13/07/2012

Leitura espiritual para 13 Jul 2012

Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.




Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 24, 42-43; 25, 1-13

42 «Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora virá o vosso Senhor. 43 Sabei que, se o pai de família soubesse a que hora havia de vir o ladrão, vigiaria, sem dúvida, e não deixaria arrombar a sua casa. 44 Por isso estai vós também preparados, porque virá o Filho do Homem na hora em que menos pensais. 45 «Quem é, pois, o servo fiel e prudente, a quem o seu senhor colocou à frente da sua família para lhe distribuir de comer a seu tempo? 46 Bem-aventurado aquele servo, a quem o seu senhor, quando vier, achar a proceder assim. 47 Na verdade vos digo que lhe confiará o governo de todos os seus bens. 48 Mas, se aquele servo mau disser no seu coração: “O meu senhor tarda em vir”, 49 e começar a bater nos seus companheiros, a comer e beber com os ébrios, 50 virá o senhor daquele servo no dia em que não o espera, e na hora que não sabe, 51 e mandará açoitá-lo e dar-lhe-á a sorte dos hipócritas; ali haverá choro e ranger de dentes.
1 «Então, o Reino dos Céus será semelhante a dez virgens, que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo. 2 Cinco delas eram néscias, e cinco prudentes. 3 As cinco néscias, tomando as lâmpadas, não levaram azeite consigo; 4 as prudentes, porém, levaram azeite nas vasilhas juntamente com as lâmpadas. 5 Tardando o esposo, começaram todas a cabecear e adormeceram. 6 À meia-noite, ouviu-se um grito: “Eis que vem o esposo! Saí ao seu encontro”. 7 Então levantaram-se todas aquelas virgens, e prepararam as suas lâmpadas. 8 As néscias disseram às prudentes: “Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas apagam-se”. 9 As prudentes responderam: “Para que não suceda que nos falte a nós e a vós, ide antes aos vendedores, e comprai para vós”. 10 Mas, enquanto elas foram comprá-lo, chegou o esposo, e as que estavam preparadas entraram com ele a celebrar as bodas, e foi fechada a porta. 11 Mais tarde, chegaram também as outras virgens, dizendo: “Senhor, Senhor, abre-nos”. 12 Ele, porém, respondeu: “Em verdade vos digo que não vos conheço”. 13 Vigiai, pois, porque não sabeis nem o dia nem a hora.





Ioannes Paulus PP. II
Fides et ratio
aos Bispos da Igreja Católica
sobre as relações
entre Fé e Razão

…/5

47. Por outro lado, é preciso não esquecer que, na cultura moderna, foi alterada a própria função da filosofia. De sabedoria e saber universal que era, foi-se progressivamente reduzindo a uma das muitas áreas do saber humano; mais, sob alguns dos seus aspectos, ficou reduzida a um papel completamente marginal. Entretanto, foram-se consolidando sempre mais outras formas de racionalidade, pondo assim em evidência o carácter marginal do saber filosófico. Em vez de apontarem para a contemplação da verdade e a busca do fim último e do sentido da vida, essas formas de racionalidade são orientadas, ou pelo menos orientáveis, como «razão instrumental» ao serviço de fins utilitaristas, de prazer ou de poder.

Quanto seja perigoso absolutizar esta estrada, fi-lo notar já na minha primeira carta encíclica, ao escrever: «O homem de hoje parece estar sempre ameaçado por aquilo mesmo que produz, ou seja, pelo resultado do trabalho das suas mãos e, ainda mais, pelo resultado do trabalho da sua inteligência e das tendências da sua vontade. Os frutos desta multiforme actividade do homem, com grande rapidez e de modo muitas vezes imprevisível, passam a ser não tanto objecto de "alienação", no sentido de que são simplesmente tirados àqueles que os produzem, como sobretudo, pelo menos parcialmente, num círculo consequente e indirecto dos seus efeitos, tais frutos voltam-se contra o próprio homem. Eles são de facto dirigidos, ou podem sê-lo, contra o homem. Nisto parece consistir o acto principal do drama da existência humana contemporânea, na sua dimensão mais ampla e universal. Assim, o homem vive mergulhado cada vez mais no medo. Teme que os seus produtos, naturalmente não todos nem a maior parte, mas alguns e precisamente aqueles que encerram uma especial porção da sua genialidade e da sua iniciativa, possam ser voltados de maneira radical contra si mesmo». 53

