Questão 34: Da bondade e da malicia dos prazeres
Art. 3 ― Se há algum prazer melhor que todos os outros.
(I Sent., dist. XLIX, q. 3, a. 4, qa. 3, VII Ethic., lect. XI, X, lect. II)
O
terceiro discute-se assim. ― Parece que não há nenhum prazer melhor que todos
os outros.
1. ― Pois, nenhuma geração pode ser o que há de melhor, porque nenhuma pode ser o fim último. Ora, o prazer resulta de uma geração, pois um ser deleita-se quando disposto para um objecto natural presente, como já se disse 1. Logo, não há nenhum prazer melhor que todos os outros.
2.
Demais. ― O melhor por excelência não pode tornar-se ainda melhor com o
acréscimo seja do que for. Ora, o prazer, com certo acréscimo, torna-se melhor,
assim, é melhor o prazer com a virtude do que sem ela. Logo, não há nenhum
prazer melhor que todos os outros.
3.
Demais. ― O melhor, por excelência é universalmente bom, como bem em si mesmo
que é, pois, o existente por si mesmo tem prioridade e excelência sobre o
existente por acidente. Ora nenhum prazer é universalmente bom, como já se
disse 2. Logo não há nenhum melhor que todos.
Mas,
em contrário. ― A bem-aventurança é o que há de melhor, como fim da vida
humana. Ora, a bem-aventurança é acompanhada do prazer, como diz a Escritura (Sl
15, 11): encher-me-ás de alegria com teu rosto, deleites na tua direita
para sempre.
Platão não admitia, como os estóicos, que todos os prazeres sejam maus, nem
que todos sejam bons, como os epicuristas, mas que uns são bons e outros maus,
sem contudo nenhum ser o bem sumo ou melhor. Mas as suas razões, tanto quanto
podemos compreendê-las, são deficientes em duplo ponto de vista. ― Primeiro
porque, vendo que os prazeres sensíveis e corpóreos consistem num certo
movimento e na geração, como é patente na absorção dos alimentos e de coisas
semelhantes, concluiu que todos os prazeres são consecutivos à geração e ao
movimento. Donde, sendo a geração e o movimento actos de seres imperfeitos,
resulta que o prazer não tem a natureza de perfeição última. Ora, isto patenteia-se
manifestamente falso no caso dos prazeres intelectuais. Pois, deleitamo-nos não
só com a geração da ciência ― p. ex., quando apreendemos ou nos admiramos,
conforme já dissemos 3 ― mas também com a contemplação da ciência já
adquirida. ― Segundo, porque considerava como óptimo o bem absolutamente sumo,
que é o bem mesmo, quase abstracto e não participado, assim como Deus é, em si
mesmo, o sumo bem. Ora, nós tratamos do que é óptimo na ordem das coisas humanas,
que é, em cada uma delas, o fim último. Ora, o fim, como já dissemos 4,
tem dupla acepção: ou, uma coisa em si mesma, ou o uso dela, assim, o fim do
avarento é o dinheiro ou a posse deste. E então, podemos considerar como fim
último do homem ou o próprio Deus, sumo bem absoluto, ou o gozo de Deus, que
implica um certo prazer fundado no fim último. E deste modo, há um prazer do
homem que pode ser considerado óptimo por comparação com bens humanos.
DONDE
A RSPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Nem todo prazer é consequente à geração, mas
há alguns consequentes às operações perfeitas, como já se disse. Donde, nada
impede que haja um prazer óptimo, embora, nem todos o sejam.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― A objecção colhe aplicada ao melhor por excelência e absolutamente
falando, pela participação do qual existem todos os bens, e que não pode ser
melhor por acréscimo seja do que for. Mas em relação aos demais bens, é
universalmente verdade que qualquer deles se torna melhor por acréscimo de
outro. Embora se possa dizer que o prazer é algo de estranho à actividade da
virtude, que antes a acompanha, como diz Aristóteles 5.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Nenhum prazer é o melhor, por excelência, como prazer, mas como o
repouso perfeito num bem ótimo. Donde, não é necessário que todo prazer seja óptimo,
ou mesmo bom, assim como por haver uma ciência que é óptima, nem todas as
ciências o são.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 31, a. 1.
2. Q. 34, a. 2.
3. Q. 32, a. 8.
4. Q. 1, a. 8, q. 2, a. 7.
5. I Ethic., lect. VII.
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