07/04/2013

Tratado dos actos humanos 83



Questão 19: Da bondade do acto interior da vontade.

Art. 8 ― Se o grau de bondade da vontade depende do grau de bondade da intenção.




O oitavo discute-se assim. ― Parece que o grau de bondade da vontade depende do grau de bondade da intenção.



1. ― Pois, a propósito do passo de Mateus (12, 35) ― O homem bom do bom tesouro tira boas coisas ― diz a Glosa: Cada um faz tanto bem quanto tenciona fazer. Ora, a intenção dá a bondade não só ao acto externo como também à vontade, segundo já se disse 1. Logo, o grau da vontade boa é relativo ao da intenção.

2. Demais. ― Se a causa aumenta, o efeito também aumenta. Ora, a bondade da intenção é a causa de a vontade ser boa. Logo, quanto mais tivermos a intenção do bem tanto mais a vontade será boa.

3. Demais. ― Em relação ao mal, a intenção é a medida do pecado, assim, quem atirar uma pedra com a intenção do homicídio, será réu do homicídio. Logo, pela mesma razão, relativamente ao bem, a bondade será boa na medida em que tencionamos fazer o bem.

Mas, em contrário. ― A intenção pode ser boa e a vontade, má. Logo, pela mesma razão, aquela pode ser melhor que esta.

Podemos considerar o grau dos actos e do fim intencional e dois modos. Relativamente ao objecto, segundo queremos ou fazemos um bem maior, ou à intensidade do acto, segundo o agente quer ou age mais intensamente. Se pois tratamos do grau do querer ou da intenção, quanto ao objecto, é claro que o grau do acto não acompanha o da intenção, e isso pode dar-se de dois modos, relativamente ao acto externo. Primeiro, por não ser o objecto, que se ordena ao fim intencionado, proporcionando a este, assim, não poderia realizar a sua intenção quem, com dez libras, quisesse comprar o que vale cem. Segundo, por causa dos impedimentos, que podem se opor à realização do acto externo, e que nós não pudermos remover, assim, se quisermos ir a Roma e por impedidos, não o pudermos. Relativamente aos actos interiores da vontade porém, isto não pode dar-se senão de um modo, porque, ao contrário dos actos externos, estes dependem de nós. Mas a vontade pode querer um objecto não proporcionado, ao fim que intenciona e então absolutamente considerada, ela não é boa no mesmo grau que a intenção. Como porém esta, em si pertence de certo modo ao acto da vontade, do qual é a razão de ser, o grau da sua bondade redunda para este, pois que a vontade quer, como fim, um bem grande, embora o meio pelo qual visa consegui-lo, dele não seja digno.

Se porém considerarmos o grau da intenção e do acto, quanto à intensidade de ambos, a da primeira redunda para o acto interior e exterior da vontade. Pois, a intenção se comporta como formalmente, em relação a ambos, segundo do sobredito resulta claro 2, embora materialmente falando, a intenção possa ter uma intensidade que não tem, no mesmo grau, o acto interior ou exterior, p. ex., quando não queremos tomar o remédio com a mesma intensidade com que queremos a saúde. Contudo, esse mesmo querer intensamente a saúde redunda formalmente na intensa vontade de tomar o remédio. É preciso porém considerar que a intensidade do acto interior ou exterior pode referir-se à intenção como objecto desta, p. ex., quando temos a intenção de querer ou fazer alguma coisa, intensamente. Mas, daí não se segue que queiramos ou operamos intensamente, porque o grau do bem visado não é correlativo à bondade do acto interior ou exterior, como já se disse. Donde, não merecemos tanto quanto temos a intenção de merecer, porque o grau do mérito consiste na intensidade do acto, como a seguir se dirá 3.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― A Glosa aduzida refere-se ao juízo de Deus, que leva em conta principalmente o fim intencional. E por isso, outra Glosa diz, no mesmo passo, que o tesouro do coração é a intenção, pela qual Deus julga as obras. Pois, a bondade da intenção, como já dissemos, redunda de certo modo na bondade da vontade, que faz o mesmo acto exterior meritório, perante Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― A bondade da intenção não é a causa total de ser a vontade boa. Donde, a objecção não colhe.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Para a malícia da vontade, basta a da intenção, por isso, quanto esta é má, tanto o é aquela. Mas como dissemos, o mesmo não se dá com a bondade.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 19, a. 7.
2. Q. 12, a. 4, q. 18, a. 6.
3. Q. 20, a. 4, q. 114, a. 4.


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