Na sequência destas transformações culturais, alguns filósofos, abandonando a busca da verdade por si mesma, assumiram como único objectivo a obtenção da certeza subjectiva ou da utilidade prática. Em consequência, deu-se o obscurecimento da verdadeira dignidade da razão, impossibilitada de conhecer a verdade e de procurar o absoluto.

48. Assim, o dado saliente desta última parte da história da filosofia é a constatação duma progressiva separação entre a fé e a razão filosófica. É verdade que, observando bem, mesmo na reflexão filosófica daqueles que contribuíram para ampliar a distância entre fé e razão, se manifestam às vezes gérmenes preciosos de pensamento que, se aprofundados e desenvolvidos com mente e coração recto, podem fazer descobrir o caminho da verdade. Estes gérmenes de pensamento podem-se encontrar, por exemplo, nas profundas análises sobre a percepção e a experiência, a imaginação e o inconsciente, sobre a personalidade e a inter-subjectividade, a liberdade e os valores, o tempo e a história. Inclusive o tema da morte pode tornar-se, para todo o pensador, um severo apelo a procurar dentro de si mesmo o sentido autêntico da própria existência. Todavia isto não pode fazer esquecer a necessidade que a actual relação entre fé e razão tem de um cuidadoso esforço de discernimento, porque tanto a razão como a fé ficaram reciprocamente mais pobres e débeis. A razão, privada do contributo da Revelação, percorreu sendas marginais com o risco de perder de vista a sua meta final. A fé, privada da razão, pôs em maior evidência o sentimento e a experiência, correndo o risco de deixar de ser uma proposta universal. É ilusório pensar que, tendo pela frente uma razão débil, a fé goze de maior incidência; pelo contrário, cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstição. Da mesma maneira, uma razão que não tenha pela frente uma fé adulta não é estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do ser.

À luz disto, creio justificado o meu apelo veemente e incisivo para que a fé e a filosofia recuperem aquela unidade profunda que as torna capazes de serem coerentes com a sua natureza, no respeito da recíproca autonomia. Ao desassombro (parresia) da fé deve corresponder a audácia da razão.

CAPÍTULO V - INTERVENÇÕES DO MAGISTÉRIO EM MATÉRIA FILOSÓFICA

1. O discernimento do Magistério como diaconia da verdade

49. A Igreja não propõe uma filosofia própria, nem canoniza uma das correntes filosóficas em detrimento de outras. 54 A razão profunda desta reserva está no facto de que a filosofia, mesmo quando entra em relação com a teologia, deve proceder segundo os seus métodos e regras; caso contrário, não haveria garantia de permanecer orientada para a verdade, tendendo para a mesma através dum processo racionalmente controlável. Pouca ajuda daria uma filosofia que não agisse à luz da razão, segundo princípios próprios e específicas metodologias. Fundamentalmente, a raiz da autonomia de que goza a filosofia, há que individuá-la no facto de a razão estar orientada, por sua natureza, para a verdade e dotada em si mesma dos meios necessários para a alcançar. Uma filosofia, ciente deste seu «estatuto constitutivo», não pode deixar de respeitar as exigências e evidências próprias da verdade revelada.
E, todavia, vimos, na história, os extravios e erros em que várias vezes incorreu o pensamento filosófico, sobretudo moderno. Não é função nem competência do Magistério intervir para colmar as lacunas dum discurso filosófico carente. Mas, já é sua obrigação reagir, de forma clara e vigorosa, quando teses filosóficas discutíveis ameaçam a recta compreensão do dado revelado e quando se difundem teorias falsas e sectárias que semeiam erros graves, perturbando a simplicidade e a pureza da fé do povo de Deus.

