Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
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Evangelho: Mt 14, 22-36
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Evangelho: Mt 14, 22-36
22 Imediatamente Jesus obrigou os Seus
discípulos a subir para a barca e a passarem antes d'Ele à outra margem do
lago, enquanto despedia a multidão. 23 Despedida esta, subiu a um
monte para orar a sós. Quando chegou a noite, achava-Se ali só. 24
Entretanto a barca no meio do mar era batida pelas ondas, porque o vento era
contrário. 25 Ora, na quarta vigília da noite, Jesus foi ter com
eles, andando sobre o mar. 26 Os discípulos, quando O viram andar
sobre o mar, assustaram-se e disseram: «É um fantasma». E, com medo, começaram
a gritar. 27 Mas Jesus falou-lhes imediatamente dizendo: «Tende
confiança: sou Eu, não temais». 28 Pedro, tomando a palavra, disse:
«Senhor, se és Tu, manda-me ir até onde estás por sobre as águas». 29
Ele disse: «Vem!». Descendo Pedro da barca, caminhava sobre as águas para ir
ter com Jesus. 30 Vendo, porém, que o vento era forte, teve medo e,
começando a afundar-se, gritou, dizendo: «Senhor salva-me!». 31
Imediatamente Jesus, estendendo a mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca
fé, porque duvidaste?». 32 Depois que subiram para a barca, o vento
cessou. 33 Os que estavam na barca prostraram-se diante d'Ele,
dizendo: «Verdadeiramente Tu és o Filho de Deus». 34 Tendo
atravessado o lago, foram para a terra de Genesaré. 35 Tendo-O
reconhecido o povo daquele lugar, mandaram prevenir toda aquela região, e
apresentaram-Lhe todos os doentes. 36 Estes rogavam-Lhe que os deixasse
tocar, ao menos, a orla do Seu vestido. E todos os que a tocaram ficaram
curados.
Ioannes Paulus PP.
II
Centesimus annus
aos veneráveis
Irmãos no Episcopado
ao Clero
às Familías
religiosas
aos Fiéis da Igreia
Católica
e a todos os Homens
de Boa Vontade
no centenário da
Rerum
Novarum
/…6
40. É tarefa do Estado prover à defesa e
tutela de certos bens colectivos como o ambiente natural e o ambiente humano,
cuja salvaguarda não pode ser garantida pelos simples mecanismos de mercado.
Como nos tempos do antigo capitalismo, o Estado tinha o dever de defender os
direitos fundamentais do trabalho, assim diante do novo capitalismo, ele e toda
sociedade têm a obrigação de defender os bens colectivos que, entre outras coisas,
constituem o enquadramento dentro do qual cada um poderá conseguir
legitimamente os seus fins individuais.
Acha-se aqui um novo limite do mercado: há
necessidades colectivas e qualitativas, que não podem ser satisfeitas através
dos seus mecanismos; existem exigências humanas importantes, que escapam à sua
lógica; há bens que, devido à sua natureza, não se podem nem se devem vender e
comprar. Certamente os mecanismos de mercado oferecem seguras vantagens:
ajudam, entre outras coisas, a utilizar melhor os recursos, favorecem o
intercâmbio dos produtos e, sobretudo, põem no centro a vontade e as
preferências da pessoa que, no contrato, se encontram com as de outrem. Todavia
eles comportam o risco de uma «idolatria» do mercado, que ignora a existência de
bens que, pela sua natureza, não são nem podem ser simples mercadoria.
41. O marxismo criticou as sociedades
burguesas capitalistas, censurando-as pela «coisificação» e alienação da
existência humana. Certamente esta censura baseia-se numa concepção errada e
inadequada da alienação, porque restringe a sua causa apenas à esfera das
relações de produção e propriedade, isto é, atribuindo-lhe um fundamento
materialista e, além disso, negando a legitimidade e a positividade das
relações de mercado, inclusive no âmbito que lhes é próprio. Acaba assim por
afirmar que a alienação só poderia ser eliminada numa sociedade de tipo
colectivista. Ora a experiência história dos Países socialistas demonstrou
tristemente que o colectivismo não suprime a alienação, antes a aumenta,
enquanto a ela junta ainda a carência das coisas necessárias e a ineficácia
económica.
