
e algumas mulheres que tinham sido livradas de espíritos malignos e de doenças:
Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demónios, 3
Joana, mulher de Cusa, procurador de Herodes, Susana, e outras muitas, que os
serviam com os seus bens. 4 Tendo-se juntado uma grande multidão de
povo e, tendo ido ter com Ele de diversas cidades, disse Jesus esta parábola: 5
«Saiu o semeador a semear a sua semente; ao semeá-la, uma parte caiu ao longo
do caminho; foi calcada e as aves do céu comeram-na. 6 Outra parte
caiu sobre pedregulho; quando nasceu, secou, porque não tinha humidade. 7
A outra parte caiu entre espinhos; logo os espinhos, que nasceram com ela, a
sufocaram. 8 Outra parte caiu em terra boa; depois de nascer, deu
fruto centuplicado». Dito isto, exclamou: «Quem tem ouvidos para ouvir, oiça!».
9 Os Seus discípulos perguntaram-Lhe o que significava esta
parábola. 10 Ele respondeu-lhes: «A vós é concedido conhecer o
mistério do reino de Deus, mas aos outros ele é anunciado por parábolas; para
que “vendo não vejam, e ouvindo não entendam”. 11 Eis o sentido da
parábola: A semente é a palavra de Deus. 12 Os que estão ao longo do
caminho, são aqueles que a ouvem, mas depois vem o demónio e tira a palavra do
seu coração para que não se salvem crendo. 13 Os que estão sobre
pedregulho, são os que, quando a ouvem, recebem com gosto a palavra, mas não
têm raízes; por algum tempo acreditam, mas no tempo da tentação voltam atrás. 14
A que caiu entre espinhos, representa aqueles que ouviram a palavra, porém,
indo por diante, ficam sufocados pelos cuidados, pelas riquezas e pelos
prazeres desta vida, e não dão fruto. 15 Enfim, a que caiu em terra
boa, representa aqueles que, ouvindo a palavra com o coração recto e bom, a
conservam e dão fruto com a sua perseverança. 16 «Ninguém, pois,
acendendo uma lâmpada a cobre com um vaso ou a põe debaixo da cama, mas põe-na
sobre um candeeiro, para que os que entram vejam a luz. 17 Porque
nada há oculto que não acabe por ser manifestado, nem escondido que não deva
saber-se e tornar-se público. 18 Vede, pois, como ouvis. Porque
àquele que tem, lhe será dado; e ao que não tem, ainda aquilo mesmo que julga
ter, lhe será tirado». 19 Foram ter com Ele Sua mãe e Seus irmãos, e
não podiam aproximar-se d'Ele por causa da multidão. 20 Foram
dizer-Lhe: «Tua mãe e Teus irmãos estão lá fora e querem ver-Te». 21
Ele respondeu-lhes: «Minha mãe e Meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de
Deus e a põem em prática».
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS
FIÉIS LEIGOS
SOBRE
O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO ACTUAL
Capítulo
IV
A DIMENSÃO SOCIAL DA
EVANGELIZAÇÃO
O
Reino que nos solicita
180.
Ao lermos as Escrituras, fica bem claro que a proposta do Evangelho não
consiste só numa relação pessoal com Deus. E a nossa resposta de amor também
não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a
favor de alguns indivíduos necessitados, o que poderia constituir uma «caridade
por receita», uma série de acções destinadas apenas a tranquilizar a própria
consciência. A proposta é o Reino de Deus (cf. Lc 4, 43); trata-se de amar a
Deus, que reina no mundo. Na medida em que Ele conseguir reinar entre nós, a
vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade
para todos. Por isso, tanto o anúncio como a experiência cristã tendem a
provocar consequências sociais. Procuremos o seu Reino: «Procurai primeiro o
Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo» (Mt 6,
33). O projecto de Jesus é instaurar o Reino de seu Pai; por isso, pede aos
seus discípulos: «Proclamai que o Reino do Céu está perto» (Mt 10, 7).
181.
