Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 24, 42-43; 25, 1-13
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Evangelho: Mt 24, 42-43; 25, 1-13
42 «Vigiai,
pois, porque não sabeis a que hora virá o vosso Senhor. 43 Sabei
que, se o pai de família soubesse a que hora havia de vir o ladrão, vigiaria,
sem dúvida, e não deixaria arrombar a sua casa. 44 Por isso estai
vós também preparados, porque virá o Filho do Homem na hora em que menos
pensais. 45 «Quem é, pois, o servo fiel e prudente, a quem o seu
senhor colocou à frente da sua família para lhe distribuir de comer a seu
tempo? 46 Bem-aventurado aquele servo, a quem o seu senhor, quando
vier, achar a proceder assim. 47 Na verdade vos digo que lhe
confiará o governo de todos os seus bens. 48 Mas, se aquele servo
mau disser no seu coração: “O meu senhor tarda em vir”, 49 e começar
a bater nos seus companheiros, a comer e beber com os ébrios, 50
virá o senhor daquele servo no dia em que não o espera, e na hora que não sabe,
51 e mandará açoitá-lo e dar-lhe-á a sorte dos hipócritas; ali
haverá choro e ranger de dentes.
1 «Então, o Reino dos Céus será semelhante a dez
virgens, que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo. 2
Cinco delas eram néscias, e cinco prudentes. 3 As cinco néscias,
tomando as lâmpadas, não levaram azeite consigo; 4 as prudentes,
porém, levaram azeite nas vasilhas juntamente com as lâmpadas. 5
Tardando o esposo, começaram todas a cabecear e adormeceram. 6 À
meia-noite, ouviu-se um grito: “Eis que vem o esposo! Saí ao seu encontro”. 7
Então levantaram-se todas aquelas virgens, e prepararam as suas lâmpadas. 8
As néscias disseram às prudentes: “Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas
lâmpadas apagam-se”. 9 As prudentes responderam: “Para que não
suceda que nos falte a nós e a vós, ide antes aos vendedores, e comprai para
vós”. 10 Mas, enquanto elas foram comprá-lo, chegou o esposo, e as
que estavam preparadas entraram com ele a celebrar as bodas, e foi fechada a
porta. 11 Mais tarde, chegaram também as outras virgens, dizendo:
“Senhor, Senhor, abre-nos”. 12 Ele, porém, respondeu: “Em verdade
vos digo que não vos conheço”. 13 Vigiai, pois, porque não sabeis
nem o dia nem a hora.
Ioannes Paulus PP.
II
Fides et ratio
aos Bispos da
Igreja Católica
sobre as relações
entre Fé e Razão
…/5
47. Por outro lado, é preciso não esquecer
que, na cultura moderna, foi alterada a própria função da filosofia. De
sabedoria e saber universal que era, foi-se progressivamente reduzindo a uma
das muitas áreas do saber humano; mais, sob alguns dos seus aspectos, ficou
reduzida a um papel completamente marginal. Entretanto, foram-se consolidando
sempre mais outras formas de racionalidade, pondo assim em evidência o carácter
marginal do saber filosófico. Em vez de apontarem para a contemplação da
verdade e a busca do fim último e do sentido da vida, essas formas de
racionalidade são orientadas, ou pelo menos orientáveis, como «razão instrumental»
ao serviço de fins utilitaristas, de prazer ou de poder.
