Questão 87: Como a alma
intelectiva se conhece a si mesma e àquilo que nela existe.
(III Sent., dist. XXIII, q. 1,
a. 2, ad 3; II Cont. Gent., cap. LXXV; De Verit., q. 10, a. 9;
II De Anima, lect VI).
O terceiro discute-se assim. ― Parece
que o nosso intelecto não conhece o acto próprio.
1. ― Pois, é propriamente conhecido o
que é objeto da virtude cognoscitiva. Ora, o acto difere do objeto. Logo, o
intelecto não conhece o acto próprio.
2. Demais. ― Tudo o que é conhecido o
é por algum acto. Ora, se o intelecto conhece o acto próprio, por algum acto o
conhece; e, de novo, esse acto, por outro. Donde, há-se de proceder até o
infinito, o que é impossível.
3. Demais. ― O sentido está para o seu
acto, como o intelecto para o seu. Ora, o sentido próprio não sente o seu acto,
pois isso pertence ao sentido comum, como já se disse. Logo, nem o intelecto
intelige o seu acto.
Mas, em contrário, diz Agostinho:
Intelijo-me como inteligente.
Como já ficou dito (a.
1, 2), só se conhece aquilo que é actual. Ora, a perfeição última do
intelecto é a sua operação. Esta operação, porém, não é ao modo da acção tendente
para uma coisa exterior, como p. ex., a edificação é a perfeição da coisa
edificada; mas permanece no operante, como perfeição e acto deste, segundo já
se disse. Donde, isto é que primeiro é inteligido, do intelecto, a saber, o seu
próprio inteligir. ― Mas, nesta intelecção, os diversos intelectos se comportam
diversamente. ― Assim, há um intelecto, o divino, que é o seu próprio
inteligir. Donde, Deus, inteligindo-se como inteligente, intelige a sua
essência, pois esta é o seu inteligir. ― Há, porém, outro intelecto, o
angélico, que não é o inteligir próprio, como já se disse (q. 76, a. 1);
todavia, o primeiro objeto do inteligir do anjo é a própria essência dele. Donde,
embora no anjo se distinga, pela razão, o inteligir-se a si próprio, do
inteligir a sua essência, contudo, ele intelige uma e outra coisa por um mesmo acto
simultâneo. Porque, inteligir a sua essência é a perfeição própria desta; mas,
por um mesmo acto simultâneo é inteligida a coisa, com a sua perfeição. ― Há,
por fim, outro intelecto, o humano, que nem é o inteligir próprio, nem do seu
inteligir é o objeto primeiro a essência própria, mas, algo de extrínseco, que
é a natureza material da coisa. Donde, o que é primariamente conhecido pelo
intelecto humano é um objeto tal; secundariamente, é conhecido o acto mesmo
pelo qual é conhecido o objeto; e, pelo acto, é conhecido o intelecto, em si,
cuja perfeição é o inteligir. E, por isso, o Filósofo diz, que os objetos são
conhecidos antes dos actos; e os actos, antes das potências.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ―
O objeto do intelecto é algo de comum, a saber, o ser e a verdade, no que está
também compreendido o acto mesmo de inteligir. Donde, o intelecto pode conhecer
o acto próprio, mas não primariamente. Porque o primeiro objeto do nosso
intelecto, no estado da vida presente, não é qualquer ser e qualquer verdade,
mas o ser e a verdade considerados nas coisas materiais, como já se disse (q.
84, a. 7); e por eles é que o intelecto chega ao conhecimento de todas as
outras coisas.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― O inteligir
humano, em si, não é o acto e a perfeição da natureza inteligida, de modo que
possa, por um só acto, ser inteligida a natureza da coisa material e o
inteligir mesmo, assim como, por um só acto, é inteligida a coisa com a sua
perfeição. Donde, um é o acto pelo qual o intelecto intelige uma pedra e outro,
o pelo qual se intelige como inteligindo a pedra, e assim por diante. Nem há
inconveniente em que o intelecto seja potencialmente infinito, como antes já se
disse (q. 86, a. 2).
RESPOSTA À TERCEIRA. ― O sentido
próprio sente por meio da imutação do órgão material pelo sensível exterior.
Ora, não é possível que algo de material se imute a si mesmo; mas uma coisa é
imutada por outra. Donde, o acto do sentido próprio é percebido pelo sentido
comum. Ora, como o nosso intelecto não intelige por imutação material do órgão,
não há símile.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.