A experiência histórica do Ocidente, por
sua vez, demonstra que, embora sejam falsas a análise e a fundamentação
marxista da alienação, todavia esta, com a perda do sentido autêntico da
existência, é também uma experiência real nas sociedades ocidentais. Ela
verifica-se no consumo, quando o homem se vê implicado numa rede de falsas e
superficiais satisfações, em vez de ser ajudado a fazer a autêntica e concreta
experiência da sua personalidade. A alienação verifica-se também no trabalho,
quando é organizado de modo a «maximizar» apenas os seus frutos e rendimentos,
não se preocupando de que o trabalhador, por meio de seu trabalho, se realize
mais ou menos como homem, conforme cresça a sua participação numa autêntica
comunidade humana solidária, ou então cresça o seu isolamento num complexo de
relações de exacerbada competição e de recíproco alheamento, no qual ele
aparece considerado apenas como um meio, e não como um fim.
É necessário reconduzir o conceito de
alienação à perspectiva cristã, reconhecendo-a como a inversão dos meios pelos
fins: quando o homem não reconhece o valor e a grandeza da pessoa em si próprio
e no outro, de facto priva-se da possibilidade de usufruir da própria
humanidade e de entrar na relação de solidariedade e de comunhão com os outros
homens para a qual Deus o criou. Com efeito, é mediante o livre dom de si que o
homem se torna autenticamente ele próprio 81,
e este dom é possível graças à essencial «capacidade de transcendência» da
pessoa humana. O homem não se pode doar a um projecto somente humano da
realidade, nem a um ideal abstracto ou a falsas utopias. Ele, enquanto pessoa,
consegue doar-se a uma outra pessoa ou outras pessoas e, enfim, a Deus, que é o
autor do seu ser e o único que pode acolher plenamente o seu dom 82. Alienado é o homem que recusa
transcender-se a si próprio e viver a experiência do dom de si e da formação de
uma autêntica comunidade humana, orientada para o seu destino último, que é
Deus. Alienada é a sociedade que, nas suas formas de organização social, de
produção e de consumo, torna mais difícil a realização deste dom e a
constituição dessa solidariedade inter-humana.
Na sociedade ocidental foi superada a exploração,
pelo menos nas formas analisadas e descritas por Karl Marx. Pelo contrário, não
foi superada a alienação nas várias formas de exploração quando os homens se
instrumentalizam mutuamente e, na satisfação cada vez mais refinada das suas
necessidades particulares e secundárias, se tornam surdos às suas carências
verdadeiras e autênticas, que devem regular as modalidades de satisfação das
outras necessidades 83. O homem
que se preocupa só ou principalmente do ter e do prazer, incapaz já de dominar
os seus instintos e paixões e de subordiná-los pela obediência à verdade, não
pode ser livre: a obediência à verdade sobre Deus e o homem é a primeira
condição da liberdade, permitindo-lhe ordenar as próprias necessidades, os
próprios desejos e as modalidades da sua satisfação, segundo uma justa
hierarquia, de modo que a posse das coisas seja para ele um meio de
crescimento. Um obstáculo a tal crescimento pode vir da manipulação realizada
por alguns meios de comunicação social que impõem, pela força de uma bem orquestrada
insistência, modos e movimentos de opinião, sem ser possível submeter a um
exame crítico as premissas sobre as quais se fundamentam.
42. Voltando agora à questão inicial,
pode-se porventura dizer que, após a falência do comunismo, o sistema social
vencedor é o capitalismo e que para ele se devem encaminhar os esforços dos
Países que procuram reconstruir as suas economias e a sua sociedade? É,
porventura, este o modelo que se deve propor aos Países do Terceiro Mundo, que
procuram a estrada do verdadeiro progresso económico e civil?