Quanto seja perigoso absolutizar esta
estrada, fi-lo notar já na minha primeira carta encíclica, ao escrever: «O
homem de hoje parece estar sempre ameaçado por aquilo mesmo que produz, ou
seja, pelo resultado do trabalho das suas mãos e, ainda mais, pelo resultado do
trabalho da sua inteligência e das tendências da sua vontade. Os frutos desta
multiforme actividade do homem, com grande rapidez e de modo muitas vezes imprevisível,
passam a ser não tanto objecto de "alienação", no sentido de que são
simplesmente tirados àqueles que os produzem, como sobretudo, pelo menos
parcialmente, num círculo consequente e indirecto dos seus efeitos, tais frutos
voltam-se contra o próprio homem. Eles são de facto dirigidos, ou podem sê-lo,
contra o homem. Nisto parece consistir o acto principal do drama da existência
humana contemporânea, na sua dimensão mais ampla e universal. Assim, o homem
vive mergulhado cada vez mais no medo. Teme que os seus produtos, naturalmente
não todos nem a maior parte, mas alguns e precisamente aqueles que encerram uma
especial porção da sua genialidade e da sua iniciativa, possam ser voltados de
maneira radical contra si mesmo». 53
Na sequência destas transformações
culturais, alguns filósofos, abandonando a busca da verdade por si mesma,
assumiram como único objectivo a obtenção da certeza subjectiva ou da utilidade
prática. Em consequência, deu-se o obscurecimento da verdadeira dignidade da
razão, impossibilitada de conhecer a verdade e de procurar o absoluto.
48. Assim, o dado saliente desta última
parte da história da filosofia é a constatação duma progressiva separação entre
a fé e a razão filosófica. É verdade que, observando bem, mesmo na reflexão
filosófica daqueles que contribuíram para ampliar a distância entre fé e razão,
se manifestam às vezes gérmenes preciosos de pensamento que, se aprofundados e
desenvolvidos com mente e coração recto, podem fazer descobrir o caminho da
verdade. Estes gérmenes de pensamento podem-se encontrar, por exemplo, nas
profundas análises sobre a percepção e a experiência, a imaginação e o
inconsciente, sobre a personalidade e a inter-subjectividade, a liberdade e os
valores, o tempo e a história. Inclusive o tema da morte pode tornar-se, para
todo o pensador, um severo apelo a procurar dentro de si mesmo o sentido
autêntico da própria existência. Todavia isto não pode fazer esquecer a
necessidade que a actual relação entre fé e razão tem de um cuidadoso esforço
de discernimento, porque tanto a razão como a fé ficaram reciprocamente mais
pobres e débeis. A razão, privada do contributo da Revelação, percorreu sendas
marginais com o risco de perder de vista a sua meta final. A fé, privada da
razão, pôs em maior evidência o sentimento e a experiência, correndo o risco de
deixar de ser uma proposta universal. É ilusório pensar que, tendo pela frente
uma razão débil, a fé goze de maior incidência; pelo contrário, cai no grave
perigo de ser reduzida a um mito ou superstição. Da mesma maneira, uma razão
que não tenha pela frente uma fé adulta não é estimulada a fixar o olhar sobre
a novidade e radicalidade do ser.
À luz disto, creio justificado o meu apelo
veemente e incisivo para que a fé e a filosofia recuperem aquela unidade
profunda que as torna capazes de serem coerentes com a sua natureza, no
respeito da recíproca autonomia. Ao desassombro (parresia) da fé deve corresponder
a audácia da razão.
CAPÍTULO
V - INTERVENÇÕES DO MAGISTÉRIO EM MATÉRIA FILOSÓFICA
1. O
discernimento do Magistério como diaconia da verdade
49. A Igreja não propõe uma filosofia
própria, nem canoniza uma das correntes filosóficas em detrimento de outras. 54 A razão profunda desta reserva está no facto
de que a filosofia, mesmo quando entra em relação com a teologia, deve proceder
segundo os seus métodos e regras; caso contrário, não haveria garantia de
permanecer orientada para a verdade, tendendo para a mesma através dum processo
racionalmente controlável. Pouca ajuda daria uma filosofia que não agisse à luz
da razão, segundo princípios próprios e específicas metodologias.
Fundamentalmente, a raiz da autonomia de que goza a filosofia, há que
individuá-la no facto de a razão estar orientada, por sua natureza, para a
verdade e dotada em si mesma dos meios necessários para a alcançar. Uma
filosofia, ciente deste seu «estatuto constitutivo», não pode deixar de
respeitar as exigências e evidências próprias da verdade revelada.
