26/10/2012

Leitura espiritual para 26 Out 2012


Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.


Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Jo 4, 1-18

1 Quando Jesus soube que os fariseus tinham ouvido que Ele fazia mais discípulos e baptizava mais que João, 2 (todavia, não era Jesus que baptizava mas os Seus discípulos), 3 deixou a Judeia e foi outra vez para a Galileia. 4 Devia, por isso, passar pela Samaria. 5 Chegou, pois, a uma cidade da Samaria chamada Sicar, junto da herdade que Jacob deu a seu filho José. 6 Estava lá o poço de Jacob. Fatigado da viagem, Jesus sentou-Se sobre a borda do poço. Era quase a hora sexta. 7 Veio uma mulher da Samaria tirar água. Jesus disse-lhe: «Dá-Me de beber». 8 Os Seus discípulos tinham ido à cidade comprar mantimentos. 9 Disse-Lhe, então, a mulher: «Como, sendo Tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou samaritana?». Com efeito, os judeus não se dão com os samaritanos. 10 Jesus respondeu: «Se tu conhecesses o dom de Deus, e Quem é que te diz: “Dá-Me de beber”, certamente Lhe pedirias e Ele te daria de uma água viva». 11 A mulher disse-Lhe: «Senhor, Tu não tens com que a tirar e o poço é fundo; donde tens, pois, essa água viva? 12 És Tu, porventura, maior do que o nosso pai Jacob que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu, e os seus filhos e os seus gados?». 13 Jesus respondeu: «Todo aquele que bebe desta água tornará a ter sede, 14 mas aquele que beber da água que Eu lhe der, jamais terá sede: a água que Eu lhe der virá a ser nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna». 15 A mulher disse-Lhe: «Senhor, dá-me dessa água, para eu não ter mais sede, nem ter de vir aqui tirá-la». 16 Jesus disse-lhe: «Vai, chama o teu marido e vem cá». 17 A mulher respondeu-Lhe: «Não tenho marido». Jesus replicou: «Disseste bem: não tenho marido; 18 porque tiveste cinco maridos e o que agora tens, não é o teu marido; isto disseste com verdade».






CARTA ENCÍCLICA
PACEM IN TERRIS
DO SUMO PONTÍFICE PAPA JOÃO XXIII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS, BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
AO CLERO E FIÉIS DE TODO O ORBE,
BEM COMO A TODAS AS PESSOAS DE BOA VONTADE
A PAZ DE TODOS OS POVOS NA BASE DA VERDADE,
JUSTIÇA, CARIDADE E LIBERDADE

IVª PARTE

RELAÇÕES ENTRE OS SERES HUMANOS
E AS COMUNIDADES POLÍTICAS COM A COMUNIDADE MUNDIAL

…/5

Deficiência da actual organização da autoridade pública em relação ao bem comum universal

131. A unidade universal do convívio humano é um fato perene. É que o convívio humano tem por membros seres humanos que são todos iguais por dignidade natural. Por conseguinte, é também perene a exigência natural de realização, em grau suficiente, do bem comum universal, isto é, do bem comum de toda a família humana.

132. Outrora podia pensar-se com razão que os poderes públicos das diferentes comunidades políticas estavam em condições de obter o bem comum universal, quer através das vias diplomáticas normais, quer mediante encontros e conferências de cúpula, com o emprego de instrumentos jurídicos tais como as convenções e tratados, instrumentos jurídicos esses sugeridos pelo direito natural, pelo direito das gentes e pelo direito internacional.

133. Hoje em dia, como consequência das profundas transformações que se verificaram nas relações da convivência humana o bem comum universal suscita problemas complexos, muito graves, extremamente urgentes, sobretudo em matéria de segurança e paz mundial. Ao mesmo tempo os poderes públicos de cada comunidade política, postos como estão em pé de igualdade jurídica entre si, mesmo que multipliquem conferências e afinem o próprio engenho para a elaboração de novos instrumentos jurídicos, não estão mais em condições de enfrentar e resolver adequadamente estes problemas, não por falta de vontade ou de iniciativa, mas por motivo de uma deficiência estrutural, por uma carência de autoridade.

134. Pode, portanto, afirmar-se que na presente conjuntura histórica não se verifica uma correspondência satisfatória entre a estrutura política dos Estados com o respectivo funcionamento da autoridade pública no plano mundial, e as exigências objectivas do bem comum universal.