50. Por conseguinte, o Magistério eclesiástico pode, e deve, exercer com autoridade, à luz da fé, o discernimento crítico sobre filosofias e afirmações que contradigam a doutrina cristã. 55 Ao Magistério compete, antes de mais, indicar os pressupostos e as conclusões filosóficas que são incompatíveis com a verdade revelada, formulando assim as exigências que, do ponto de vista da fé, se impõem à filosofia. Além disso, no desenvolvimento do saber filosófico, surgiram diversas escolas de pensamento; ora, este pluralismo impõe ao Magistério a responsabilidade de exprimir o seu juízo sobre a compatibilidade ou incompatibilidade das concepções de base, defendidas por essas escolas, com as exigências próprias da palavra de Deus e da reflexão teológica.

A Igreja tem o dever de indicar aquilo que pode existir, num sistema filosófico, de incompatível com a sua fé. Na verdade, muitos conteúdos filosóficos — relativos, por exemplo, a Deus, ao homem, à sua liberdade e ao seu comportamento ético —, têm a ver directamente com a Igreja, porque tocam na verdade revelada que ela guarda. Quando nós, Bispos, realizamos o referido discernimento, temos a obrigação de ser «testemunhas da verdade», no cumprimento dum serviço humilde, mas firme, que todo o filósofo devia prezar, em benefício da recta ratio, ou seja, da razão que reflecte correctamente sobre a verdade.

51. Em todo o caso, tal discernimento não deve ser visto primariamente de forma negativa, como se a intenção do Magistério fosse eliminar ou reduzir qualquer possibilidade de mediação; ao contrário, as suas intervenções visam em primeiro lugar suscitar, promover e encorajar o pensamento filosófico. Os filósofos são, aliás, os primeiros a compreender a exigência de autocrítica, de correcção de eventuais erros, e a necessidade de ultrapassar os limites demasiado estreitos em que a sua reflexão foi concebida. De modo particular, deve-se considerar que a verdade é uma só, embora as suas expressões acusem os vestígios da história e sejam, além disso, obra duma razão humana ferida e enfraquecida pelo pecado. Daqui se conclui que nenhuma forma histórica da filosofia pode, legitimamente, ter a pretensão de abraçar a totalidade da verdade ou de possuir a explicação cabal do ser humano, do mundo e da relação do homem com Deus.
E hoje, com esta multiplicação de sistemas, métodos, conceitos e argumentos filosóficos, muitas vezes extremamente fragmentários, impõe-se ainda com maior urgência um discernimento crítico à luz da fé. Este discernimento não é fácil, porque, se já é custoso reconhecer as capacidades naturais e inalienáveis da razão com as suas limitações constitutivas e históricas, mais problemático ainda se pode tornar às vezes o discernimento de cada uma das propostas filosóficas para verificar, do ponto de vista da fé, o que apresentam de válido e fecundo e o que existe nelas de errado ou perigoso. De qualquer modo, a Igreja sabe que os «tesouros da sabedoria e da ciência» estão escondidos em Cristo (Col 2, 3); por isso, ela intervém, estimulando a reflexão filosófica, para que não se obstrua a estrada que leva ao conhecimento do mistério.