O Reino, que se antecipa e cresce entre nós, abrange tudo, como nos recorda
aquele princípio de discernimento que Paulo VI propunha a propósito do
verdadeiro desenvolvimento: «Todos os homens e o homem todo». 145 Sabemos
que «a evangelização não seria completa, se ela não tomasse em consideração a
interpelação recíproca que se fazem constantemente o Evangelho e a vida concreta,
pessoal e social, dos homens». 146 É o critério da universalidade,
próprio da dinâmica do Evangelho, dado que o Pai quer que todos os homens se
salvem; e o seu plano de salvação consiste em «submeter tudo a Cristo, reunindo
n’Ele o que há no céu e na terra» (Ef 1, 10). O mandato é: «Ide pelo mundo
inteiro, proclamai o Evangelho a toda criatura» (Mc 16, 15), porque toda «a
criação se encontra em expectativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos
de Deus» (Rm 8, 19). Toda a criação significa também todos os aspectos da vida
humana, de tal modo que «a missão do anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo tem
destinação universal. Seu mandato de caridade alcança todas as dimensões da
existência, todas as pessoas, todos os ambientes da convivência e todos os povos.
Nada do humano pode lhe parecer estranho». 147 A verdadeira
esperança cristã, que procura o Reino escatológico, gera sempre história.
A
doutrina da Igreja sobre as questões sociais
182.
Os ensinamentos da Igreja acerca de situações contingentes estão sujeitos a
maiores ou novos desenvolvimentos e podem ser objecto de discussão, mas não
podemos evitar de ser concretos – sem pretender entrar em detalhes – para que
os grandes princípios sociais não fiquem meras generalidades que não interpelam
ninguém. É preciso tirar as suas consequências práticas, para que «possam
incidir com eficácia também nas complexas situações hodiernas». 148 Os
Pastores, acolhendo as contribuições das diversas ciências, têm o direito de
exprimir opiniões sobre tudo aquilo que diz respeito à vida das pessoas, dado
que a tarefa da evangelização implica e exige uma promoção integral de cada ser
humano. Já não se pode afirmar que a religião deve limitar-se ao âmbito privado
e serve apenas para preparar as almas para o céu. Sabemos que Deus deseja a
felicidade dos seus filhos também nesta terra, embora estejam chamados à plenitude
eterna, porque Ele criou todas as coisas «para nosso usufruto» (1 Tm 6, 17),
para que todos possam usufruir delas. Por isso, a conversão cristã exige rever
«especialmente tudo o que diz respeito à ordem social e consecução do bem
comum». 149
183.
Por conseguinte, ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a
intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e
nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil,
sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos. Quem
ousaria encerrar num templo e silenciar a mensagem de São Francisco de Assis e
da Beata Teresa de Calcutá? Eles não o poderiam aceitar. Uma fé autêntica – que
nunca é cómoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar
o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa
passagem por ela. Amamos este magnífico planeta, onde Deus nos colocou, e
amamos a humanidade que o habita, com todos os seus dramas e cansaços, com os
seus anseios e esperanças, com os seus valores e fragilidades. A terra é a
nossa casa comum, e todos somos irmãos. Embora «a justa ordem da sociedade e do
Estado seja dever central da política», a Igreja «não pode nem deve ficar à
margem na luta pela justiça». 150 Todos os cristãos, incluindo os
Pastores, são chamados a preocupar-se com a construção dum mundo melhor. É
disto mesmo que se trata, pois o pensamento social da Igreja é primariamente
positivo e construtivo, orienta uma acção transformadora e, neste sentido, não
deixa de ser um sinal de esperança que brota do coração amoroso de Jesus
Cristo. Ao mesmo tempo, «une o próprio empenho ao esforço em campo social das
demais Igrejas e Comunidades eclesiais, tanto na reflexão doutrinal como na
prática». 151
184.
Aqui não é o momento para explanar todas as graves questões sociais que afectam
o mundo actual, algumas das quais já comentei no segundo capítulo. Este não é
um documento social e, para nos ajudar a reflectir sobre estes vários temas,
temos um instrumento muito apropriado no Compêndio da Doutrina Social da
Igreja, cujo uso e estudo vivamente recomendo. Além disso, nem o Papa nem a
Igreja possui o monopólio da interpretação da realidade social ou da
apresentação de soluções para os problemas contemporâneos. Posso repetir aqui o
que indicava, com grande lucidez, Paulo VI: «Perante situações, assim tão
diversificadas, torna-se-nos difícil tanto o pronunciar uma palavra única, como
o propor uma solução que tenha um valor universal. Mas, isso não é ambição
nossa, nem mesmo a nossa missão. É às comunidades cristãs que cabe analisarem,
com objectividade, a situação própria do seu país». 152
185.