Relação entre o conteúdo histórico do bem comum e a configuração e funcionamento dos poderes públicos

135. Existe evidentemente uma relação intrínseca entre o conteúdo histórico do bem comum e a configuração e funcionamento dos poderes públicos. Porquanto, assim como a ordem moral requer uma autoridade pública para a obtenção do bem comum na convivência humana, postula também, consequentemente, que esta autoridade seja capaz de conseguir o fim proposto. Comporta isto que os órgãos em que a autoridade se encarna, opera e demanda o seu fim, sejam estruturados e actuem de tal modo que possam adequadamente traduzir em realidade os conteúdos novos que o bem comum venha assumindo na evolução histórica.

136. O bem comum universal levanta hoje problemas de dimensão mundial que não podem ser enfrentados e resolvidos adequadamente senão por poderes públicos que possuam autoridade, estruturas e meios de idênticas proporções, isto é, de poderes públicos que estejam em condições de agir de modo eficiente no plano mundial. Portanto, é a própria ordem moral que exige a instituição de alguma autoridade pública universal.

Poderes públicos instituídos de comum acordo e não impostos pela força

137. Esses poderes públicos dotados de autoridade no plano mundial e de meios idóneos para alcançar com eficácia os objectivos que constituem os conteúdos concretos do bem comum universal, devem ser instituídos de comum acordo entre todos os povos e não com a imposição pela força. É que tais poderes devem estar em condições de operar eficazmente e, portanto, a sua atuação deve inspirar-se de equitativa e efectiva imparcialidade, tendente à concretização das exigências objectivas do bem comum universal. De contrário dever-se-ia temer que poderes públicos supra-nacionais ou mundiais, impostos à força pelas comunidades políticas mais poderosas, se tornassem instrumentos de interesses particularistas. Mesmo que tal não se verificasse, seria muito difícil evitar, nesta hipótese, qualquer suspeita de parcialidade, o que comprometeria a eficácia da sua acção. Embora as nações muito se diferenciem pelo grau de desenvolvimento económico e pelo poderio militar, são todavia muito ciosas em resguardar a igualdade jurídica e a própria dignidade moral. Por este motivo, com razão, não se dobram a uma autoridade que lhes é imposta à força ou para cuja instituição não contribuíram ou a que não aderiram espontaneamente.

O bem comum universal e os direitos da pessoa humana

138. Como o bem comum de cada comunidade política assim também o bem comum universal não pode ser determinado senão tendo em conta a pessoa humana. Por isso, com maior razão, os poderes públicos da comunidade mundial devem considerar objectivo fundamental o reconhecimento, o respeito, a tutela e a promoção dos diretos da pessoa humana, com acção directa, quando for o caso, ou criando, no plano mundial, condições em que se torne mais viável aos poderes públicos de cada comunidade política exercer as próprias funções específicas.

Princípio de subsidiariedade

139. Como as relações entre os indivíduos, famílias, organizações intermédias e os poderes públicos das respectivas comunidades políticas devem estar reguladas e moderadas, no plano nacional, segundo o princípio de subsidiariedade, assim também, à luz do mesmo princípio, devem disciplinar-se as relações dos poderes públicos de cada comunidade política com os poderes públicos da comunidade mundial. Isto significa que os problemas de conteúdo económico, social, político ou cultural, a serem enfrentados e resolvidos pelos poderes públicos da comunidade mundial hão-de ser da alçada do bem comum universal, isto é serão problemas que pela sua amplidão, complexidade e urgência os poderes públicos de cada comunidade política não estejam em condições de afrontar com esperança de solução positiva.

140. Os poderes públicos da comunidade mundial não têm como fim limitar a esfera de acção dos poderes públicos de cada comunidade política e nem sequer de substituir-se a eles. Ao invés, devem procurar contribuir para a criação, em plano mundial, de um ambiente em que tanto os poderes públicos de cada comunidade política, como os respectivos cidadãos e grupos intermédios, com maior segurança, possam desempenhar as próprias funções, cumprir os seus deveres e fazer valer os seus direitos. [1]

Sinais dos tempos

141. Como todos sabem, a 26 de Junho de 1945, foi constituída a Organização das Nações Unidas (ONU). A ela se juntaram depois organizações de âmbito especializado, compostas de membros nomeados pela autoridade pública das diversas nações. A estas instituições estão confiadas atribuições internacionais de grande importância no campo económico, social, cultural, educacional e sanitário. As Nações Unidas propuseram-se como fim primordial manter e consolidar a paz entre os povos, desenvolvendo entre si relações amistosas, fundadas nos princípios de igualdade, de respeito mútuo, de cooperação multiforme em todos os sectores da actividade humana.