52. Não foi só recentemente que o Magistério da Igreja interveio para manifestar o seu pensamento a respeito de determinadas doutrinas filosóficas. A título de exemplo, basta recordar, no decurso dos séculos, as tomadas de posição acerca das teorias que defendiam a preexistência das almas, 56 e ainda sobre as diversas formas de idolatria e esoterismo supersticioso, contidas em teses astrológicas; 57 sem esquecer os textos mais sistemáticos contra algumas teses do averroísmo latino, incompatíveis com a fé cristã. 58

Se a palavra do Magistério se fez ouvir mais frequentemente a partir da segunda metade do século passado, foi porque, naquele período, numerosos católicos sentiram o dever de contrapor uma filosofia própria às várias correntes do pensamento moderno. Daqui resultou, para o Magistério da Igreja, a obrigação de vigiar a fim de que tais filosofias não degenerassem, por sua vez, em formas erróneas e negativas. Acabaram assim censurados os dois extremos: dum lado, o fideísmo 59 e o tradicionalismo radical, 60 pela sua falta de confiança nas capacidades naturais da razão; e, do outro, o racionalismo 61 e o ontologismo, 62 porque atribuíam à razão natural aquilo que apenas se pode conhecer pela luz da fé. Os conteúdos positivos deste debate foram formalizados na Constituição Dogmática Dei Filius, por meio da qual um concílio ecuménico — o Vaticano I — intervinha, pela primeira vez e de forma solene, sobre as relações entre razão e fé. A doutrina contida neste texto marcou, intensa e positivamente, a investigação filosófica de muitos crentes e constitui ainda hoje um ponto normativo de referência para uma correcta e coerente reflexão cristã neste âmbito particular.

53. Mais do que teses filosóficas isoladas, as tomadas de posição do Magistério ocuparam-se da necessidade do conhecimento racional — e por conseguinte, em última análise, do conhecimento filosófico — para a compreensão da fé. O Concílio Vaticano I, sintetizando e confirmando solenemente os ensinamentos que o Magistério pontifício tinha proposto aos fiéis de maneira ordinária e constante, pôs em evidência como são inseparáveis e ao mesmo tempo irredutíveis entre si o conhecimento natural de Deus e a Revelação, a razão e a fé. O Concílio partia da exigência fundamental — pressuposta também pela Revelação — da cognoscibilidade natural da existência de Deus, princípio e fim de todas as coisas, 63 para concluir com a solene afirmação já citada: «Existem duas ordens de conhecimento, distintas não apenas pelo seu princípio, mas também pelo seu objecto». 64 É que era preciso afirmar, contra qualquer forma de racionalismo, a distinção entre os mistérios da fé e as conclusões filosóficas, e ainda a transcendência e precedência daqueles sobre estas; por outro lado, contra as tentações fideístas, tornava-se necessário corroborar a unidade da verdade e também o contributo positivo que o conhecimento racional pode, e deve, dar para o conhecimento da fé: «Mas, embora a fé esteja acima da razão, não poderá existir nunca uma verdadeira divergência entre fé e razão, porque o mesmo Deus que revela os mistérios e comunica a fé, foi quem colocou também, no espírito humano, a luz da razão. E Deus não poderia negar-Se a Si mesmo, pondo a verdade em contradição com a verdade». 65

54. Neste século, o Magistério voltou várias vezes ao mesmo assunto, alertando contra a tentação racionalista. É neste horizonte que se devem colocar as intervenções do Papa S. Pio X, pondo em relevo como, na base do modernismo, havia posições filosóficas de linha fenomenista, agnóstica e imanentista. 66 E não se pode esquecer a importância que teve a rejeição católica da filosofia marxista e do comunismo ateu. 67

