30/11/2012

Tratado sobre a conservação e o governo das coisas 69



Questão 118: Da geração da alma humana.


Em seguida deve-se tratar da geração do homem. E primeiro, quanto à alma. Segundo, quanto ao corpo.

Sobre a primeira questão três artigos se discutem:
Art. 1 — Se a alma sensitiva é transmitida com o sémen ou por criação de Deus.
Art. 2 — Se a alma intelectiva é causada pelo sémen.
Art. 3 — Se as almas humanas foram criadas simultaneamente, no princípio do mundo.



Art. 1 — Se a alma sensitiva é transmitida com o sémen ou por criação de Deus.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a alma sensitiva não é transmitida com o sémen, mas por criação de Deus.

1. — Pois, como nada é gerado, senão da matéria, a substância perfeita, não composta de matéria e forma, não pode ser gerada, mas criada. Ora, a alma sensitiva é uma substância perfeita, de contrário não poderia mover o corpo, e sendo a forma deste, não é composta de matéria e forma. Logo, começa a existir, não por geração, mas, por criação.

2. Demais. — O princípio da geração, nos seres vivos, está na potência geratriz, que, sendo uma das virtudes da alma vegetactiva, é inferior à alma sensitiva. Ora, como nada pode ultrapassar a acção da sua espécie, a alma sensitiva não pode ser causada por virtude geratriz do animal.

3. Demais. — Como o gerador gera o seu semelhante, necessário é que a forma do gerado esteja actualmente na causa da geração. Ora, nem a alma sensitiva, em si, nem nenhuma parte sua, está actualmente no sémen, porque qualquer parte dessa alma só pode estar em alguma parte do corpo e, não há no sémen nenhuma partícula do corpo, porque não há nenhuma que não seja gerada do sémen e por virtude dele. Logo, a alma sensitiva não é causada pelo sémen.

4. Demais. — Se há no sémen algum princípio activo da alma sensitiva, esse princípio permanece ou não, depois do animal gerado. Ora, não pode permanecer. Pois, ou se identificaria com a alma sensitiva do animal gerado, o que é impossível, porque então identificar-se-ia o gerador com o gerado, e o que faz com o que é feito, ou seria diferente, o que também é impossível, porque, como já se demonstrou, um animal não pode ter senão um principio formal, que é a alma. Mas também, é impossível não permanecer, porque o é que um agente atue para a corrupção de si mesmo. Logo, a alma sensitiva não pode ser gerada do sémen.

Mas, em contrário. — A virtude do sémen está para os animais por ele gerados, como a dos elementos do mundo, para os animais deles pro­duzidos — p. ex., os gerados da putrefacção. Ora, nestes últimos as almas são produzidas pela virtude dos elementos, conforme a Escritura: Produzam as águas répteis de alma vivente. Logo, as almas dos animais gerados do sémen são produzidas pela virtude deste.

Alguns disseram que as almas sensitivas dos animais são criadas por Deus, opinião admissível, se a alma sensitiva fosse um ser subsistente, com existência e operação próprias, e então, teria que ser feita. E como o ser simples e subsistente não pode ser feito senão por criação, essa alma existiria, criada. — Mas, como resulta do que já se estabeleceu, é falso o ponto de partida, que a alma sensitiva tenha existência e operação próprias, porque então não se corromperia com a corrupção do corpo.

Donde, não sendo forma subsistente, existe como as outras formas corpóreas às quais em si mesmas, não é devida a existência, diz-se que existem porque fazem existir os compostos subsistentes. Por onde, estes é que devem ser feitos. E como o gerador é semelhante ao gerado, é necessário que naturalmente a alma sensitiva e formas semelhantes tenham a existência produzida por certos agentes corpóreos, que transmutam a matéria, da potência para o actual, por alguma virtude corpórea neles existentes. Ora, quanto mais potente é o agente, tanto mais pode difundir a sua acção a maior distância, assim, quanto mais quente for um corpo tanto mais longe alcançará a sua calefacção. Por onde, os corpos não-vivos, sendo inferiores, na ordem da natureza, geram o semelhante, certo, não por meio de outro corpo, mas por si mesmos, assim, o fogo gera por si mesmo o fogo. Mas os corpos vivos, mais potentes, geram o semelhante sem e com intermédio de outro corpo. Sem intermédio na operação nutritiva, pela qual a carne gera a carne, com intermédio, no acto da geração, porque da alma geratriz deriva a virtude activa do sémen, mesmo do animal, ou da semente da planta, assim corno, do agente principal, deriva, a virtude motora do instrumento. E assim corno não difere dizer que algo é movido pelo instrumento ou pelo agente principal, assim, não difere, que a alma do gerado seja causada pela do gerador ou pela virtude desta derivada, existente no sémen.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A alma sensitiva não é uma substância perfeita subsistente por si. E como já se tratou disto antes, não é necessário repetir aqui.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A virtude geratriz não gera somente por virtude própria, mas pela de toda a alma, da qual é potência. E por isso, a virtude geratriz da planta gera a planta, e a do animal, o animal. Pois, quanto mais perfeita for a alma tanto mais a virtude geratriz se ordena para a perfeição dos efeitos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A virtude activa do sémen, derivada da alma geratriz, é por assim dizer moção dessa alma, não sendo alma, ou parte da alma, senão virtualmente, assim como na serra ou no machado não está a forma do leito, mas uma certa moção para tal forma. Donde, não é necessário que essa virtude activa tenha um órgão actual, mas funda-se no próprio espírito incluso no sémen, que é espumoso, como o atesta a sua brancura. E nesse espírito há também certo calor, por virtude dos corpos celestes, por cuja virtude também os agentes inferiores agem, tendendo para a espécie, como já se disse. E como nesse espírito concorre a virtude da alma com a celeste, diz-se que o homem, com o sol, gera o homem. O calor elementar porém comporta-se instrumentalmente em relação à virtude da alma, como também em relação à virtude nutritiva, segundo diz Aristóteles.

RESPOSTA À QUARTA. — Nos animais perfeitos, gerados pelo coito, a virtude activa está no sémen do macho, conforme o Filósofo, e a fêmea ministra a matéria do feto. E nesta, logo, desde o princípio, existe a alma vegetal, por acto não segundo, mas, primeiro, assim como a alma sensitiva existe nos adormecidos. Pois, quando começa a alimentar-se, já opera actualmente. Por onde, essa matéria se transmuta pela virtude existente no sémen do macho até que seja levada ao acto da alma sensitiva, e não que a virtude mesma, que existe no sémen, venha a ser a alma sensitiva, porque então identificar-se-ia o gerador com o gerado e haveria, antes, nutrição e crescimento, do que geração, como diz o Filósofo. Porém, depois que, por virtude do princípio activo, que existia no sémen, foi produzida a alma sensitiva do gerado, quanto à parte principal, então a alma sensitiva do ser gerado começa a operar, como complemento do corpo próprio, nutrindo-se e crescendo. Porém, a virtude activa, existente, no sémen, deixa de existir com a dissolução deste e como o evanesci mento do seu espírito. Nem é isto inconveniente, porque essa virtude não é o agente principal, mas o instrumental, ora, a moção instrumental cessa com a existência do efeito.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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