Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
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Evangelho: Mt 16, 21-28; 17, 1-13
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Evangelho: Mt 16, 21-28; 17, 1-13
21 Desde então começou Jesus a manifestar a Seus discípulos que devia ir a Jerusalém e padecer muitas coisas dos anciãos, dos príncipes dos sacerdotes e dos escribas, ser morto, e ressuscitar ao terceiro dia. 22 Tomando-O Pedro à parte, começou a repreendê-l'O, dizendo: «Deus tal não permita, Senhor; não Te sucederá isto». 23 Ele, voltando-Se para Pedro, disse-lhe: «Retira-te de Mim, Satanás! Tu serves-Me de escândalo, porque não tens a sabedoria das coisas de Deus, mas dos homens». 24 Então, Jesus disse aos Seus discípulos: «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. 25 Porque quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a sua vida por amor de Mim, acha-la-á. 26 Pois, que aproveitará a um homem ganhar todo o mundo, se vier a perder a sua alma? Ou que dará um homem em troca da sua alma? 27 Porque o Filho do Homem há-de vir na glória de Seu Pai com os Seus anjos, e então dará a cada um segundo as suas obras. 28 Em verdade vos digo que, entre aqueles que estão aqui presentes, há alguns que não morrerão antes que vejam vir o Filho do Homem com o Seu reino».
17 1 Seis dias depois, tomou Jesus consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e levou-os à parte a um monte alto, 2 e transfigurou-Se diante deles. O Seu rosto ficou refulgente como o sol, e as Suas vestes tornaram-se luminosas de brancas que estavam. 3 Eis que lhes apareceram Moisés e Elias falando com Ele. 4 Pedro, tomando a palavra, disse a Jesus: «Senhor, que bom é nós estarmos aqui; se queres, farei aqui três tendas, uma para Ti, uma para Moisés, e outra para Elias». 5 Estando ele ainda a falar, eis que uma nuvem resplandecente os envolveu; e saiu da nuvem uma voz que dizia: «Este é o Meu Filho muito amado em Quem pus toda a Minha complacência; ouvi-O». 6 Ouvindo isto, os discípulos caíram de bruços, e tiveram grande medo. 7 Porém, Jesus aproximou-Se deles, tocou-os e disse-lhes: «Levantai-vos, não temais». 8 Eles, então, levantando os olhos, não viram ninguém, excepto só Jesus. 9 Quando desciam do monte, Jesus fez-lhes a seguinte proibição: «Não digais a ninguém o que vistes, até que o Filho do Homem ressuscite dos mortos». 10 Os discípulos perguntaram-Lhe: «Porque dizem, pois, os escribas que Elias deve vir primeiro?». 11 Ele respondeu-lhes: «Elias certamente há-de vir e restabelecerá todas as coisas. 12 Digo-vos, porém, que Elias já veio, e não o reconheceram, antes fizeram dele o que quiseram. Assim também o Filho do Homem há-de padecer às suas mãos». 13 Então os discípulos compreenderam que falava de João Baptista.
Ioannes
Paulus PP. II
Evangelium vitae
aos
Presbíteros e Diáconos
aos
Religiosos e Religiosas
aos
Fiéis leigos e a todas as Pessoas de Boa Vontade
sobre
o Valor e a Inviolabilidade
da
Vida Humana
…/3
16.
Outro motivo actual, que frequentemente é acompanhado por ameaças e atentados à
vida, é o fenómeno demográfico. Este reveste aspectos diversos, nas várias
partes do mundo: nos países ricos e desenvolvidos, regista-se uma preocupante
diminuição ou queda da natalidade; os países pobres, ao contrário, apresentam
em geral uma elevada taxa de aumento da população, dificilmente suportável num
contexto de menor progresso económico e social, ou até de grave
subdesenvolvimento. Face ao sobrepovoamento dos países pobres, verifica-se, a
nível internacional, a falta de intervenções globais — sérias políticas
familiares e sociais, programas de crescimento cultural e de justa produção e
distribuição dos recursos — enquanto se continuam a actuar políticas anti
natalistas.