Sucessivamente, o Papa Pio XII fez ouvir a sua voz quando, na Carta Encíclica Humani generis, preveniu contra interpretações erróneas que andavam ligadas com as teses do evolucionismo, do existencialismo e do historicismo. Explicava ele que estas teses não foram elaboradas nem eram propostas por teólogos, mas tinham a sua origem «fora do redil de Cristo»; 68 acrescentava, porém, que tais extravios não deviam ser liminarmente rejeitados, mas examinados criticamente: «Ora, estas tendências, que se afastam em medida desigual da recta via, não podem ser ignoradas ou transcuradas pelos filósofos e teólogos católicos, que têm o grave dever de defender a verdade divina e humana, e de fazê-la penetrar na mente dos homens. Pelo contrário, devem conhecer bem estas opiniões, quer porque as doenças não podem ser curadas, se, primeiro, não são bem conhecidas, quer porque algumas vezes mesmo nas afirmações falsas se esconde um pouco de verdade, quer finalmente porque os próprios erros forçam a nossa mente a investigar e a perscrutar, com maior diligência, certas verdades filosóficas e teológicas». 69

Por último, também a Congregação da Doutrina da Fé, no cumprimento do seu múnus específico ao serviço do magistério universal do Romano Pontífice, 70 teve de intervir para sublinhar o perigo que comportava a assunção acrítica, feita por alguns teólogos da libertação, de teses e metodologias provenientes do marxismo. 71

Vemos assim que, no passado, o Magistério exerceu reiteradamente e sob diversas modalidades o discernimento em matéria filosófica. Aquilo que os meus Venerados Predecessores enunciaram, constitui um contributo precioso que não pode ser esquecido.

55. Se observarmos a situação actual, constatamos que os problemas retornam, mas com peculiaridades novas. Já não se trata de questões que interessam apenas a indivíduos ou grupos, mas de convicções tão generalizadas no ambiente que se tornam, em certa medida, mentalidade comum. Tal é, por exemplo, a desconfiança radical na razão, que evidenciam as conclusões mais recentes de muitos estudos filosóficos. De várias partes ouviu-se falar, a este respeito, de «fim da metafísica»: querem que a filosofia se contente com tarefas mais modestas, tais como a mera interpretação dos factos ou apenas a investigação sobre determinados campos do saber humano ou das suas estruturas.

Também, na teologia, voltam a assomar as tentações de outrora. Por exemplo, em algumas teologias contemporâneas comparece novamente um certo racionalismo, principalmente quando asserções, consideradas filosoficamente fundadas, são tomadas como normativas para a investigação teológica. Isto sucede sobretudo quando o teólogo, por falta de competência filosófica, se deixa condicionar de modo acrítico por afirmações que já entraram na linguagem e cultura corrente, mas carecem de suficiente base racional. 72

Não faltam também perigosas recaídas no fideísmo, que não reconhece a importância do conhecimento racional e do discurso filosófico para a compreensão da fé, melhor, para a própria possibilidade de acreditar em Deus. Uma expressão, hoje generalizada, desta tendência fideísta é o «biblicismo», que tende a fazer da leitura da Sagrada Escritura, ou da sua exegese, o único referencial da verdade. Assim, acaba-se por identificar a palavra de Deus só com a Sagrada Escritura, anulando deste modo a doutrina da Igreja que o Concílio Ecuménico Vaticano II expressamente reafirmou. Com efeito, a constituição Dei Verbum, depois de recordar que a palavra de Deus está presente tanto nos textos sagrados como na Tradição, 73 afirma sem rodeios: « A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito sagrado da palavra de Deus, confiado à Igreja; aderindo a este, todo o Povo santo persevera unido aos seus Pastores na doutrina dos Apóstolos». 74 Portanto, a Sagrada Escritura não constitui, para a Igreja, a sua única referência; a «regra suprema da sua fé» 75 provém efectivamente da unidade que o Espírito estabeleceu entre a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, numa reciprocidade tal que os três não podem subsistir de maneira independente. 76

Além disso, não se deve subestimar o perigo que existe quando se quer individuar a verdade da Sagrada Escritura com a aplicação de uma única metodologia, esquecendo a necessidade de uma exegese mais ampla que permita o acesso, em união com toda a Igreja, ao sentido pleno dos textos. Os que se dedicam ao estudo da Sagrada Escritura nunca devem esquecer que as diversas metodologias hermenêuticas têm também na sua base uma concepção filosófica: é preciso examiná-las com grande discernimento, antes de as aplicar aos textos sagrados.