142. Um acto de altíssima relevância efectuado pelas Nações Unidas foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em assembleia geral, a 10 de Dezembro de 1948. No preâmbulo desta Declaração proclama-se, como ideal a ser demandado por todos os povos e por todas as nações, o efectivo reconhecimento e salvaguarda daqueles direitos e das respectivas liberdades.

143. Contra alguns pontos particulares da Declaração foram feitas objeções e reservas fundadas. Não há dúvida, porém, que o documento assinala um passo importante no caminho para a organização jurídico-política da comunidade mundial. De facto, na forma mais solene, nele se reconhece a dignidade de pessoa a todos os seres humanos, proclama-se como direito fundamental da pessoa o de mover-se livremente na procura da verdade, na realização do bem moral e da justiça, o direito a uma vida digna, e defendem-se outros direitos conexos com estes.

144. Fazemos, pois, ardentes votos que a Organização das Nações Unidas, nas suas estruturas e meios, se conforme cada vez mais à vastidão e nobreza de suas finalidades, e chegue o dia em que cada ser humano encontre nela uma protecção eficaz dos direitos que promanam imediatamente de sua dignidade de pessoa e que são, por isso mesmo, direitos universais, invioláveis, inalienáveis. Tanto mais que hoje, participando as pessoas cada vez mais activamente na vida pública das próprias comunidades políticas, denotam um interesse crescente pelas vicissitudes de todos os povos e maior consciência de serem membros vivos de uma comunidade mundial.

Vª PARTE

DIRETRIZES PASTORAIS

Dever de participação na vida pública

145. Ainda uma vez exortamos nossos filhos ao dever de participarem activamente da vida pública e de contribuírem para a obtenção do bem comum de todo o género humano e da própria comunidade política, e de esforçarem-se portanto, à luz da fé cristã e com a força do amor, para que as instituições de finalidade económica, social, cultural e política sejam tais que não criem obstáculos, mas antes facilitem às pessoas o próprio melhoramento, tanto na vida natural como na sobrenatural.

Competência científica, capacidade técnica, perícia profissional

146. Para impregnarem uma civilização de normas rectas e princípios cristãos, não basta gozar da luz da fé e arder no desejo do bem. É necessário para tanto inserir-se nas suas instituições e trabalhá-las eficientemente por dentro.

147. A cultura actual salienta-se sobretudo por sua índole científica e técnica. Assim ninguém pode penetrar nas suas instituições se não for cientificamente competente, tecnicamente capaz, profissionalmente perito.

A acção, como síntese dos elementos científico-técnico-profissionais e dos valores espirituais

148. Entretanto, não se julgue que a competência científica, a capacidade técnica e a experiência profissional bastam para tornar as relações de convivência genuinamente humanas, isto é, fundadas na verdade, comedidas na justiça, corroboradas no mútuo amor, realizadas na liberdade.

149. Para tanto requer-se, sim, que as pessoas desempenhem as suas actividades de cunho temporal obedecendo às leis imanentes a essas actividades e seguindo métodos correspondentes à sua natureza. Mas requer-se, ao mesmo tempo, que desempenhem essas actividades no âmbito da ordem moral, como exercício de um direito e cumprimento de um dever, como resposta positiva a um mandamento de Deus, colaboração à sua acção salvífica, e contribuição pessoal à realização de seus desígnios providenciais na história. Numa palavra, requer-se que as pessoas vivam, no próprio íntimo, o seu agir de cunho temporal como uma síntese dos elementos científico-técnico-profissionais e dos valores espirituais.

Harmonização nos cristãos entre a fé religiosa e a atividade temporal

150. Nos países de tradição cristã florescem hoje, com o progresso técnico-científico, as instituições de ordem temporal e revelam-se altamente eficientes na consecução dos respectivos fins. Entretanto, carecem não raro de fundamentação e inspiração cristã.