E, todavia, vimos, na história, os
extravios e erros em que várias vezes incorreu o pensamento filosófico,
sobretudo moderno. Não é função nem competência do Magistério intervir para
colmar as lacunas dum discurso filosófico carente. Mas, já é sua obrigação
reagir, de forma clara e vigorosa, quando teses filosóficas discutíveis ameaçam
a recta compreensão do dado revelado e quando se difundem teorias falsas e
sectárias que semeiam erros graves, perturbando a simplicidade e a pureza da fé
do povo de Deus.
50. Por conseguinte, o Magistério
eclesiástico pode, e deve, exercer com autoridade, à luz da fé, o discernimento
crítico sobre filosofias e afirmações que contradigam a doutrina cristã. 55 Ao Magistério compete, antes de mais,
indicar os pressupostos e as conclusões filosóficas que são incompatíveis com a
verdade revelada, formulando assim as exigências que, do ponto de vista da fé,
se impõem à filosofia. Além disso, no desenvolvimento do saber filosófico,
surgiram diversas escolas de pensamento; ora, este pluralismo impõe ao Magistério
a responsabilidade de exprimir o seu juízo sobre a compatibilidade ou
incompatibilidade das concepções de base, defendidas por essas escolas, com as
exigências próprias da palavra de Deus e da reflexão teológica.
A Igreja tem o dever de indicar aquilo que
pode existir, num sistema filosófico, de incompatível com a sua fé. Na verdade,
muitos conteúdos filosóficos — relativos, por exemplo, a Deus, ao homem, à sua
liberdade e ao seu comportamento ético —, têm a ver directamente com a Igreja,
porque tocam na verdade revelada que ela guarda. Quando nós, Bispos, realizamos
o referido discernimento, temos a obrigação de ser «testemunhas da verdade», no
cumprimento dum serviço humilde, mas firme, que todo o filósofo devia prezar,
em benefício da recta ratio, ou seja, da razão que reflecte correctamente sobre
a verdade.
51. Em todo o caso, tal discernimento não
deve ser visto primariamente de forma negativa, como se a intenção do
Magistério fosse eliminar ou reduzir qualquer possibilidade de mediação; ao
contrário, as suas intervenções visam em primeiro lugar suscitar, promover e
encorajar o pensamento filosófico. Os filósofos são, aliás, os primeiros a
compreender a exigência de autocrítica, de correcção de eventuais erros, e a
necessidade de ultrapassar os limites demasiado estreitos em que a sua reflexão
foi concebida. De modo particular, deve-se considerar que a verdade é uma só,
embora as suas expressões acusem os vestígios da história e sejam, além disso,
obra duma razão humana ferida e enfraquecida pelo pecado. Daqui se conclui que
nenhuma forma histórica da filosofia pode, legitimamente, ter a pretensão de
abraçar a totalidade da verdade ou de possuir a explicação cabal do ser humano,
do mundo e da relação do homem com Deus.
E hoje, com esta multiplicação de sistemas,
métodos, conceitos e argumentos filosóficos, muitas vezes extremamente
fragmentários, impõe-se ainda com maior urgência um discernimento crítico à luz
da fé. Este discernimento não é fácil, porque, se já é custoso reconhecer as
capacidades naturais e inalienáveis da razão com as suas limitações
constitutivas e históricas, mais problemático ainda se pode tornar às vezes o
discernimento de cada uma das propostas filosóficas para verificar, do ponto de
vista da fé, o que apresentam de válido e fecundo e o que existe nelas de
errado ou perigoso. De qualquer modo, a Igreja sabe que os «tesouros da
sabedoria e da ciência» estão escondidos em Cristo (Col 2, 3); por
isso, ela intervém, estimulando a reflexão filosófica, para que não se obstrua
a estrada que leva ao conhecimento do mistério.