A resposta apresenta-se obviamente
complexa. Se por «capitalismo» se indica um sistema económico que reconhece o
papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e
da consequente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade
humana no sector da economia, a resposta é certamente positiva, embora talvez
fosse mais apropriado falar de «economia de empresa», ou de «economia de
mercado», ou simplesmente de «economia livre». Mas se por «capitalismo» se
entende um sistema onde a liberdade no sector da economia não está enquadrada
num sólido contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade humana
integral e a considere como uma particular dimensão desta liberdade, cujo centro
seja ético e religioso, então a resposta é sem dúvida negativa.
A solução marxista faliu, mas permanecem no
mundo fenómenos de marginalização e de exploração, especialmente no Terceiro
Mundo, e fenómenos de alienação humana, especialmente nos Países mais avançados,
contra os quais se levanta com firmeza a voz da Igreja. Tantas multidões vivem
ainda agora em condições de grande miséria material e moral. A queda do sistema
comunista, em tantos países, elimina certamente um obstáculo para enfrentar de
modo adequado e realístico estes problemas, mas não basta para resolvê-los.
Existe até o risco de se difundir uma ideologia radical de tipo capitalista,
que se recusa mesmo a tomá-los em conta, considerando a priori condenada ao
fracasso toda a tentativa de os encarar e confia fielmente a sua solução ao
livre desenvolvimento das forças de mercado.
43. A Igreja não tem modelos a propor. Os
modelos reais e eficazes poderão nascer apenas no quadro das diversas situações
históricas, graças ao esforço dos responsáveis que enfrentam os problemas
concretos em todos os seus aspectos sociais, económicos, políticos e culturais
que se entrelaçam mutuamente 84.
A esse empenhamento, a Igreja oferece, como orientação ideal indispensável, a
própria doutrina social que — como se disse — reconhece o valor positivo do
mercado e da empresa, mas indica ao mesmo tempo a necessidade de que estes
sejam orientados para o bem comum. Ela reconhece também a legitimidade dos
esforços dos trabalhadores para conseguirem o pleno respeito da sua dignidade e
espaços maiores de participação na vida da empresa, de modo que eles, embora
trabalhando em conjunto com outros e sob a direcção de outros, possam em certo
sentido «trabalhar por conta própria» 85
exercitando a sua inteligência e liberdade.
O desenvolvimento integral da pessoa humana
no trabalho não contradiz, antes favorece a maior produtividade e eficácia do
próprio trabalho, embora isso possa enfraquecer estruturas consolidadas de
poder. A empresa não pode ser considerada apenas como uma «sociedade de
capitais»; é simultaneamente uma «sociedade de pessoas», da qual fazem parte,
de modo diverso e com específicas responsabilidades, quer aqueles que fornecem
o capital necessário para a sua actividade, quer aqueles que à colaboram com o
seu trabalho. Para conseguir este fim, é ainda necessário um grande movimento
associado dos trabalhadores, cujo objectivo é a libertação e a promoção
integral da pessoa.
À luz das «coisas novas» de hoje, foi
relida a relação entre a propriedade individual, ou privada, e o destino
universal dos bens. O homem realiza-se através da sua inteligência e da sua
liberdade e, ao fazê-lo, assume como objecto e instrumento as coisas do mundo e
delas se apropria. Neste seu agir, está o fundamento do direito à iniciativa e
à propriedade individual. Mediante o seu trabalho, o homem empenha-se não só
para proveito próprio, mas também para os outros e com os outros: cada um
colabora para o trabalho e o bem dos outros. O homem trabalha para acorrer às
necessidades da sua família, da comunidade de que faz parte, da Nação e, em
definitivo, da humanidade inteira 86. Além disso, colabora para o trabalho dos
outros, que operam na mesma empresa, como também para o trabalho dos
fornecedores ou para o consumo dos clientes, numa cadeia de solidariedade que
se alarga progressivamente. A posse dos meios de produção, tanto no campo
industrial como no agrícola, é justa e legítima, se serve para um trabalho
útil; pelo contrário, torna-se ilegítima, quando não é valorizada ou serve para
impedir o trabalho dos outros, para obter um ganho que não provém da expansão
global do trabalho humano e da riqueza social, mas antes da sua repressão, da
ilícita exploração, da especulação, e da ruptura da solidariedade no mundo do
trabalho 87. Semelhante
propriedade não tem qualquer justificação, e constitui um abuso diante de Deus
e dos homens.