Devendo,
sem dúvida, incluir-se a contracepção, a esterilização e o aborto entre as
causas que contribuem para determinar as situações de forte queda da
natalidade, pode ser fácil a tentação de recorrer aos mesmos métodos e
atentados contra a vida, nas situações de «explosão demográfica».
O
antigo Faraó, sentindo como um íncubo a presença e a multiplicação dos filhos
de Israel, sujeitou-os a todo o tipo de opressão e ordenou que fossem mortas
todas as crianças do sexo masculino (cf. Ex 1, 7-22). Do mesmo modo
se comportam hoje bastantes poderosos da terra.
Também
estes vêem como um íncubo o crescimento demográfico em acto, e temem que os
povos mais prolíferos e mais pobres representem uma ameaça para o bem-estar e a
tranquilidade dos seus países. Consequentemente, em vez de procurarem enfrentar
e resolver estes graves problemas dentro do respeito da dignidade das pessoas e
das famílias e do inviolável direito de cada homem à vida, preferem promover e
impor, por qualquer meio, um maciço planeamento da natalidade. As próprias
ajudas económicas, que se dizem dispostos a dar, ficam injustamente
condicionadas à aceitação desta política anti natalista.
17.
A humanidade de hoje oferece-nos um espectáculo verdadeiramente alarmante, se
pensarmos não só aos diversos âmbitos em que se realizam os atentados à vida,
mas também à singular dimensão numérica dos mesmos, bem como ao múltiplo e
poderoso apoio que lhes é dado pelo amplo consenso social, pelo frequente
reconhecimento legal, pelo envolvimento de uma parte dos profissionais da
saúde.
Como
senti dever bradar em Denver, por ocasião do VIII Dia Mundial da Juventude, «com
o tempo, as ameaças contra a vida não diminuíram. Elas, ao contrário, assumem
dimensões enormes. Não se trata apenas de ameaças vindas do exterior, de forças
da natureza ou dos «Cains» que assassinam os «Abéis»; não, trata-se de ameaças
programadas de maneira científica e sistemática. O século XX ficará considerado
uma época de ataques maciços contra a vida, uma série infindável de guerras e
um massacre permanente de vidas humanas inocentes. Os falsos profetas e os
falsos mestres conheceram o maior sucesso possível». 15 Para além das intenções, que podem ser
várias e quiçá assumir formas persuasivas em nome até da solidariedade, a
verdade é que estamos perante uma objectiva «conjura contra a vida» que vê
também implicadas Instituições Internacionais, empenhadas a encorajar e
programar verdadeiras e próprias campanhas para difundir a contracepção, a
esterilização e o aborto. Não se pode negar, enfim, que os mass-media são
frequentemente cúmplices dessa conjura, ao abonarem junto da opinião pública
aquela cultura que apresenta o recurso à contracepção, à esterilização, ao
aborto e à própria eutanásia como sinal do progresso e conquista da liberdade,
enquanto descrevem como inimigas da liberdade e do progresso as posições
incondicionalmente a favor da vida.
«Sou,
porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9): uma noção perversa de
liberdade
18.
O panorama descrito requer ser conhecido não somente nos fenómenos de morte que
o caracterizam, mas também nas múltiplas causas que o determinam. A pergunta do
Senhor «que fizeste?» (Gn 4, 10) quase parece um convite dirigido a
Caim para que, ultrapassando a materialidade do gesto homicida, veja toda a
gravidade nas motivações que estão na sua origem e nas consequências que dele
derivam.