Em seguida, procurarei concentrar-me sobre duas grandes questões que me parecem
fundamentais neste momento da história. Desenvolvê-las-ei com uma certa
amplitude, porque considero que irão determinar o futuro da humanidade. A
primeira é a inclusão social dos pobres; e a segunda, a questão da paz e do
diálogo social.
II.
A inclusão social dos pobres
186.
Deriva da nossa fé em Cristo, que Se fez pobre e sempre Se aproximou dos pobres
e marginalizados, a preocupação pelo desenvolvimento integral dos mais
abandonados da sociedade.
Unidos
a Deus, ouvimos um clamor
187.
Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao
serviço da libertação e promoção dos pobres, para que possam integrar-se
plenamente na sociedade; isto supõe estar docilmente atentos, para ouvir o
clamor do pobre e socorrê-lo. Basta percorrer as Escrituras, para descobrir
como o Pai bom quer ouvir o clamor dos pobres: «Eu bem vi a opressão do meu
povo que está no Egipto, e ouvi o seu clamor diante dos seus inspectores;
conheço, na verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de os libertar (...). E
agora, vai; Eu te envio...» (Ex 3, 7-8.10). E Ele mostra-Se solícito com as
suas necessidades: «Os filhos de Israel clamaram, então, ao Senhor, e o Senhor
enviou-lhes um salvador» (Jz 3, 15). Ficar surdo a este clamor, quando somos os
instrumentos de Deus para ouvir o pobre, coloca-nos fora da vontade do Pai e do
seu projecto, porque esse pobre «clamaria ao Senhor contra ti, e aquilo
tornar-se-ia para ti um pecado» (Dt 15, 9). E a falta de solidariedade, nas
suas necessidades, influi directamente sobre a nossa relação com Deus: «Se te
amaldiçoa na amargura da sua alma, Aquele que o criou ouvirá a sua oração» (Sir
4, 6). Sempre retorna a antiga pergunta: «Se alguém possuir bens deste mundo e,
vendo o seu irmão com necessidade, lhe fechar o seu coração, como é que o amor
de Deus pode permanecer nele?» (1 Jo 3, 17). Lembremos também com quanta
convicção o Apóstolo São Tiago retomava a imagem do clamor dos oprimidos:
«Olhai que o salário que não pagastes, aos trabalhadores que ceifaram os vossos
campos, está a clamar; e os clamores dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do
Senhor do universo» (5, 4).
188.
A Igreja reconheceu que a exigência de ouvir este clamor deriva da própria obra
libertadora da graça em cada um de nós, pelo que não se trata de uma missão
reservada apenas a alguns: «A Igreja, guiada pelo Evangelho da Misericórdia e
pelo amor ao homem, escuta o clamor pela justiça e deseja responder com todas
as suas forças». 153 Nesta linha, se pode entender o pedido de Jesus
aos seus discípulos: «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Mc 6, 37), que envolve
tanto a cooperação para resolver as causas estruturais da pobreza e promover o
desenvolvimento integral dos pobres, como os gestos mais simples e diários de
solidariedade para com as misérias muito concretas que encontramos. Embora um
pouco desgastada e, por vezes, até mal interpretada, a palavra «solidariedade»
significa muito mais do que alguns actos esporádicos de generosidade; supõe a
criação duma nova mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade
da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns.
189.
A solidariedade é uma reacção espontânea de quem reconhece a função social da
propriedade e o destino universal dos bens como realidades anteriores à
propriedade privada. A posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles e
aumentá-los de modo a servirem melhor o bem comum, pelo que a solidariedade
deve ser vivida como a decisão de devolver ao pobre o que lhe corresponde. Estas
convicções e práticas de solidariedade, quando se fazem carne, abrem caminho a
outras transformações estruturais e tornam-nas possíveis. Uma mudança nas
estruturas, sem se gerar novas convicções e atitudes, fará com que essas mesmas
estruturas, mais cedo ou mais tarde, se tornem corruptas, pesadas e ineficazes.
190.
