16/04/2013

Tratado dos actos humanos 92




Questão 21: Das consequências dos actos humanos em razão da bondade ou da malícia deles.



Em seguida devemos tratar das consequências dos actos humanos em razão da bondade ou da malícia deles.

E sobre esta questão quatro artigos se discutem:

Art. 1 ― Se o acto humano, por ser bom ou mau, implica a noção de retitude ou de pecado.
Art. 2 ― Se o acto humano, por ser bom ou mau, é digno de louvor ou de culpa.
Art. 3 ― Se o acto humano, pela sua bondade ou malícia, é meritório ou demeritório.
Art. 4 ― Se o acto do homem, bom ou mau, é meritório ou demeritório perante Deus.

Art. 1 ― Se o acto humano, por ser bom ou mau, implica a noção de retitude ou de pecado.

O primeiro discute-se assim. ― Parece que o acto humano, por ser bom ou mau, não implica a noção de rectitude ou de pecado.

1. ― Pois, os monstros são pecados da natureza, como diz Aristóteles 1. Ora, eles não são actos, mas seres gerados contra a ordem da natureza. Ora, as produções da arte e da razão imitam as coisas da natureza, conforme no mesmo passo se diz 2. Logo, um acto, por ser desordenado e mau, não implica a noção de pecado.

2. Demais. ― Como diz Aristóteles 3, de pecado é susceptível tanto a natureza como a arte, quando não chegam ao fim visado. Ora, a bondade e a malícia de um acto humano consistem sobretudo no fim intencional e na sua prossecução. Logo, a malícia de um acto não implica a noção de pecado.

3. Demais. ― Se a malícia do acto implicasse a noção de pecado, onde quer que houvesse mal haveria pecado. Ora, isto é falso, pois a pena, embora implique a noção de mal, não implica a de pecado. Logo, não é por ser mau que um acto implica tal noção.

Mas, em contrário. ― A bondade de um acto humano, como já se demonstrou 4, depende principalmente da lei eterna, e por consequência, a sua malícia consiste em discordar dessa lei. Ora, isto induz a noção de pecado, como diz Agostinho: pecado é um dito, acto ou desejo contrário à lei eterna 5. Logo, o acto humano, por ser mau, implica a noção de pecado.


O mal é mais que o pecado e o bem, que a rectidão pois, embora qualquer privação do bem constitua sempre pecado, este em sentido próprio consiste num acto praticado em vista de um fim e que não conserva, para com ele a ordem devida. Ora, a ordem devida para com um fim é medida por uma determinada regra, que é, para os seres que agem conforme à natureza, a virtude mesma desta que inclina para o fim. Donde, o acto que procede da virtude natural é recto, de conformidade com a inclinação natural para o fim, porque o meio não se afasta dos extremos, i. é, o acto, da ordenação do princípio activo ao fim. O acto que se afasta porém de tal retitude, induz a ideia de pecado.

Mas os seres que agem por vontade tem como regra próxima a razão humana, e como suprema, a lei eterna. Donde, sempre que um homem pratica um acto em vista de um fim, conforme à ordem da razão e da lei eterna, é recto, quando porém se afasta dessa rectidão considera-se pecado. Ora, é claro pelo que já dissemos 6, que todo acto voluntário é mau, que se afasta da ordem da razão e da lei eterna, ao passo que todo acto bom concorda com ambas essas ordens. Donde se colhe que o acto humano, por ser bom ou mau, implica a ideia de rectitude ou de pecado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Diz-se que os monstros são pecados por serem o resultado de um pecado inerente ao acto da natureza.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Há duplo fim: o último e o próximo. Ora, no pecado da natureza, o acto é falho em relação ao fim último, que é a perfeição do ser produzido, não o é porém em relação a qualquer fim próximo, pois, por ele, a natureza chega a produzir certos efeitos. Semelhantemente, no pecado da vontade há sempre deficiência em relação ao fim último visado, pois nenhum acto mau da vontade pode ordenar-se à beatitude, fim último, mas não há deficiência em relação a algum fim próximo, que a vontade visa e consegue. E por isso, como a intenção posta nesse fim se ordena ao fim último, mesmo ela pode induzir a ideia de rectitude e de pecado.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Tudo se ordena ao fim por meio de um acto, por isso a natureza do pecado, que consiste no desviar-se da ordem final, consiste propriamente em um acto, ao passo que a pena diz respeito a pessoa que peca, como na primeira parte se disse 7.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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Notas:
1. II Phys., lect. XIV.
2. Lect. XIII.
3. II Phys., lect. XIV.
4. Q. 19, a. 4.
5. XXII Contra Faustum, cap. XXVII.
6. Q. 19, a. 3, 4.
7. Q. 48, a. 5 ad 4, a. 6, ad 3.

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