52. Não foi só recentemente que o
Magistério da Igreja interveio para manifestar o seu pensamento a respeito de
determinadas doutrinas filosóficas. A título de exemplo, basta recordar, no
decurso dos séculos, as tomadas de posição acerca das teorias que defendiam a
preexistência das almas, 56 e
ainda sobre as diversas formas de idolatria e esoterismo supersticioso,
contidas em teses astrológicas; 57
sem esquecer os textos mais sistemáticos contra algumas teses do averroísmo
latino, incompatíveis com a fé cristã. 58
Se a palavra do Magistério se fez ouvir
mais frequentemente a partir da segunda metade do século passado, foi porque,
naquele período, numerosos católicos sentiram o dever de contrapor uma
filosofia própria às várias correntes do pensamento moderno. Daqui resultou,
para o Magistério da Igreja, a obrigação de vigiar a fim de que tais filosofias
não degenerassem, por sua vez, em formas erróneas e negativas. Acabaram assim
censurados os dois extremos: dum lado, o fideísmo 59
e o tradicionalismo radical, 60
pela sua falta de confiança nas capacidades naturais da razão; e, do outro, o
racionalismo 61 e o ontologismo, 62 porque atribuíam à razão natural aquilo
que apenas se pode conhecer pela luz da fé. Os conteúdos positivos deste debate
foram formalizados na Constituição Dogmática
Dei Filius, por meio da qual um concílio ecuménico — o Vaticano I — intervinha, pela primeira vez e de forma solene, sobre
as relações entre razão e fé. A doutrina contida neste texto marcou, intensa e
positivamente, a investigação filosófica de muitos crentes e constitui ainda
hoje um ponto normativo de referência para uma correcta e coerente reflexão
cristã neste âmbito particular.
53. Mais do que teses filosóficas isoladas,
as tomadas de posição do Magistério ocuparam-se da necessidade do conhecimento
racional — e por conseguinte, em última análise, do conhecimento filosófico —
para a compreensão da fé. O Concílio
Vaticano I, sintetizando e confirmando solenemente os ensinamentos que o
Magistério pontifício tinha proposto aos fiéis de maneira ordinária e
constante, pôs em evidência como são inseparáveis e ao mesmo tempo irredutíveis
entre si o conhecimento natural de Deus e a Revelação, a razão e a fé. O
Concílio partia da exigência fundamental — pressuposta também pela Revelação —
da cognoscibilidade natural da existência de Deus, princípio e fim de todas as
coisas, 63 para concluir com a
solene afirmação já citada: «Existem duas ordens de conhecimento, distintas não
apenas pelo seu princípio, mas também pelo seu objecto». 64 É que era preciso afirmar, contra
qualquer forma de racionalismo, a distinção entre os mistérios da fé e as
conclusões filosóficas, e ainda a transcendência e precedência daqueles sobre
estas; por outro lado, contra as tentações fideístas, tornava-se necessário
corroborar a unidade da verdade e também o contributo positivo que o
conhecimento racional pode, e deve, dar para o conhecimento da fé: «Mas, embora
a fé esteja acima da razão, não poderá existir nunca uma verdadeira divergência
entre fé e razão, porque o mesmo Deus que revela os mistérios e comunica a fé,
foi quem colocou também, no espírito humano, a luz da razão. E Deus não poderia
negar-Se a Si mesmo, pondo a verdade em contradição com a verdade». 65
54. Neste século, o Magistério voltou
várias vezes ao mesmo assunto, alertando contra a tentação racionalista. É
neste horizonte que se devem colocar as intervenções do Papa S. Pio X, pondo em
relevo como, na base do modernismo, havia posições filosóficas de linha
fenomenista, agnóstica e imanentista. 66
E não se pode esquecer a importância que teve a rejeição católica da filosofia
marxista e do comunismo ateu. 67
Sucessivamente, o Papa Pio XII fez ouvir a
sua voz quando, na Carta Encíclica Humani
generis, preveniu contra interpretações erróneas que andavam ligadas com as
teses do evolucionismo, do existencialismo e do historicismo. Explicava ele que
estas teses não foram elaboradas nem eram propostas por teólogos, mas tinham a
sua origem «fora do redil de Cristo»; 68
acrescentava, porém, que tais extravios não deviam ser liminarmente rejeitados,
mas examinados criticamente: «Ora, estas tendências, que se afastam em medida
desigual da recta via, não podem ser ignoradas ou transcuradas pelos filósofos
e teólogos católicos, que têm o grave dever de defender a verdade divina e
humana, e de fazê-la penetrar na mente dos homens. Pelo contrário, devem
conhecer bem estas opiniões, quer porque as doenças não podem ser curadas, se,
primeiro, não são bem conhecidas, quer porque algumas vezes mesmo nas
afirmações falsas se esconde um pouco de verdade, quer finalmente porque os
próprios erros forçam a nossa mente a investigar e a perscrutar, com maior
diligência, certas verdades filosóficas e teológicas». 69
Por último, também a Congregação da Doutrina da Fé, no cumprimento do seu múnus
específico ao serviço do magistério universal do Romano Pontífice, 70
teve de intervir para sublinhar o perigo que comportava a assunção acrítica,
feita por alguns teólogos da libertação, de teses e metodologias provenientes
do marxismo. 71
Vemos assim que, no passado, o Magistério
exerceu reiteradamente e sob diversas modalidades o discernimento em matéria
filosófica. Aquilo que os meus Venerados Predecessores enunciaram, constitui um
contributo precioso que não pode ser esquecido.
