Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
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Evangelho: Mt 14, 1-21
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Evangelho: Mt 14, 1-21
1
Naquele tempo, o tetrarca Herodes ouviu falar da fama de Jesus, 2 e
disse aos seus cortesãos: «Este é João Baptista, que ressuscitou dos mortos, e
por isso se operam por meio dele tantos milagres». 3 Porque Herodes
tinha mandado prender João, e tinha-o algemado e metido no cárcere, por causa
de Herodíades, mulher de seu irmão Filipe. 4 Porque João dizia-lhe:
«Não te é lícito tê-la por mulher». 5 E, querendo matá-lo, teve medo
do povo, porque este o considerava como um profeta. 6 Mas, no dia
natalício de Herodes, a filha de Herodíades bailou no meio dos convivas e
agradou a Herodes. 7 Por isso ele prometeu-lhe com juramento dar-lhe
tudo o que lhe pedisse. 8 E ela, instigada por sua mãe, disse:
«Dá-me aqui num prato a cabeça de João Baptista». 9 O rei
entristeceu-se, mas, por causa do juramento e dos comensais, ordenou que lhe
fosse entregue. 10 E mandou degolar João no cárcere. 11 A
sua cabeça foi trazida num prato e dada à jovem, e ela levou-a à mãe. 12
Chegando os seus discípulos levaram o corpo e sepultaram-no; depois foram dar a
notícia a Jesus. 13 Tendo Jesus ouvido isto, retirou-Se dali numa
barca para um lugar solitário afastado; mas as turbas, tendo sabido isto,
seguiram-n'O das cidades, a pé. 14 Ao sair da barca, viu Jesus uma
grande multidão, e teve compaixão e curou os seus enfermos. 15 Ao
cair da tarde, aproximaram-se d'Ele os discípulos, dizendo: «Este lugar é
deserto e a hora é já adiantada; deixa ir esta gente, para que, indo às
aldeias, compre de comer». 16 Mas Jesus disse-lhes: «Não têm
necessidade de ir; dai-lhes vós mesmos de comer». 17 Responderam-Lhe:
«Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes». 18 Ele disse-lhes:
«Trazei-mos cá». 19 E depois de ter mandado à multidão que se sentasse
sobre a relva, tomou os cinco pães e os dois peixes, levantou os olhos ao céu,
pronunciou a bênção e, partindo os pães, deu-os aos discípulos, e os discípulos
à multidão. 20 Comeram todos, e saciaram-se; e recolheram doze
cestos cheios dos bocados que sobejaram. 21 Ora o número dos que
tinham comido era de uns cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.
Ioannes Paulus PP.
II
Centesimus annus
aos veneráveis
Irmãos no Episcopado
ao Clero
às Familías
religiosas
aos Fiéis da Igreia
Católica
e a todos os Homens
de Boa Vontade
no centenário da
Rerum
Novarum
/…5
33. Contudo não se podem deixar de
denunciar os riscos e os problemas conexos com este tipo de processo. De facto,
hoje muitos homens, talvez a maioria, não dispõem de instrumentos que consintam
entrar, de modo efectivo e humanamente digno, dentro de um sistema de empresa,
no qual o trabalho ocupa uma posição verdadeiramente central. Não têm a
possibilidade de adquirir os conhecimentos de base que permitam exprimir a sua
criatividade e desenvolver as suas potencialidades, nem de penetrar na rede de
conhecimentos e intercomunicações, que lhes consentiria ver apreciadas e
utilizadas as suas qualidades. Em suma, eles, se não são propriamente
explorados, vêem-se amplamente marginalizados, e o progresso económico
desenvolve-se, por assim dizer, por cima das suas cabeças, quando não restringe
ainda mais os espaços já estreitos das suas economias tradicionais de
subsistência. Incapazes de resistir à concorrência de mercadorias produzidas em
moldes novos e adequados às necessidades — que antes eles costumavam resolver
através das formas organizativas tradicionais —, aliciados pelo esplendor de
uma opulência ostensiva, mas para eles inacessível, e ao mesmo tempo
constrangidos pela necessidade, estes homens aglomeram- -se nas cidades do
Terceiro Mundo, onde com frequência aparecem culturalmente desenraizados e
encontram-se em situações de precariedade violenta, sem possibilidade de
integração. Não se lhes reconhece, de facto, dignidade, e procura-se às vezes
eliminá- -los da história por meio de formas coercivas de controle demográfico,
contrárias à dignidade humana.