Às vezes trata-se de ouvir o clamor de povos inteiros, dos povos mais pobres da
terra, porque «a paz funda-se não só no respeito pelos direitos do homem, mas
também no respeito pelo direito dos povos». 154 Lamentavelmente, até
os direitos humanos podem ser usados como justificação para uma defesa
exacerbada dos direitos individuais ou dos direitos dos povos mais ricos.
Respeitando a independência e a cultura de cada nação, é preciso recordar-se
sempre de que o planeta é de toda a humanidade e para toda a humanidade, e que
o simples facto de ter nascido num lugar com menores recursos ou menor
desenvolvimento não justifica que algumas pessoas vivam menos dignamente. É
preciso repetir que «os mais favorecidos devem renunciar a alguns dos seus
direitos, para poderem colocar, com mais liberalidade, os seus bens ao serviço
dos outros». 155 Para falarmos adequadamente dos nossos direitos, é
preciso alongar mais o olhar e abrir os ouvidos ao clamor dos outros povos ou
de outras regiões do próprio país. Precisamos de crescer numa solidariedade que
«permita a todos os povos tornarem-se artífices do seu destino», 156 tal
como «cada homem é chamado a desenvolver-se». 157
191.
Animados pelos seus Pastores, os cristãos são chamados, em todo o lugar e
circunstância, a ouvir o clamor dos pobres, como bem se expressaram os Bispos
do Brasil: «Desejamos assumir, a cada dia, as alegrias e esperanças, as
angústias e tristezas do povo brasileiro, especialmente das populações das
periferias urbanas e das zonas rurais – sem terra, sem teto, sem pão, sem saúde
– lesadas em seus direitos. Vendo a sua miséria, ouvindo os seus clamores e
conhecendo o seu sofrimento, escandaliza-nos o fato de saber que existe alimento
suficiente para todos e que a fome se deve à má repartição dos bens e da renda.
O problema se agrava com a prática generalizada do desperdício». 158
192.
Mas queremos ainda mais, o nosso sonho voa mais alto. Não se fala apenas de
garantir a comida ou um decoroso «sustento» para todos, mas «prosperidade e
civilização em seus múltiplos aspectos». 159 Isto engloba educação,
acesso aos cuidados de saúde e especialmente trabalho, porque, no trabalho
livre, criativo, participativo e solidário, o ser humano exprime e engrandece a
dignidade da sua vida. O salário justo permite o acesso adequado aos outros
bens que estão destinados ao uso comum.
Fidelidade
ao Evangelho, para não correr em vão
193.
Este imperativo de ouvir o clamor dos pobres faz-se carne em nós, quando no
mais íntimo de nós mesmos nos comovemos à vista do sofrimento alheio. Voltemos
a ler alguns ensinamentos da Palavra de Deus sobre a misericórdia, para que
ressoem vigorosamente na vida da Igreja. O Evangelho proclama: «Felizes os
misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7). O Apóstolo São
Tiago ensina que a misericórdia para com os outros permite-nos sair triunfantes
no juízo divino: «Falai e procedei como pessoas que hão-de ser julgadas segundo
a lei da liberdade. Porque, quem não pratica a misericórdia, será julgado sem
misericórdia. Mas a misericórdia não teme o julgamento» (2, 12-13). Neste
texto, São Tiago aparece-nos como herdeiro do que tinha de mais rico a
espiritualidade judaica do pós-exílio, a qual atribuía um especial valor
salvífico à misericórdia: «Redime o teu pecado pela justiça, e as tuas
iniquidades, pela piedade para com os infelizes; talvez isto consiga prolongar
a tua prosperidade» (Dn 4, 24). Nesta mesma perspectiva, a literatura
sapiencial fala da esmola como exercício concreto da misericórdia para com os
necessitados: «A esmola livra da morte e limpa de todo o pecado» (Tb 12, 9). E
de forma ainda mais sensível se exprime Ben-Sirá: «A água apaga o fogo ardente,
e a esmola expia o pecado» (3, 30). Encontramos a mesma síntese no Novo
Testamento: «Mantende entre vós uma intensa caridade, porque o amor cobre a
multidão dos pecados» (1 Pd 4, 8). Esta verdade permeou profundamente a mentalidade
dos Padres da Igreja, tendo exercido uma resistência profética como alternativa
cultural face ao individualismo hedonista pagão. Recordemos apenas um exemplo:
«Tal como, em perigo de incêndio, correríamos a buscar água para o apagar
(...), o mesmo deveríamos fazer quando nos turvamos porque, da nossa palha,
irrompeu a chama do pecado; assim, quando se nos proporciona a ocasião de uma
obra cheia de misericórdia, alegremo-nos por ela como se fosse uma fonte que
nos é oferecida e na qual podemos extinguir o incêndio». 160
194.