As
opções contra a vida nascem, às vezes, de situações difíceis ou mesmo
dramáticas de profundo sofrimento, de solidão, de carência total de
perspectivas económicas, de depressão e de angústia pelo futuro. Estas
circunstâncias podem atenuar, mesmo até notavelmente, a responsabilidade
subjectiva e, consequentemente, a culpabilidade daqueles que realizam tais
opções em si mesmas criminosas. Hoje, todavia, o problema estende-se muito para
além do reconhecimento, sempre necessário, destas situações pessoais. Põe-se também
no plano cultural, social e político, onde apresenta o seu aspecto mais
subversivo e perturbador na tendência, cada vez mais largamente compartilhada,
de interpretar os mencionados crimes contra a vida como legítimas expressões da
liberdade individual, que hão-de ser reconhecidas e protegidas como verdadeiros
e próprios direitos.
Chega
assim a uma viragem de trágicas consequências, um longo processo histórico, o
qual, depois de ter descoberto o conceito de «direitos humanos» — como direitos
inerentes a cada pessoa e anteriores a qualquer Constituição e legislação dos
Estados —, incorre hoje numa estranha contradição: precisamente numa época em
que se proclamam solenemente os direitos invioláveis da pessoa e se afirma
publicamente o valor da vida, o próprio direito à vida é praticamente negado e
espezinhado, particularmente nos momentos mais emblemáticos da existência, como
são o nascer e o morrer.
Por
um lado, as várias declarações dos direitos do homem e as múltiplas iniciativas
que nelas se inspiram, indicam a consolidação a nível mundial de uma
sensibilidade moral mais diligente em reconhecer o valor e a dignidade de cada
ser humano enquanto tal, sem qualquer distinção de raça, nacionalidade,
religião, opinião política, estrato social.
Por
outro lado, a estas nobres proclamações contrapõem-se, infelizmente nos factos,
a sua trágica negação. Esta é ainda mais desconcertante, antes mais
escandalosa, precisamente porque se realiza numa sociedade que faz da afirmação
e tutela dos direitos humanos o seu objectivo principal e, conjuntamente, o seu
título de glória. Como pôr de acordo essas repetidas afirmações de princípio
com a contínua multiplicação e a difusa legitimação dos atentados à vida
humana? Como conciliar estas declarações com a recusa do mais débil, do mais
carenciado, do idoso, daquele que acaba de ser concebido? Estes atentados
encaminham-se exactamente na direcção contrária à do respeito pela vida e
representam uma ameaça frontal a toda a cultura dos direitos do homem. É uma
ameaça capaz, em última análise, de pôr em risco o próprio significado da
convivência democrática: de sociedade de «conviventes», as nossas cidades
correm o risco de passar a sociedade de excluídos, marginalizados, irradiados e
suprimidos. Se depois o olhar se alarga ao horizonte mundial, como não pensar
que a afirmação dos direitos das pessoas e dos povos, verificada em altas
reuniões internacionais, se reduz a um estéril exercício retórico, se lá não é
desmascarado o egoísmo dos países ricos que fecham aos países pobres o acesso
ao desenvolvimento ou o condicionam a proibições absurdas de procriação,
contrapondo o progresso ao homem? Porventura não é de pôr em discussão os
próprios modelos económicos, adoptados pelos Estados frequentemente também por
pressões e condicionamentos de carácter internacional, que geram e alimentam
situações de injustiça e violência, nas quais a vida humana de populações
inteiras fica degradada e espezinhada?
19.
Onde estão as raízes de uma contradição tão paradoxal?
Podemo-las
individuar em avaliações globais de ordem cultural e moral, a começar daquela
mentalidade que, exasperando e até deformando o conceito de subjectividade, só
reconhece como titular de direitos quem se apresente com plena ou, pelo menos,
incipiente autonomia e esteja fora da condição de total dependência dos outros.