Muitos outros, embora não estando
totalmente marginalizados, vivem inseridos em ambientes onde a luta pelo
necessário é absolutamente primária, e vigoram ainda as regras do capitalismo
original, na «crueldade» de uma situação que nada fica a dever à dos momentos
mais negros da primeira fase da industrialização. Noutros casos, a terra é
ainda o elemento central do processo económico, e aqueles que a cultivam,
excluídos da sua posse, estão reduzidos a condições de semi-escravatura 71. Nestas situações pode-se ainda hoje,
como no tempo da Rerum novarum, falar de exploração desumana. Apesar das
grandes mudanças verificadas nas sociedades mais avançadas, as carências
humanas do capitalismo, com o consequente domínio das coisas sobre os homens,
ainda não desapareceram; pelo contrário, para os pobres à carência dos bens
materiais juntou-se a do conhecimento e da ciência, que lhes impede de sair do
estado de humilhante subordinação.
Infelizmente a grande maioria dos habitantes
do Terceiro Mundo vive ainda nestas condições. Seria errado, porém, imaginar
este Mundo, num sentido somente geográfico. Em algumas regiões e em alguns
sectores sociais, foram activados processos de desenvolvimento centrados na
valorização não tanto dos recursos materiais, mas dos «recursos humanos».
Há relativamente poucos anos, afirmou-se
que o desenvolvimento dos Países mais pobres dependeria do seu isolamento do
mercado mundial, e da confiança apenas nas próprias forças. A recente
experiência demonstrou que os Países que foram excluídos registaram estagnação
e recessão, enquanto conheceram o desenvolvimento aqueles que conseguiram
entrar na corrente geral de interligação das actividades económicas a nível
internacional. O maior problema, portanto, parece ser a obtenção de um acesso
equitativo ao mercado internacional, não fundado sobre o princípio unilateral
do aproveitamento dos recursos naturais, mas sobre a valorização dos recursos
humanos 72.
Aspectos típicos do Terceiro Mundo emergem
também nos Países desenvolvidos, onde a transformação incessante das
modalidades de produção e consumo desvaloriza certos conhecimentos já
adquiridos e capacidades profissionais consolidadas, exigindo um esforço
contínuo de requalificação e actualização. Aqueles que não conseguem acompanhar
os tempos podem facilmente ser marginalizados; juntamente com eles são-no os
anciãos, os jovens incapazes de se inserirem na vida social e, de um modo
geral, os sujeitos mais débeis e o denominado Quarto Mundo. Nestas condições,
também a situação da mulher se apresenta muito difícil.
34. Tanto a nível da cada Nação, como no
das relações internacionais, o livre mercado parece ser o instrumento mais
eficaz para dinamizar os recursos e corresponder eficazmente às necessidades. Isto,
contudo, vale apenas para as necessidades «solvíveis», que gozam da
possibilidade de aquisição, e para os recursos que são «comercializáveis», isto
é, capazes de obter um preço adequado. Mas existem numerosas carências humanas,
sem acesso ao mercado. É estrito dever de justiça e verdade impedir que as
necessidades humanas fundamentais permaneçam insatisfeitas e que pereçam os
homens por elas oprimidos. Além disso, é necessário que estes homens
carenciados sejam ajudados a adquirir os conhecimentos, a entrar no círculo de
relações, a desenvolver as suas aptidões, para melhor valorizar as suas
capacidades e recursos. Ainda antes da lógica da comercialização dos valores
equivalentes e das formas de justiça, que lhe são próprias, existe algo que é
devido ao homem porque é homem, com base na sua eminente dignidade. Esse algo
que é devido comporta inseparavelmente a possibilidade de sobreviver e de dar
um contributo activo para o bem comum da humanidade.