Outras formas de fideísmo latente podem-se identificar na pouca consideração que é reservada à teologia especulativa, e ainda no desprezo pela filosofia clássica, de cujas noções provieram os termos para exprimir tanto a compreensão da fé como as próprias formulações dogmáticas. O Papa Pio XII, de veneranda memória, alertou contra este esquecimento da tradição filosófica e abandono das terminologias tradicionais. 77

56. Constata-se, enfim, uma generalizada desconfiança relativamente a asserções globais e absolutas sobretudo da parte de quem pensa que a verdade resulte do consenso, e não da conformidade do intelecto com a realidade objectiva. Compreende-se que, num mundo subdividido em tantos campos de especializações, se torne difícil reconhecer aquele sentido total e último da vida que tradicionalmente a filosofia procurava. Mas nem por isso posso, à luz da fé que reconhece em Jesus Cristo tal sentido último, deixar de encorajar os filósofos, cristãos ou não, a terem confiança nas capacidades da razão humana e a não prefixarem metas demasiado modestas à sua investigação filosófica. A lição da história deste milénio, quase a terminar, testemunha que a estrada a seguir é esta: não perder a paixão pela verdade última, nem o anseio de pesquisa, unidos à audácia de descobrir novos percursos. É a fé que incita a razão a sair de qualquer isolamento e a abraçar de bom grado qualquer risco por tudo o que é belo, bom e verdadeiro. Deste modo, a fé torna-se advogada convicta e convincente da razão.

2. Solicitude da Igreja pela filosofia

57. O Magistério, porém, não se limitou a pôr em destaque os erros e desvios das doutrinas filosóficas. Mas, com igual cuidado, quis confirmar os princípios fundamentais para uma genuína renovação do pensamento filosófico, indicando mesmo percursos concretos a seguir. Nesta linha, o Papa Leão XIII, com a Carta Encíclica Æterni Patris, realizou um passo de alcance verdadeiramente histórico na vida da Igreja. Efectivamente aquela constitui, até ao dia de hoje, o único documento pontifício dedicado, a esse nível, inteiramente à filosofia. O grande Pontífice retomou e desenvolveu a doutrina do Concílio Vaticano I sobre a relação entre fé e razão, mostrando como o pensamento filosófico é um contributo fundamental para a fé e para a ciência teológica. 78 Passado mais de um século, muitas indicações, lá contidas, nada perderam do seu interesse tanto do ponto de vista prático como pedagógico; a primeira de todas é a que diz respeito ao valor incomparável da filosofia de S. Tomás. A reposição do pensamento do Doutor Angélico era vista pelo Papa Leão XIII como a melhor estrada para se recuperar um uso da filosofia conforme às exigências da fé. S. Tomás, escrevia ele, «ao mesmo tempo que, como é devido, distingue perfeitamente a fé da razão, une-as a ambas com laços de amizade recíproca: conserva os direitos próprios de cada uma e salvaguarda a sua dignidade». 79