55. Se observarmos a situação actual,
constatamos que os problemas retornam, mas com peculiaridades novas. Já não se
trata de questões que interessam apenas a indivíduos ou grupos, mas de
convicções tão generalizadas no ambiente que se tornam, em certa medida,
mentalidade comum. Tal é, por exemplo, a desconfiança radical na razão, que
evidenciam as conclusões mais recentes de muitos estudos filosóficos. De várias
partes ouviu-se falar, a este respeito, de «fim da metafísica»: querem que a
filosofia se contente com tarefas mais modestas, tais como a mera interpretação
dos factos ou apenas a investigação sobre determinados campos do saber humano
ou das suas estruturas.
Também, na teologia, voltam a assomar as
tentações de outrora. Por exemplo, em algumas teologias contemporâneas
comparece novamente um certo racionalismo, principalmente quando asserções, consideradas
filosoficamente fundadas, são tomadas como normativas para a investigação
teológica. Isto sucede sobretudo quando o teólogo, por falta de competência
filosófica, se deixa condicionar de modo acrítico por afirmações que já
entraram na linguagem e cultura corrente, mas carecem de suficiente base
racional. 72
Não faltam também perigosas recaídas no
fideísmo, que não reconhece a importância do conhecimento racional e do
discurso filosófico para a compreensão da fé, melhor, para a própria
possibilidade de acreditar em Deus. Uma expressão, hoje generalizada, desta
tendência fideísta é o «biblicismo», que tende a fazer da leitura da Sagrada
Escritura, ou da sua exegese, o único referencial da verdade. Assim, acaba-se
por identificar a palavra de Deus só com a Sagrada Escritura, anulando deste
modo a doutrina da Igreja que o Concílio
Ecuménico Vaticano II expressamente reafirmou. Com efeito, a constituição
Dei Verbum, depois de recordar que a palavra de Deus está presente tanto nos
textos sagrados como na Tradição, 73
afirma sem rodeios: « A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só
depósito sagrado da palavra de Deus, confiado à Igreja; aderindo a este, todo o
Povo santo persevera unido aos seus Pastores na doutrina dos Apóstolos». 74 Portanto, a Sagrada Escritura não
constitui, para a Igreja, a sua única referência; a «regra suprema da sua fé» 75 provém efectivamente da unidade que o
Espírito estabeleceu entre a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o
Magistério da Igreja, numa reciprocidade tal que os três não podem subsistir de
maneira independente. 76
Além disso, não se deve subestimar o perigo
que existe quando se quer individuar a verdade da Sagrada Escritura com a
aplicação de uma única metodologia, esquecendo a necessidade de uma exegese
mais ampla que permita o acesso, em união com toda a Igreja, ao sentido pleno
dos textos. Os que se dedicam ao estudo da Sagrada Escritura nunca devem
esquecer que as diversas metodologias hermenêuticas têm também na sua base uma
concepção filosófica: é preciso examiná-las com grande discernimento, antes de
as aplicar aos textos sagrados.