Mas, como conciliar tal impostação com a exaltação do homem enquanto ser
«não-disponível»? A teoria dos direitos humanos funda-se precisamente na
consideração do facto de o homem, ao contrário dos animais e das coisas, não
poder estar sujeito ao domínio de ninguém. Deve-se acenar ainda àquela lógica
que tende a identificar a dignidade pessoal com a capacidade de comunicação
verbal e explícita e, em todo o caso, experimentável. Claro que, com tais
pressupostos, não há espaço no mundo para quem, como o nascituro ou o doente
terminal, é um sujeito estruturalmente débil, parece totalmente à mercê de
outras pessoas e radicalmente dependente delas, e sabe comunicar apenas
mediante a linguagem muda de uma profunda simbiose de afectos. Assim a força
torna-se o critério de decisão e de acção, nas relações interpessoais e na
convivência social. Mas isto é precisamente o contrário daquilo que, historicamente,
quis afirmar o Estado de direito, como comunidade onde as «razões da força» são
substituídas pela «força da razão».
A
outro nível, as raízes da contradição que se verifica entre a solene afirmação
dos direitos do homem e a sua trágica negação na prática, residem numa
concepção da liberdade que exalta o indivíduo de modo absoluto e não o
predispõe para a solidariedade, o pleno acolhimento e serviço do outro. Se é
certo que, por vezes, a supressão da vida nascente ou terminal aparece também
matizada com um sentido equivocado de altruísmo e de compaixão humana, não se
pode negar que tal cultura de morte, no seu todo, manifesta uma concepção da
liberdade totalmente individualista que acaba por ser a liberdade dos «mais
fortes» contra os débeis, destinados a sucumbir.
Precisamente
neste sentido, se pode interpretar a resposta de Caim à pergunta do Senhor
«onde está Abel, teu irmão?»: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu
irmão?» (Gn 4, 9). Sim, todo o homem é «guarda do seu irmão», porque
Deus confia o homem ao homem. E é tendo em vista também tal entrega que Deus dá
a cada homem a liberdade, que possui uma dimensão relacional essencial.
Trata-se de um grande dom do Criador, quando colocada como deve ser ao serviço
da pessoa e da sua realização mediante o dom de si e o acolhimento do outro;
quando, pelo contrário, a liberdade é absolutizada em chave individualista,
fica esvaziada do seu conteúdo originário e contestada na sua própria vocação e
dignidade.
Mas
há um aspecto ainda mais profundo a sublinhar: a liberdade renega-se a si
mesma, autodestrói-se e predispõe-se à eliminação do outro, quando deixa de
reconhecer e respeitar a sua ligação constitutiva com a verdade. Todas as vezes
que a razão humana, querendo emancipar-se de toda e qualquer tradição e
autoridade, se fecha até às evidências primárias de uma verdade objectiva e
comum, fundamento da vida pessoal e social, a pessoa acaba por assumir como
única e indiscutível referência para as próprias decisões, não já a verdade
sobre o bem e o mal, mas apenas a sua subjectiva e volúvel opinião ou,
simplesmente, o seu interesse egoísta e o seu capricho.
20.
Nesta concepção da liberdade, a convivência social fica profundamente
deformada. Se a promoção do próprio eu, é vista em termos de autonomia absoluta,
inevitavelmente chega-se à negação do outro, visto como um inimigo de quem
defender-se. Deste modo, a sociedade torna-se um conjunto de indivíduos,
colocados uns ao lado dos outros mas sem laços recíprocos: cada um quer
afirmar-se independentemente do outro, mais, quer fazer prevalecer os seus
interesses. Todavia, na presença de análogos interesses da parte do outro, terá
de se render a procurar qualquer forma de compromisso, se se quer que, na
sociedade, seja garantido a cada um o máximo de liberdade possível. Deste modo,
diminui toda a referência a valores comuns e a uma verdade absoluta para todos:
a vida social aventura-se pelas areias movediças de um relativismo total.
Então, tudo é convencional, tudo é negociável: inclusivamente o primeiro dos direitos
fundamentais, o da vida.