151. Por outro lado, na criação dessas instituições contribuíram não pouco e continuam a contribuir pessoas que têm o nome de cristãos, que, pelo menos em parte, ajustam a sua vida às normas evangélicas. Como se explica tal fenómeno? Cremos que a explicação está na ruptura entre a fé e a actividade temporal. É, portanto, necessário que se restaure neles a unidade interior, e que na sua actividade humana domine a luz orientadora da fé e a força vivificante do amor.

Desenvolvimento integral dos seres humanos em formação

152. Julgamos também que nos cristãos a ruptura entre fé religiosa e acção temporal resulta, pelo menos em parte, da falta de uma sólida formação cristã. Acontece de facto, demasiadas vezes, em muitos ambientes que não haja proporção entre a instrução científica e a instrução religiosa: a científica estende-se até aos graus superiores do ensino, enquanto a religiosa permanece em grau elementar. Torna-se indispensável, pois, que a educação da mocidade seja integral e ininterrupta, que o conhecimento da religião e a formação do critério moral progridam gradualmente com a assimilação contínua e cada vez mais rica de elementos técnico-científicos. É ainda indispensável que se proporcione aos jovens adequada iniciação no desempenho concreto da própria actividade profissional. [2]

Empenho constante

153. Será oportuno lembrar como é difícil captar com suficiente objectividade a correspondência entre as situações concretas e as exigências da justiça, indicando claramente os graus e formas segundo os quais os princípios e as diretrizes doutrinais devem traduzir-se na presente realidade social.

154. Essa identificação de graus e formas torna-se mais difícil nesta nossa época, caracterizada por acentuado dinamismo; época, aliás, que de cada um reclama uma parcela de contribuição para o bem comum universal. Daí, não ser, jamais definitiva, a solução do problema da adaptação da realidade social às exigências objectivas da justiça. Os nossos filhos devem, pois, prestar atenção de não se deixarem ficar na satisfação de resultados já obtidos.

155. Para todos os seres humanos constitui quase um dever pensar que o que já se tiver realizado é sempre pouco, em comparação com o que resta por fazer, a fim de reajustar os organismos produtivos, as associações sindicais, as organizações profissionais, os sistemas previdenciais, as instituições jurídicas, os regimes políticos, as organizações culturais, sanitárias, desportivas etc., às dimensões próprias da era do átomo e das conquistas espaciais: era, na qual a humanidade, já entrou encetando esta sua nova jornada com perspectivas de infinda amplidão.

Relações dos católicos com os não-católicos no campo económico-social político

156. As linhas doutrinais aqui traçadas brotam da própria natureza das coisas e, as mais das vezes, pertencem à esfera do direito natural. A aplicação delas oferece, por conseguinte, aos católicos vasto campo de colaboração tanto com cristãos separados desta sé apostólica, como com pessoas sem nenhuma fé cristã, nas quais, no entanto, está presente a luz da razão e operante a honradez natural. "Em tais circunstâncias, procedam com atenção os católicos, de modo a serem coerentes consigo mesmos e não descerem a compromissos em matéria de religião e de moral. Mas, ao mesmo tempo, mostrem espírito de compreensão desinteresse e disposição a colaborar lealmente na consecução de objectivos bons por natureza, ou que, pelo menos, se possam encaminhar para o bem". [3]

157. Não se deverá jamais confundir o erro com a pessoa que erra, embora se trate de erro ou inadequado conhecimento em matéria religiosa ou moral. A pessoa que erra não deixa de ser uma pessoa, nem perde nunca a dignidade do ser humano, e portanto merece sempre estima. Ademais, nunca se extingue na pessoa humana a capacidade natural de abandonar o erro e abrir-se ao conhecimento da verdade. Nem lhe faltam nunca neste intuito os auxílios da divina Providência. Quem, num certo momento de sua vida, se encontre privado da luz da fé ou tenha aderido a opiniões erróneas, pode, depois de iluminado pela luz divina, abraçar a verdade. Os encontros em vários sectores de ordem temporal entre católicos e pessoas que não têm fé em Cristo ou a têm de modo erróneo, podem ser para estes ocasião ou estímulo para chegarem à verdade.