Outras formas de fideísmo latente podem-se
identificar na pouca consideração que é reservada à teologia especulativa, e
ainda no desprezo pela filosofia clássica, de cujas noções provieram os termos
para exprimir tanto a compreensão da fé como as próprias formulações
dogmáticas. O Papa Pio XII, de veneranda memória, alertou contra este
esquecimento da tradição filosófica e abandono das terminologias tradicionais. 77
56. Constata-se, enfim, uma generalizada
desconfiança relativamente a asserções globais e absolutas sobretudo da parte
de quem pensa que a verdade resulte do consenso, e não da conformidade do intelecto
com a realidade objectiva. Compreende-se que, num mundo subdividido em tantos
campos de especializações, se torne difícil reconhecer aquele sentido total e
último da vida que tradicionalmente a filosofia procurava. Mas nem por isso
posso, à luz da fé que reconhece em Jesus Cristo tal sentido último, deixar de
encorajar os filósofos, cristãos ou não, a terem confiança nas capacidades da razão
humana e a não prefixarem metas demasiado modestas à sua investigação
filosófica. A lição da história deste milénio, quase a terminar, testemunha que
a estrada a seguir é esta: não perder a paixão pela verdade última, nem o
anseio de pesquisa, unidos à audácia de descobrir novos percursos. É a fé que
incita a razão a sair de qualquer isolamento e a abraçar de bom grado qualquer
risco por tudo o que é belo, bom e verdadeiro. Deste modo, a fé torna-se
advogada convicta e convincente da razão.
2.
Solicitude da Igreja pela filosofia
57. O Magistério, porém, não se limitou a
pôr em destaque os erros e desvios das doutrinas filosóficas. Mas, com igual
cuidado, quis confirmar os princípios fundamentais para uma genuína renovação
do pensamento filosófico, indicando mesmo percursos concretos a seguir. Nesta linha,
o Papa Leão XIII, com a Carta Encíclica
Æterni Patris, realizou um passo de alcance verdadeiramente histórico na
vida da Igreja. Efectivamente aquela constitui, até ao dia de hoje, o único
documento pontifício dedicado, a esse nível, inteiramente à filosofia. O grande
Pontífice retomou e desenvolveu a doutrina do Concílio Vaticano I sobre a relação entre fé e razão, mostrando
como o pensamento filosófico é um contributo fundamental para a fé e para a ciência
teológica. 78 Passado mais de um
século, muitas indicações, lá contidas, nada perderam do seu interesse tanto do
ponto de vista prático como pedagógico; a primeira de todas é a que diz
respeito ao valor incomparável da filosofia de S. Tomás. A reposição do pensamento
do Doutor Angélico era vista pelo Papa Leão XIII como a melhor estrada para se
recuperar um uso da filosofia conforme às exigências da fé. S. Tomás, escrevia
ele, «ao mesmo tempo que, como é devido, distingue perfeitamente a fé da razão,
une-as a ambas com laços de amizade recíproca: conserva os direitos próprios de
cada uma e salvaguarda a sua dignidade». 79
Revisão da tradução portuguesa por ama
___________________________
Notas:
53 Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março
de 1979), 15: AAS 71 (1979), 286.
54 Cf. Pio XII, Carta enc. Humani generis
(12 de Agosto de 1950): AAS 42 (1950), 566.
55 Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Primeira const.
dogm. sobre a Igreja de Cristo Pastor TERNUS: DS 3070; Conc. Ecum. Vat. II,
Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 25c.
56 Cf. Sínodo de Constantinopla, DS 403.
57 Cf. Concílio de Toledo I, DS 205;
Concílio de Braga I, DS 459-460; Sisto V, Bula Cœli et terræ Creator (5 de
Janeiro de 1586): Bullarium Romanum 44 (Roma, 1747), 176-179; Urbano VIII,
Inscrutabilis iudiciorum (1 de Abril de 1631): Bullarium Romanum 61 (Roma,
1758), 268-270.