É
aquilo que realmente acontece, mesmo no âmbito mais especificamente político e
estatal: o primordial e inalienável direito à vida é posto em discussão ou
negado com base num voto parlamentar ou na vontade de uma parte — mesmo que
seja maioritária — da população. É o resultado nefasto de um relativismo que
reina incontestado: o próprio «direito» deixa de o ser, porque já não está
solidamente fundado sobre a inviolável dignidade da pessoa, mas fica sujeito à
vontade do mais forte. Deste modo e para descrédito das suas regras, a
democracia caminha pela estrada de um substancial totalitarismo. O Estado deixa
de ser a «casa comum», onde todos podem viver segundo princípios de substancial
igualdade, e transforma-se num Estado tirano, que presume de poder dispor da
vida dos mais débeis e indefesos, desde a criança ainda não nascida até ao
idoso, em nome de uma utilidade pública que, na realidade, não é senão o
interesse de alguns.
Tudo
parece acontecer no mais firme respeito da legalidade, pelo menos quando as
leis, que permitem o aborto e a eutanásia, são votadas segundo as chamadas
regras democráticas. Na verdade, porém, estamos perante uma mera e trágica
aparência de legalidade, e o ideal democrático, que é verdadeiramente tal apenas
quando reconhece e tutela a dignidade de toda a pessoa humana, é atraiçoado nas
suas próprias bases: «Como é possível falar ainda de dignidade de toda a pessoa
humana, quando se permite matar a mais débil e a mais inocente? Em nome de qual
justiça se realiza a mais injusta das discriminações entre as pessoas,
declarando algumas dignas de ser defendidas, enquanto a outras esta dignidade é
negada?». 16 Quando se verificam
tais condições, estão já desencadeados aqueles mecanismos que levam à
dissolução da convivência humana autêntica e à desagregação da própria
realidade estatal.
Reivindicar
o direito ao aborto, ao infanticídio, à eutanásia, e reconhecê-lo legalmente,
equivale a atribuir à liberdade humana um significado perverso e iníquo: o
significado de um poder absoluto sobre os outros e contra os outros. Mas isto é
a morte da verdadeira liberdade: «Em verdade, em verdade vos digo: todo aquele
que comete o pecado é escravo do pecado» (Jo 8, 34).
«Obrigado
a ocultar-me longe da tua face» (Gn 4, 14): o eclipse do sentido de
Deus e do homem
21.
Quando se procuram as raízes mais profundas da luta entre a «cultura da vida» e
a «cultura da morte», não podemos deter-nos na noção perversa de liberdade
acima referida. É necessário chegar ao coração do drama vivido pelo homem
contemporâneo: o eclipse do sentido de Deus e do homem, típico de um contexto
social e cultural dominado pelo secularismo que, com os seus tentáculos
invasivos, não deixa às vezes de pôr à prova as próprias comunidades cristãs.
Quem se deixa contagiar por esta atmosfera, entra facilmente na voragem de um
terrível círculo vicioso: perdendo o sentido de Deus, tende-se a perder também
o sentido do homem, da sua dignidade e da sua vida; por sua vez, a sistemática
violação da lei moral, especialmente na grave matéria do respeito da vida
humana e da sua dignidade, produz uma espécie de ofuscamento progressivo da
capacidade de enxergar a presença vivificante e salvífica de Deus.
Podemos,
mais uma vez, inspirar-nos na narração da morte de Abel provocada pelo seu
irmão. Depois da maldição infligida por Deus a Caim, este dirige-se ao Senhor
dizendo: «A minha culpa é grande demais para obter perdão. Expulsas-me hoje
desta terra; obrigado a ocultar-me longe da tua face, terei de andar fugitivo e
vagabundo pela terra, e o primeiro a encontrar-me matar-me-á» (Gn 4,
13-14).