158. Além disso, cumpre não identificar falsas ideias filosóficas sobre a natureza, a origem e o fim do universo e do homem com movimentos históricos de finalidade económica, social, cultural ou política, embora tais movimentos encontrem nessas ideias filosóficas a sua origem e inspiração. A doutrina, uma vez formulada, é aquilo que é, mas um movimento, mergulhado como está em situações históricas em contínuo devir, não pode deixar de lhes sofrer o influxo e, portanto, é susceptível de alterações profundas. De resto, quem ousará negar que nesses movimentos, na medida em que concordam com as normas da recta razão e interpretam as justas aspirações humanas, não possa haver elementos positivos dignos de aprovação?

159. Pode, por conseguinte, acontecer que encontros de ordem prática, considerados até agora inúteis para ambos os lados, sejam hoje ou possam vir a ser amanhã, verdadeiramente frutuosos. Decidir se já chegou tal momento ou não, e estabelecer em que modos e graus se hão-de conjugar esforços na demanda de objectivos económicos, sociais, culturais, políticos, que se revelem desejáveis e úteis para o bem comum, são problemas que só a virtude da prudência, moderadora de todas as virtudes que regem a vida individual e social pode resolver. No que se refere aos católicos, compete tal decisão, em primeiro lugar, aos que revestem cargos de responsabilidade nos sectores específicos da convivência em que tais problemas ocorrem, sempre, contudo, de acordo com os princípios do direito natural, com a doutrina social da Igreja e as directrizes da autoridade eclesiástica. Pois ninguém deve esquecer que compete à Igreja o direito e o dever não só de salvaguardar os princípios de ordem ética e religiosa, mas ainda de intervir com autoridade junto de seus filhos na esfera da ordem temporal, quando se trata de julgar da aplicação desses princípios aos casos concretos. [4]

Progresso gradual

160. Não faltam almas dotadas de particular generosidade que, ao enfrentar situações pouco ou nada conformes com as exigências da justiça, se sentem arder no desejo de tudo renovar, deixando-se arrebatar por tal ímpeto, que até parecem propender para uma espécie de revolução.

161. Lembrem-se, porém, de que, por necessidade vital, tudo cresce gradualmente. Também nas instituições humanas nada se pode renovar, senão agindo de dentro, passo por passo. Já o nosso predecessor, de feliz memória, Pio XII o proclamava com estas palavras: "Não é na revolução que reside a salvação e a justiça, mas sim na evolução bem orientada. A violência só e sempre destrói, nada constrói; só excita paixões, nunca as aplaca; só acumula ódio e ruínas e não a fraternidade e a reconciliação. A revolução sempre precipitou homens e partidos na dura necessidade de terem que reconstruir lentamente, após dolorosos transes, por sobre os escombros da discórdia". [5]

Tarefa imensa

162. A todos os homens de boa vontade incumbe a imensa tarefa de restaurar as relações de convivência humana na base da verdade, justiça, amor e liberdade: as relações das pessoas entre si, as relações das pessoas com as suas respectivas comunidades políticas, e as dessas comunidades entre si, bem como o relacionamento de pessoas, famílias, organismos intermédios e comunidades políticas com a comunidade mundial. Tarefa nobilíssima, a de realizar verdadeira paz, segundo a ordem estabelecida por Deus.

163. Bem poucos são na verdade, em comparação com a urgência da tarefa, os beneméritos que se consagram a esta restauração da vida social conforme os critérios aqui apontados. A eles chegue o nosso público apreço, o nosso férvido convite a perseverarem em sua obra com renovado ardor. Conforta-nos ao mesmo tempo a esperança de que a eles se aliem muitos outros, especialmente dentre os cristãos. É um imperativo do dever, é uma exigência do amor. Cada cristão deve ser na sociedade humana uma centelha de luz, um foco de amor, um fermento para toda a massa. Tanto mais o será, quanto mais na intimidade de si mesmo viver unido com Deus.

164. Em última análise, só haverá paz na sociedade humana, se esse estiver presente em cada um dos membros, se em cada um se instaurar a ordem querida por Deus. Assim interroga Santo Agostinho ao homem: "Quer a tua alma vencer tuas paixões? Submeta-se a quem está no alto e vencerá o que está em baixo. E haverá paz em ti, paz verdadeira, segura, ordenadíssima. Qual é a ordem dessa paz? Deus comandando a alma, a alma comandando o corpo. Nada mais ordenado". [6]

O Príncipe da paz

165. Estas nossas palavras sobre questões que tanto preocupam actualmente a família humana e cuja solução condiciona o progresso da sociedade, foram-nos inspiradas pelo profundo anseio que sabemos ser comum a todos os homens de boa vontade: a consolidação da paz na terra.