58 Cf. Conc. Ecum. de Viena, Decr. Fidei
catholicæ: DS 902; Conc. Ecum. Lateranense V, Bula Apostolici regiminis: DS
1440.
59 Cf. Theses a Ludovico Eugenio Bautain
iussu sui Episcopi subscriptæ (8 de Setembro de 1840): DS 2751-2756; Theses a
Ludovico Eugenio Bautain ex mandato S. Congr. Episcoporum et Religiosorum
subscriptæ (26 de Abril de 1844): DS 2765-2769.
60 Cf. S. Congr. Indicis, Decr. Theses
contra traditionalismum Augustini Bonnety (11 de Junho de 1855): DS 2811-2814.
61 Cf. Pio IX, Breve Eximiam tuam (15 de
Junho de 1857): DS 2828-2831; Breve Gravissimas inter (11 de Dezembro de 1862):
DS 2850-2861.
62 Cf. S. Congr. do Santo Ofício, Decr.
Errores ontologistarum (18 de Setembro de 1861): DS 2841-2847.
63 Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm.
sobre a fé católica Dei Filius, II: DS 3004; e cân. 2-§1: DS 3026.
64 Ibid., IV: DS 3015, citado em Conc.
Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et
spes, 59.
65 Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a
fé católica Dei Filius, IV: DS 3017.
66 Cf. Carta enc. Pascendi dominici gregis
(8 de Setembro de 1907): ASS 40 (1907), 596-597.
67 Cf. Pio XI, Carta enc. Divini
Redemptoris (19 de Março de 1937): AAS 29 (1937), 65-106.
68 Carta enc. Humani generis (12 de Agosto
de 1950): AAS 42 (1950), 562-563.
69 Ibid.: o.c., 563-564.
70 Cf. João Paulo II, Const. ap. Pastor
Bonus (28 de Junho de 1988) arts. 48-49: AAS 80 (1988), 873; Congr. da Doutrina
da Fé, Instr. sobre a vocação eclesial do teólogo Donum veritatis (24 de Maio
de 1990), 18: AAS 82 (1990), 1558.
71 Cf. Instr. sobre alguns aspectos da «
teologia da libertação » Libertatis nuntius (6 de Agosto de 1984), VII-X: AAS
76 (1984), 890-903.
72 Com sua palavra clara e de grande
autoridade, o Concílio Vaticano I tinha já condenado este erro, ao afirmar, por
um lado, que, « relativamente à fé (...), a Igreja Católica preconiza que é uma
virtude sobrenatural pela qual, sob a inspiração divina e com a ajuda da graça,
acreditamos que são verdadeiras as coisas por Ele reveladas, não por causa da
verdade intrínseca das coisas percebida pela luz natural da razão, mas por
causa da autoridade do próprio Deus que as revela, o qual não pode enganar-Se
nem enganar » [Const. dogm. sobre a doutrina católica Dei Filius, III: DS 3008;
e cân. 3-§ 2: DS 3032]. E, por outro lado, o Concílio declarava que a razão
nunca « chega a ser capaz de penetrar [tais mistérios], nem as verdades que
formam o seu objecto específico » [ibid., IV: DS 3016]. Daqui tirava a seguinte
conclusão prática: « Os fiéis cristãos não só não têm o direito de defender,
como legítimas conclusões da ciência, as opiniões reconhecidas contrárias à
doutrina da fé, especialmente quando estão condenadas pela Igreja, mas são
estritamente obrigados a considerá-las como erros, que apenas têm uma ilusória
aparência de verdade » [ibid., IV: DS 3018].
73 Cf. nn. 9-10.
74 Const. dogm. sobre a revelação divina
Dei Verbum, 10.
75 Ibid., 21.
76 Cf. ibid., 10.
77 Cf. Carta enc. Humani generis (12 de
Agosto de 1950): AAS 42 (1950), 565-567.571-573.
78 Cf. Carta enc. ÆTERNI PATRIS (4 de
Agosto de 1879): ASS 11 (1878-1879), 97-115.
79 Ibid.: o.c., 109.
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