20/01/2013

Tratado dos actos humanos 8


Art. 7 ― Se a concupiscência causa o involuntariedade.



(III Ethic., lect. II, IV).




O sétimo discute-se assim. ― Parece que a concupiscência causa a voluntariedade.


1. ― Pois, como o medo, também a concupiscência é uma paixão. Ora, aquele causa, de certo modo, a involuntariedade. Logo também a concupiscência o causa.

2. Demais. ― Assim como por temor o tímido age contra o que propusera, assim também o incontinente, por concupiscência. Ora, o temor causa, de certo modo, a involuntariedade. Logo, também a concupiscência.

3. Demais. ― A voluntariedade supõe o conhecimento. Ora, a este, concupiscência corrompe-o, pois, como diz o Filósofo 1, o deleite, ou concupiscência do deleite, corrompe a estimativa da prudência. Logo, a concupiscência causa a involuntariedade.

Mas, em contrário, diz Damasceno 2: A involuntariedade é feita com tristeza e é digna de misericórdia ou indulgência. Ora, nada disto cabe ao feito por concupiscência. Logo, esta não causa a in voluntariedade.

A concupiscência não causa a involuntariedade, mas, antes a voluntariedade. Pois esta é assim chamada por a vontade  se inclinar para ele. Ora, pela concupiscência a vontade é inclinada a querer o desejado. Logo, a concupiscência causa, antes, a voluntariedade que a involuntariedade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O temor é relativo ao mal, porém a concupiscência, ao bem. Ora, ao passo que aquele é contrário, esta é consoante a vontade. Donde, o temor, mais que a concupiscência, causa a involuntariedade.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Em quem age por medo, repugna a vontade ao que faz, em si considerado. Mas no que age por concupiscência, como o incontinente, não permanece a vontade anterior, pela qual repudiava o que deseja, senão que passa a querer o que antes repudiava. E portanto, no feito por medo, há-de certo modo involuntariedade, mas esta de nenhum modo existe no feito por concupiscência. Pois o incontinente, por concupiscência, age contra o que antes propusera. Não, porém, contra o que actualmente quer. Ao passo que o tímido age contra o que ainda actualmente quer, em si mesmo.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Se a concupiscência travasse totalmente o conhecimento, como se dá com os que ela torna amantes, resultaria a eliminação da voluntariedade. Mas nem por isso haveria aí propriamente involuntariedade, pois nos privados do uso da razão não há voluntariedade nem involuntariedade. Às vezes, porém, no feito por concupiscência não fica totalmente travado o conhecimento, porque não se elimina o poder de conhecer, mas só a consideração actual relativa ao que se vai fazer. Ora, isto mesmo é voluntário, porque chama-se voluntariedade o que está no poder da vontade, como não agir, não querer, e semelhantemente, não considerar, pois, a vontade pode resistir à paixão, como a seguir se dirá 3.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. VI Ethic., lect. IV.
2. Lib. II Fid. Orth., cap. XXIV.
3. Q. 10, a. 3, q. 77, a. 7.

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