Caim
pensa que o seu pecado não poderá obter perdão do Senhor e que o seu destino
inevitável será «ocultar-se longe» d'Ele. Se Caim chega a confessar que a sua
culpa é «grande demais», é por saber que se encontra diante de Deus e do seu
justo juízo. Na realidade, só diante do Senhor é que o homem pode reconhecer o
seu pecado e perceber toda a sua gravidade. Tal foi a experiência de David,
que, depois «de ter feito o que é mal aos olhos do Senhor» e de ser repreendido
pelo profeta Natã (cf. 2 Sam 11-12), exclama: «Eu reconheço os meus
pecados, e as minhas culpas tenho-as sempre diante de mim. Pequei contra Vós,
só contra Vós, e fiz o mal diante dos vossos olhos» (Sal 51 50, 5-6).
22.
Por isso, quando declina o sentido de Deus, também o sentido do homem fica
ameaçado e adulterado, como afirma de maneira lapidar o Concílio Vaticano II: «Sem o Criador, a criatura não subsiste.
(...) Antes, se se esquece Deus, a própria criatura se obscurece». 17 O homem deixa de conseguir sentir-se como
«misteriosamente outro» face às diversas criaturas terrenas; considera-se
apenas como um de tantos seres vivos, como um organismo que, no máximo, atingiu
um estado muito elevado de perfeição. Fechado no estreito horizonte da sua
dimensão física, reduz-se de certo modo a «uma coisa», deixando de captar o
carácter «transcendente» do seu «existir como homem». Deixa de considerar a
vida como um dom esplêndido de Deus, uma realidade «sagrada» confiada à sua
responsabilidade e, consequentemente, à sua amorosa defesa, à sua «veneração».
A vida torna-se simplesmente «uma coisa», que ele reivindica como sua exclusiva
propriedade, que pode plenamente dominar e manipular.
Assim,
diante da vida que nasce e da vida que morre, o homem já não é capaz de se
deixar interrogar sobre o sentido mais autêntico da sua existência, assumindo
com verdadeira liberdade estes momentos cruciais do próprio «ser». Preocupa-se
somente com o «fazer», e, recorrendo a qualquer forma de tecnologia, moureja a
programar, controlar e dominar o nascimento e a morte. Estes acontecimentos, em
vez de experiências primordiais que requerem ser «vividas», tornam-se coisas
que se pretende simplesmente «possuir» ou «rejeitar».
Aliás,
uma vez excluída a referência a Deus, não surpreende que o sentido de todas as
coisas resulte profundamente deformado, e a própria natureza, já não vista como
matéria, fique reduzida a «material» sujeito a todas as manipulações. A isto
parece conduzir certa mentalidade técnico-científica, predominante na cultura
contemporânea, que nega a ideia mesma de uma verdade própria da criação que se
há-de reconhecer, ou de um desígnio de Deus sobre a vida que temos de
respeitar. E isto não é menos verdade, quando a angústia pelos resultados de
tal «liberdade sem lei» induz alguns à exigência oposta de uma «lei sem
liberdade», como sucede, por exemplo, em ideologias que contestam a
legitimidade de qualquer forma de intervenção sobre a natureza, como que em
nome de uma sua «divinização», o que uma vez mais menospreza a sua dependência
do desígnio do Criador.
Na
realidade, vivendo «como se Deus não existisse», o homem perde o sentido não só
do mistério de Deus, mas também do mistério do mundo, e do mistério do seu
próprio ser.
Nota:
Revisão da tradução para português por ama
_________________________________________
Notas:
(em italiano)
15 Discorso durante la Veglia di preghiera per l'VIII Giornata Mondiale
della Gioventù (14 agosto 1993), II, 3: AAS 86 (1994), 419.
16 Giovanni Paolo II, Discorso ai partecipanti al Convegno di studio su
"Il diritto alla vita e l'Europa" (18 dicembre 1987): Insegnamenti X,
3 (1987), 1446-1447.
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