A obrigação de ganhar o pão com o suor do
próprio rosto supõe, ao mesmo tempo, um direito. Uma sociedade onde este
direito seja sistematicamente negado, onde as medidas de política económica não
consintam aos trabalhadores alcançarem níveis satisfatórios de ocupação, não
pode conseguir nem a sua legitimação ética nem a paz social 88. Tal como a
pessoa se realiza plenamente na livre doação de si própria, assim a propriedade
se justifica moralmente na criação, em moldes e tempos devidos, de ocasiões de
trabalho e crescimento humano para todos.
V.
ESTADO E CULTURA
44. Leão XIII não ignorava que uma sã
teoria do Estado é necessária para assegurar o desenvolvimento normal das actividades
humanas: tanto as espirituais, como as materiais, sendo ambas indispensáveis 89. Por isso, numa passagem da Rerum
novarum, ele apresenta a organização da sociedade segundo três poderes —
legislativo, executivo e judicial — o que constituía, naquele tempo, uma
novidade no ensinamento da Igreja 90.
Tal ordenamento reflecte uma visão realista da natureza social do homem a qual
exige uma legislação adequada para proteger a liberdade de todos. Para tal fim
é preferível que cada poder seja equilibrado por outros poderes e outras
esferas de competência que o mantenham no seu justo limite. Este é o princípio
do «Estado de direito», no qual é soberana a lei, e não a vontade arbitrária
dos homens.
A esta concepção se opôs, nos tempos
modernos, o totalitarismo, o qual, na forma marxista-leninista, defende que
alguns homens, em virtude de um conhecimento mais profundo das leis do
desenvolvimento da sociedade, ou de uma particular consciência de classe ou por
um contacto com as fontes mais profundas da consciência colectiva, estão
isentos de erro e podem, por conseguinte, arrogar-se o exercício de um poder
absoluto. Acrescente-se que o totalitarismo nasce da negação da verdade em
sentido objectivo: se não exis- te uma verdade transcendente, na obediência à
qual o homem adquire a sua plena identidade, então não há qualquer princípio
seguro que garanta relações justas entre os homens. Com efeito, o seu interesse
de classe, de grupo, de Nação, contrapõe-nos inevitavelmente uns aos outros. Se
não se reconhece a verdade transcendente, triunfa a força do poder, e cada um
tende a aproveitar-se ao máximo dos meios à sua disposição para impor o próprio
interesse ou opinião, sem atender aos direitos do outro. Então o homem é
respeitado apenas na medida em que for possível instrumentalizá-lo no sentido
de uma afirmação egoísta. A raiz do totalitarismo moderno, portanto, deve ser
individuada na negação da transcendente dignidade da pessoa humana, imagem
visível de Deus invisível e, precisamente por isso, pela sua própria natureza,
sujeito de direitos que ninguém pode violar: seja indivíduo, grupo, classe,
Nação ou Estado. Nem tão-pouco o pode fazer a maioria de um corpo social,
lançando-se contra a minoria, marginalizando, oprimindo, explorando ou tentando
destruí-la 91.
45. A cultura e a práxis do totalitarismo
comportam também a negação da Igreja. O Estado, ou então o partido, que
pretende poder realizar na história o bem absoluto e se arvora por cima de
todos os valores, não pode tolerar que seja afirmado um critério objectivo do
bem e do mal, para além da vontade dos governantes, o qual, em determinadas
circunstâncias, pode servir para julgar o seu comportamento. Isto explica
porquê o totalitarismo procura destruir a Igreja ou, pelo menos, subjugá-la,
fazendo-a instrumento do próprio aparelho ideológico 92.