Revisão da tradução portuguesa por ama
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Notas:
53 Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 15: AAS 71 (1979), 286.
54 Cf. Pio XII, Carta enc. Humani generis (12 de Agosto de 1950): AAS 42 (1950), 566.
55 Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Primeira const. dogm. sobre a Igreja de Cristo Pastor TERNUS: DS 3070; Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 25c.
56 Cf. Sínodo de Constantinopla, DS 403.
57 Cf. Concílio de Toledo I, DS 205; Concílio de Braga I, DS 459-460; Sisto V, Bula Cœli et terræ Creator (5 de Janeiro de 1586): Bullarium Romanum 44 (Roma, 1747), 176-179; Urbano VIII, Inscrutabilis iudiciorum (1 de Abril de 1631): Bullarium Romanum 61 (Roma, 1758), 268-270.
58 Cf. Conc. Ecum. de Viena, Decr. Fidei catholicæ: DS 902; Conc. Ecum. Lateranense V, Bula Apostolici regiminis: DS 1440.
59 Cf. Theses a Ludovico Eugenio Bautain iussu sui Episcopi subscriptæ (8 de Setembro de 1840): DS 2751-2756; Theses a Ludovico Eugenio Bautain ex mandato S. Congr. Episcoporum et Religiosorum subscriptæ (26 de Abril de 1844): DS 2765-2769.
60 Cf. S. Congr. Indicis, Decr. Theses contra traditionalismum Augustini Bonnety (11 de Junho de 1855): DS 2811-2814.
61 Cf. Pio IX, Breve Eximiam tuam (15 de Junho de 1857): DS 2828-2831; Breve Gravissimas inter (11 de Dezembro de 1862): DS 2850-2861.
62 Cf. S. Congr. do Santo Ofício, Decr. Errores ontologistarum (18 de Setembro de 1861): DS 2841-2847.
63 Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius, II: DS 3004; e cân. 2-§1: DS 3026.
64 Ibid., IV: DS 3015, citado em Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 59.
65 Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius, IV: DS 3017.
66 Cf. Carta enc. Pascendi dominici gregis (8 de Setembro de 1907): ASS 40 (1907), 596-597.
67 Cf. Pio XI, Carta enc. Divini Redemptoris (19 de Março de 1937): AAS 29 (1937), 65-106.
68 Carta enc. Humani generis (12 de Agosto de 1950): AAS 42 (1950), 562-563.
69 Ibid.: o.c., 563-564.
70 Cf. João Paulo II, Const. ap. Pastor Bonus (28 de Junho de 1988) arts. 48-49: AAS 80 (1988), 873; Congr. da Doutrina da Fé, Instr. sobre a vocação eclesial do teólogo Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 18: AAS 82 (1990), 1558.
71 Cf. Instr. sobre alguns aspectos da « teologia da libertação » Libertatis nuntius (6 de Agosto de 1984), VII-X: AAS 76 (1984), 890-903.
72 Com sua palavra clara e de grande autoridade, o Concílio Vaticano I tinha já condenado este erro, ao afirmar, por um lado, que, « relativamente à fé (...), a Igreja Católica preconiza que é uma virtude sobrenatural pela qual, sob a inspiração divina e com a ajuda da graça, acreditamos que são verdadeiras as coisas por Ele reveladas, não por causa da verdade intrínseca das coisas percebida pela luz natural da razão, mas por causa da autoridade do próprio Deus que as revela, o qual não pode enganar-Se nem enganar » [Const. dogm. sobre a doutrina católica Dei Filius, III: DS 3008; e cân. 3-§ 2: DS 3032]. E, por outro lado, o Concílio declarava que a razão nunca « chega a ser capaz de penetrar [tais mistérios], nem as verdades que formam o seu objecto específico » [ibid., IV: DS 3016]. Daqui tirava a seguinte conclusão prática: « Os fiéis cristãos não só não têm o direito de defender, como legítimas conclusões da ciência, as opiniões reconhecidas contrárias à doutrina da fé, especialmente quando estão condenadas pela Igreja, mas são estritamente obrigados a considerá-las como erros, que apenas têm uma ilusória aparência de verdade » [ibid., IV: DS 3018].
73 Cf. nn. 9-10.
74 Const. dogm. sobre a revelação divina Dei Verbum, 10.
75 Ibid., 21.
76 Cf. ibid., 10.
77 Cf. Carta enc. Humani generis (12 de Agosto de 1950): AAS 42 (1950), 565-567.571-573.
78 Cf. Carta enc. ÆTERNI PATRIS (4 de Agosto de 1879): ASS 11 (1878-1879), 97-115.
79 Ibid.: o.c., 109.

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