No contexto do Terceiro Mundo, conservam a
sua validade (em certos casos é ainda uma meta a ser alcançada), aqueles mesmos
objectivos indicados pela Rerum novarum para evitar a redução do trabalho
humano e do próprio homem ao nível de simples mercadoria: o salário suficiente
para a vida da família, seguros sociais para a ancianidade e o desemprego, a
tutela adequada das condições de trabalho.
35. Abre-se aqui um grande e fecundo campo
de empenhamento e luta, em nome da justiça, para os sindicatos e outras
organizações dos trabalhadores que defendem direitos e tutelam o indivíduo,
realizando simultaneamente uma função essencial de carácter cultural, com a
finalidade de os fazer participar de modo mais pleno e digno na vida da Nação,
e de os ajudar ao longo do caminho do progresso.
Neste sentido, é correcto falar de luta
contra um sistema económico, visto como método que assegura a prevalência
absoluta do capital, da posse dos meios de produção e da terra, relativamente à
livre subjectividade do trabalho do homem 73.
Nesta luta contra um tal sistema, não se veja, como modelo alternativo, o
sistema socialista, que, de facto, não passa de um capitalismo de estado, mas
uma sociedade do trabalho livre, da empresa e da participação. Esta não se
contrapõe ao livre mercado, mas requer que ele seja oportunamente controlado
pelas forças sociais e estatais, de modo a garantir a satisfação das exigências
fundamentais de toda a sociedade.
A Igreja reconhece a justa função do lucro,
como indicador do bom funcionamento da empresa: quando esta dá lucro, isso
significa que os factores produtivos foram adequadamente usados e as
correlativas necessidades humanas devidamente satisfeitas. Todavia o lucro não
é o único indicador das condições da empresa. Pode acontecer que a
contabilidade esteja em ordem e simultaneamente os homens, que constituem o
património mais precioso da empresa, sejam humilhados e ofendidos na sua
dignidade. Além de ser moralmente inadmissível, isso não pode deixar de se
reflectir futuramente de modo negativo na própria eficiência económica da
empresa. Com efeito, o objectivo desta não é simplesmente o lucro, mas sim a
própria existência da empresa como comunidade de homens que, de diverso modo,
procuram a satisfação das suas necessidades fundamentais e constituem um grupo
especial ao serviço de toda a sociedade. O lucro é um regulador da vida da
empresa, mas não o único; a ele se deve associar a consideração de outros
factores humanos e morais que, a longo prazo, são igualmente essenciais para a
vida da empresa.
Como vimos lá atrás, é inaceitável a
afirmação de que a derrocada do denominado «socialismo real» deixe o
capitalismo como único modelo de organização económica. Torna-se necessário
quebrar as barreiras e os monopólios que deixam tantos povos à margem do
progresso, e garantir, a todos os indivíduos e Nações, as condições basilares
que lhes permitam participar no desenvolvimento. Tal objectivo requer esforços
programados e responsáveis por parte de toda a comunidade internacional. É
necessário que as Nações mais fortes saibam oferecer às mais débeis, ocasiões
de inserção na vida internacional e que as mais débeis saibam aproveitar essas
ocasiões, realizando os esforços e sacrifícios necessários, assegurando a
estabilidade do quadro político e económico, a certeza de perspectivas para o
futuro, o crescimento da capacidade dos próprios trabalhadores, a formação de
empresários eficientes e conscientes das suas responsabilidades 74.
Actualmente, sobre os esforços positivos
realizados com tal finalidade, pesa o problema, em grande medida ainda por
resolver, da dívida externa dos Países mais pobres. Com certeza que é justo o
princípio de que as dívidas devem ser pagas; não é lícito, porém, pedir ou
pretender um pagamento, quando esse levaria de facto a impor opções políticas
tais que condenariam à fome e ao desespero populações inteiras. Não se pode
pretender que as dívidas contraídas sejam pagas com sacrifícios insuportáveis.
Nestes casos, é necessário — como, de resto, está sucedendo em certa medida —
encontrar modalidades para mitigar, reescalonar ou até cancelar a dívida,
compatíveis com o direito fundamental dos povos à subsistência e ao progresso.