O Estado totalitário tende, ainda, a
absorver em si próprio a Nação, a sociedade, a família, as comunidades
religiosas e as próprias pessoas. Defendendo a própria liberdade, a Igreja
defende a pessoa, que deve obedecer antes a Deus que aos homens (cf. Act
5, 29), a família, as diversas organizações sociais e as Nações,
realidades essas que gozam de uma específica esfera de autonomia e soberania.
46. A Igreja encara com simpatia o sistema
da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções
políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar
os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se
torne oportuno; 83 ela não pode,
portanto, favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o
poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objectivos
ideológicos.
Uma autêntica democracia só é possível num
Estado de direito e sobre a base de uma recta concepção da pessoa humana.
Aquela exige que se verifiquem as condições necessárias à promoção quer dos
indivíduos através da educação e da formação nos verdadeiros ideais, quer da
«subjectividade» da sociedade, mediante a criação de estruturas de participação
e corresponsabilidade. Hoje tende-se a afirmar que o agnosticismo e o
relativismo céptico constituem a filosofia e o comportamento fundamental mais
idóneos às formas políticas democráticas, e que todos quantos estão convencidos
de conhecer a verdade e firmemente aderem a ela não são dignos de confiança do
ponto de vista democrático, porque não aceitam que a verdade seja determinada
pela maioria ou seja variável segundo os diversos equilíbrios políticos. A este
propósito, é necessário notar que, se não existe nenhuma verdade última que
guie e oriente a acção política, então as ideias e as convicções podem ser
facilmente instrumentalizadas para fins de poder. Uma democracia sem valores
converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como a história
demonstra.
A Igreja também não fecha os olhos diante
do perigo do fanatismo, ou fundamentalismo, daqueles que, em nome de uma
ideologia que se pretende científica ou religiosa, defendem poder impor aos
outros homens a sua concepção da verdade e do bem. Não é deste tipo a verdade
cristã. Não sendo ideológica, a fé cristã não presume encarcerar num esquema
rígido a variável realidade sócio-política e reconhece que a vida do homem se
realiza na história, em condições diversas e não perfeitas. A Igreja, portanto,
reafirmando constantemente a dignidade transcendente da pessoa, tem, por
método, o respeito da liberdade 94.
Mas a liberdade só é plenamente valorizada
pela aceitação da verdade: num mundo sem verdade, a liberdade perde a sua
consistência, e o homem acaba exposto à violência das paixões e a
condicionalismos visíveis ou ocultos. O cristão vive a liberdade (cf. Jo 8,
31-32), e serve-a propondo continuamente, segundo a natureza missionária
da sua vocação, a verdade que conheceu. No diálogo com os outros homens, ele,
atento a toda a parcela de verdade que encontre na experiência de vida e na
cultura dos indivíduos e das Nações, não renunciará a afirmar tudo o que a sua
fé e o recto uso da razão lhe deram a conhecer 95.
47. Após a queda do totalitarismo comunista
e de muitos outros regimes totalitários e de «segurança nacional», assistimos
hoje à prevalência, não sem contrastes, do ideal democrático, em conjunto com
uma viva atenção e preocupação pelos direitos humanos. Mas, exactamente por
isso, é necessário que os povos, que estão reformando os seus regimes, dêem à
democracia um autêntico e sólido fundamento mediante o reconhecimento explícito
dos referidos direitos 96. Entre os
principais, recordem-se: o direito à vida, do qual é parte integrante o direito
a crescer à sombra do coração da mãe depois de ser gerado; o direito a viver
numa família unida e num ambiente moral favorável ao desenvolvimento da própria
personalidade; o direito a maturar a sua inteligência e liberdade na procura e
no conhecimento da verdade; o direito a participar no trabalho para valorizar
os bens da terra e a obter dele o sustento próprio e dos seus familiares; o
direito a fundar uma família e a acolher e educar os filhos, exercitando
responsavelmente a sua sexualidade. Fonte e síntese destes direitos é, em certo
sentido, a liberdade religiosa, entendida como direito a viver na verdade da
própria fé e em conformidade com a dignidade transcendente da pessoa 97.