É uma mensagem tão clara, tão directa, tão simples e eloquente que nenhuma
hermenêutica eclesial tem o direito de relativizar. A reflexão da Igreja sobre
estes textos não deveria ofuscar nem enfraquecer o seu sentido exortativo, mas
antes ajudar a assumi-los com coragem e ardor. Para quê complicar o que é tão
simples? As elaborações conceptuais hão-de favorecer o contacto com a realidade
que pretendem explicar, e não afastar-nos dela. Isto vale sobretudo para as
exortações bíblicas que convidam, com tanta determinação, ao amor fraterno, ao
serviço humilde e generoso, à justiça, à misericórdia para com o pobre. Jesus
ensinou-nos este caminho de reconhecimento do outro, com as suas palavras e com
os seus gestos. Para quê ofuscar o que é tão claro? Não nos preocupemos só com
não cair em erros doutrinais, mas também com ser fiéis a este caminho luminoso
de vida e sabedoria. Porque «é frequente dirigir aos defensores da “ortodoxia”
a acusação de passividade, de indulgência ou de cumplicidade culpáveis frente a
situações intoleráveis de injustiça e de regimes políticos que mantêm estas
situações». 161
195.
Quando São Paulo foi ter com os Apóstolos a Jerusalém para discernir «se estava
a correr ou tinha corrido em vão» (Gal 2, 2), o critério-chave de autenticidade
que lhe indicaram foi que não se esquecesse dos pobres (cf. Gal 2, 10). Este
critério, importante para que as comunidades paulinas não se deixassem arrastar
pelo estilo de vida individualista dos pagãos, tem uma grande actualidade no
contexto actual em que tende a desenvolver-se um novo paganismo individualista.
Nem sempre a conseguimos manifestar adequadamente a própria beleza do
Evangelho, mas há um sinal que nunca deve faltar: a opção pelos últimos, por
aqueles que a sociedade descarta e lança fora.
196.
Às vezes somos duros de coração e de mente, esquecemo-nos, entretemo-nos,
extasiamo-nos com as imensas possibilidades de consumo e de distracção que esta
sociedade oferece. Gera-se assim uma espécie de alienação que nos afecta a
todos, pois «alienada é a sociedade que, nas suas formas de organização social,
de produção e de consumo, torna mais difícil a realização deste dom e a
constituição dessa solidariedade inter-humana». 162
_____________________
Notas:
145
Carta enc. Populorum Progressio (26 de Março de 1967), 14: AAS 59 (1967), 264.
146
Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 29: AAS 68
(1976), 25.
147
V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de
Aparecida (29 de Junho de 2007), 380.
148
Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 9.
149
João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in America (22 de Janeiro de
1999), 27: AAS 91 (1999), 762.
150
Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), 28: AAS 98
(2006), 239-240.
151
Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 12.
52 Carta ap. Octogesima adveniens (14 de Maio
de 1971), 4: AAS 63 (1971), 403.
153
Congr. para a Doutrina da Fé, Instr. Libertatis nuntius (6 de Agosto de 1984),
XI, 1: AAS 76 (1984), 903.
154
Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 157.
155
Paulo VI, Carta ap. Octogesima adveniens (14 de Maio de 1971), 23: AAS 63
(1971), 418.
156
Paulo VI, Carta enc. Populorum Progressio (26 de Março de 1967), 65: AAS 59
(1967), 289.
157
Ibid., 15: o. c., 265.
158
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Documento Exigências evangélicas e
éticas de superação da miséria e da fome (Abril de 2002), Introdução, 2.
159
João XXIII, Carta enc. Mater et Magistra (15 de Maio de 1961), 3: AAS 53 (1961),
402.
160
Santo Agostinho, De catechizandis rudibus, I, XIV, 22: PL 40, 327.
161
Congr. para a Doutrina da Fé, Instr. Libertatis nuntius (6 de Agosto de 1984),
XI, 18: AAS 76 (1984), 907-908.
162
João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 41: AAS 83
(1991), 844-845.
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