17/09/2012

Tratado sobre o Homem 76



Questão 87: Como a alma intelectiva se conhece a si mesma e àquilo que nela existe.

Art. 3 — Se o nosso intelecto conhece o acto próprio.


(III Sent., dist. XXIII, q. 1, a. 2, ad 3; II Cont. Gent., cap. LXXV; De Verit., q. 10, a. 9; II De Anima, lect VI).

O terceiro discute-se assim. ― Parece que o nosso intelecto não conhece o acto próprio.

1. ― Pois, é propriamente conhecido o que é objeto da virtude cognoscitiva. Ora, o acto difere do objeto. Logo, o intelecto não conhece o acto próprio.

2. Demais. ― Tudo o que é conhecido o é por algum acto. Ora, se o intelecto conhece o acto próprio, por algum acto o conhece; e, de novo, esse acto, por outro. Donde, há-se de proceder até o infinito, o que é impossível.

3. Demais. ― O sentido está para o seu acto, como o intelecto para o seu. Ora, o sentido próprio não sente o seu acto, pois isso pertence ao sentido comum, como já se disse. Logo, nem o intelecto intelige o seu acto.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Intelijo-me como inteligente.

Como já ficou dito (a. 1, 2), só se conhece aquilo que é actual. Ora, a perfeição última do intelecto é a sua operação. Esta operação, porém, não é ao modo da acção tendente para uma coisa exterior, como p. ex., a edificação é a perfeição da coisa edificada; mas permanece no operante, como perfeição e acto deste, segundo já se disse. Donde, isto é que primeiro é inteligido, do intelecto, a saber, o seu próprio inteligir. ― Mas, nesta intelecção, os diversos intelectos se comportam diversamente. ― Assim, há um intelecto, o divino, que é o seu próprio inteligir. Donde, Deus, inteligindo-se como inteligente, intelige a sua essência, pois esta é o seu inteligir. ― Há, porém, outro intelecto, o angélico, que não é o inteligir próprio, como já se disse (q. 76, a. 1); todavia, o primeiro objeto do inteligir do anjo é a própria essência dele. Donde, embora no anjo se distinga, pela razão, o inteligir-se a si próprio, do inteligir a sua essência, contudo, ele intelige uma e outra coisa por um mesmo acto simultâneo. Porque, inteligir a sua essência é a perfeição própria desta; mas, por um mesmo acto simultâneo é inteligida a coisa, com a sua perfeição. ― Há, por fim, outro intelecto, o humano, que nem é o inteligir próprio, nem do seu inteligir é o objeto primeiro a essência própria, mas, algo de extrínseco, que é a natureza material da coisa. Donde, o que é primariamente conhecido pelo intelecto humano é um objeto tal; secundariamente, é conhecido o acto mesmo pelo qual é conhecido o objeto; e, pelo acto, é conhecido o intelecto, em si, cuja perfeição é o inteligir. E, por isso, o Filósofo diz, que os objetos são conhecidos antes dos actos; e os actos, antes das potências.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― O objeto do intelecto é algo de comum, a saber, o ser e a verdade, no que está também compreendido o acto mesmo de inteligir. Donde, o intelecto pode conhecer o acto próprio, mas não primariamente. Porque o primeiro objeto do nosso intelecto, no estado da vida presente, não é qualquer ser e qualquer verdade, mas o ser e a verdade considerados nas coisas materiais, como já se disse (q. 84, a. 7); e por eles é que o intelecto chega ao conhecimento de todas as outras coisas.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― O inteligir humano, em si, não é o acto e a perfeição da natureza inteligida, de modo que possa, por um só acto, ser inteligida a natureza da coisa material e o inteligir mesmo, assim como, por um só acto, é inteligida a coisa com a sua perfeição. Donde, um é o acto pelo qual o intelecto intelige uma pedra e outro, o pelo qual se intelige como inteligindo a pedra, e assim por diante. Nem há inconveniente em que o intelecto seja potencialmente infinito, como antes já se disse (q. 86, a. 2).

RESPOSTA À TERCEIRA. ― O sentido próprio sente por meio da imutação do órgão material pelo sensível exterior. Ora, não é possível que algo de material se imute a si mesmo; mas uma coisa é imutada por outra. Donde, o acto do sentido próprio é percebido pelo sentido comum. Ora, como o nosso intelecto não intelige por imutação material do órgão, não há símile.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama

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