Também nos Países onde vigoram formas de
governo democrático, nem sempre estes direitos são totalmente respeitados. Não
se trata apenas do escândalo do aborto, mas de diversos aspectos de uma crise
dos sistemas democráticos, que às vezes parecem ter perdido a capacidade de
decidir segundo o bem comum. As questões levantadas pela sociedade não são
examinadas à luz dos critérios de justiça e moralidade, mas antes na base da
força eleitoral ou financeira dos grupos que as apoiam. Semelhantes desvios da
prática política geram, com o tempo, desconfiança e apatia e consequentemente
diminuição da participação política e do espírito cívico, no seio da população,
que se sente prejudicada e desiludida. Disso resulta a crescente incapacidade
de enquadrar os interesses particulares numa coerente visão do bem comum. Este
efectivamente não é a mera soma dos interesses particulares, mas implica a sua
avaliação e composição feita com base numa equilibrada hierarquia de valores e,
em última análise, numa correcta compreensão da dignidade e dos direitos da
pessoa 98.
A Igreja respeita a legítima autonomia da
ordem democrática, mas não é sua atribuição manifestar preferência por uma ou
outra solução institucional ou constitucional. O contributo, por ela oferecido
nesta ordem, é precisamente aquela visão da dignidade da pessoa, que se revela
em toda a sua plenitude no mistério do Verbo encarnado 99.
(Nota: Revisão da
tradução para português por ama)
____________________________
Notas:
(81) Cf. CONC. OEC. VAT. II, Const.
past. Gaudium et spes de Ecclesia in mundo huius temporis, 24.
(82) Cf. Ibid., 41.
(83) Cf. Ibid., 26.
(84) Cf. CONC. OEC. VAT. II, Const.
past. Gaudium et spes de Ecclesia in mundo hulus temporls, 36; PAULUS PP. VI,
Ep. Apost. Octogesima adveniens, 2-5: l. mem., 402-405.
(85) CL Litt. Enc. Laborem exercens,
15: l. mem., 616-618.
(86) Cf. Ibid., 10: l. mem., 600-602.
(87) Cf. Ibid., 14: l. mem., 612-616.
(88) Cf. Ibid., 18: l. mem., 622-625.
(89) Cf. Litt. Enc. Rerum novarum: l.
mem., 126-128.
(90) Cf. Ibid.: 1. mem., 121 s.
(91) Cf. LEO PP. XIII, Lltt. Enc.
Libertas praestantissimum: l. mem., 224-226.
(92) Cf. CONC. OEC. VAT. II, Const.
past. Gaudium et spes de Ecclesla in mundo huius temporis, 76.
(93) Cf. Ibid., 29; Pius PP. XII,
Nuntius radiophonicus natalicius die 24 Decembrls 1944 datus: AAS 37 (1945),
10-20.
(94) Cf. CONC. OEC. VAT. II, Declaratio
Dignitatis humanae de Libertate religiosa.
(95) Cf. Litt. Enc. Redemptoris missio,
11: diurnarium « L'Osservatore Romano », 23 Ianuarii 1991.
(96) Cf. Litt. Enc. Redemptor hominis,
17: l. mem., 270-272.
(97) Cf. Nuntius pro Mundiali Die Paci
fovendae dicato 1988: l. mem., 1572-1580; Nuntius pro Mundiali Die Paci
fovendae dicato 1991: diurnarium « L'Osservatore Romano », 19 Decembris 1990;
CONC. OEC. VAT. II, Declaratio Dignitatis humanae de Libertate religiosa, 1-2.
(98) CONC. OEC. VAT. II, Const. past.
Gaudium et spes de Ecclesia in mundo huius temporis, 26.
(99)
CONC. OEC. VAT. II, Const. past. Gaudium et spes de Ecclesia in mundo huius
temporis, 22.
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