166. Como representante – ainda que indigno – daquele que o anúncio profético chamou o "Príncipe da Paz" (cf. Is 9,6), julgamos nosso dever consagrar os nossos pensamentos, preocupações e energias à consolidação deste bem comum. Mas a paz permanece palavra vazia de sentido, se não se funda na ordem que, com confiante esperança, esboçamos nesta nossa carta encíclica: ordem fundada na verdade, construída segundo a justiça, alimentada e consumada na caridade, realizada sob os auspícios da liberdade.

167. Este intento é tão nobre e elevado, que homem algum, embora louvavelmente animado de toda boa vontade, o poderá levar a efeito só com as próprias forças. Para que a sociedade humana seja espelho o mais fiel possível do Reino de Deus, é grandemente necessário o auxílio do alto.

168. É natural, pois, que nestes dias sagrados, elevemos suplicante prece a quem com sua dolorosa paixão e morte venceu o pecado, factor de dissensões, misérias e desequilíbrios, e no seu sangue reconciliou a humanidade com o Pai celeste, trazendo à terra os dons da paz: "Porque ele é a nossa paz: de ambos os povos fez um só... Veio e anunciou paz a vós que estáveis longe, e a paz aos que estavam perto" (Ef 2,14-17).

169. Nos ritos litúrgicos [7] destes dias ressoa a mesma mensagem: nosso Senhor Jesus Cristo ressurgido, de pé no meio dos seus discípulos, disse: "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá" (Jo 14,27).

170. Esta paz, peçamo-la com ardentes preces ao Redentor divino que no-la trouxe. Afaste ele dos corações dos homens quanto pode pôr em perigo a paz e os transforme a todos em testemunhas da verdade, da justiça e do amor fraterno. Ilumine com sua luz a mente dos responsáveis dos povos, para que, junto com o justo bem-estar dos próprios concidadãos, lhes garantam o belíssimo dom da paz. Inflame Cristo a vontade de todos os seres humanos para abaterem barreiras que dividem, para corroborarem os vínculos da caridade mútua, para compreenderem os outros, para perdoarem aos que tiverem injuriado. Sob a inspiração da sua graça, tornem-se todos os povos irmãos e floresça neles e reine para sempre essa tão suspirada paz.

171. Em penhor desta paz e fazendo votos, veneráveis irmãos, para que ela se irradie sobre as comunidades cristãs que vos estão confiadas e sirva de auxílio e defesa especialmente dos mais humildes e necessitados, concedemos de coração a bênção apostólica a vós, aos sacerdotes seculares e regulares, aos religiosos e religiosas e aos fiéis das vossas dioceses, particularmente àqueles que se esforçarão para pôr em prática estas nossas exortações. Enfim, para todos os homens de boa vontade, a quem também se destina esta nossa encíclica, imploramos de Deus Altíssimo saúde e prosperidade.

Dado em Roma, junto de São Pedro, na Solenidade da Ceia de nosso Senhor, a 11 de Abril do ano de 1963, quinto do nosso Pontificado.


JOÃO PP. XXIII

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama



Notas:
[1] Cf. Pio XII, Discurso aos jovens da Ação Católica das dioceses da Itália reunidos em Roma, no dia 12 de Setembro de 1948, AAS 40 (1948), p. 412.
[2] Cf. João XXIII, Carta Encicl. Mater et Magistra, AAS 53 (1961), p. 454.
[3] Ibid., pp. 456.
[4] Ibid., pp. 456-457; cf. Leão XIII, Carta Encicl. Immortale Dei, acta Leonis XIII, V,1885, p.128; Pio XI, Carta Encicl. Ubi Arcano, AAS 14(1922), p. 698; Pio XII, Discurso às Delegadas da União Internacional das mulheres católicas reunidas em Roma, no dia 11 de Setembro de 1947, AAS 39(1947), p. 486.
[5] Cf.  Discurso aos operários das dioceses da Itália reunidos em Roma, na festa de Pentecostes, no dia 13 de Junho de 1943, AAS 35(1943), p.195.
[6] Miscellanea Augustiniana... S. Augustini Sermones post Maurinos reperti, Roma 1930, p. 633.
[7] Responsório, nas Mat. da VI féria dentro da oitava da Páscoa.

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