36. Convém agora prestar atenção aos
problemas específicos e às ameaças, que se levantam no interior das economias
mais avançadas e que estão conexas com as suas características peculiares. Nas
fases precedentes do desenvolvimento, o homem sempre viveu sob o peso da
necessidade. As suas carências eram poucas, de algum modo já fixadas nas
estruturas objectivas da sua constituição corpórea, e a actividade económica
estava orientada à sua satisfação. Hoje é claro que o problema não é só
oferecer-lhes uma quantidade suficiente de bens, mas de responder a uma
exigência de qualidade: qualidade das mercadorias a produzir e a consumir,
qualidade dos serviços a ser utilizados, qualidade do ambiente e da vida em
geral.
O pedido de uma existência qualitativamente
mais satisfatória e mais rica é, em si mesmo, legítimo; mas devemos sublinhar
as novas responsabilidades e os perigos conexos com esta fase histórica. No
mundo onde surgem e se definem as novas necessidades, está sempre subjacente
uma concepção mais ou menos adequada do homem e do seu verdadeiro bem: através
das opções de produção e de consumo, manifesta-se uma determinada cultura, como
concepção global da vida. É aqui que surge o fenómeno do consumismo.
Individuando novas necessidades e novas modalidades para a sua satisfação, é
necessário deixar-se guiar por uma imagem integral do homem, que respeite todas
as dimensões do seu ser e subordine as necessidades materiais e instintivas às
interiores e espirituais. Caso contrário, explorando directamente os seus
instintos e prescindindo, de diversos modos, da sua realidade pessoal
consciente e livre, podem-se criar hábitos de consumo e estilos de vida
objectivamente ilícitos, e frequentemente prejudiciais à sua saúde física e
espiritual. O sistema económico, em si mesmo, não possui critérios que permitam
distinguir correctamente as formas novas e mais elevadas de satisfação das
necessidades humanas, das necessidades artificialmente criadas que se opõem à
formação de uma personalidade madura. Torna-se por isso necessária e urgente,
uma grande obra educativa e cultural, que abranja a educação dos consumidores
para um uso responsável do seu poder de escolha, a formação de um alto sentido
de responsabilidade nos produtores, e, sobretudo, nos profissionais dos
mass-media, além da necessária intervenção das Autoridades públicas.
Um exemplo flagrante de consumo artificial,
contrário à saúde e à dignidade do homem, certamente difícil de ser controlado,
é o da droga. A sua difusão é índice de uma grave disfunção do sistema social,
e subentende igualmente uma «leitura» materialista, em certo sentido,
destrutiva das necessidades humanas. Deste modo a capacidade de inovação da
livre economia termina actuando-se de modo unilateral e inadequado. A droga,
como também a pornografia e outras formas de consumismo, explorando a
fragilidade dos débeis, tentam preencher o vazio espiritual que se veio a
criar.
Não é mal desejar uma vida melhor, mas é
errado o estilo de vida que se presume ser melhor, quando ela é orientada ao
ter e não ao ser, e deseja ter mais não para ser mais, mas para consumir a
existência no prazer, visto como fim em si próprio 75. É necessário, por isso, esforçar-se por construir
estilos de vida, nos quais a busca do verdadeiro, do belo e do bom, e a
comunhão com os outros homens, em ordem ao crescimento comum, sejam os
elementos que determinam as opções do consumo, da poupança e do investimento. A
propósito disto, não posso limitar-me a recordar o dever da caridade, isto é, o
dever de acorrer com o «supérfluo», e às vezes até com o «necessário» para garantir
o indispensável à vida do pobre. Mas aludo também ao facto de que a opção de
investir num lugar em vez de outro, neste sector produtivo e não naquele, é
sempre uma escolha moral e cultural. Postas certas condições económicas e de
estabilidade política absolutamente imprescindíveis, a decisão de investir,
isto é, de oferecer a um povo a ocasião de valorizar o próprio trabalho, é
determinada também por uma atitude de solidariedade e pela confiança na
Providência divina, que revela a qualidade humana daquele que decide.
37. Igualmente preocupante, ao lado do
problema do consumismo e, com ele, estritamente ligada, é a questão ecológica.
O homem, tomado mais pelo desejo do ter e do prazer, do que pelo de ser e de
crescer, consome de maneira excessiva e desordenada os recursos da terra e da
sua própria vida. Na raiz da destruição insensata do ambiente natural, há um
erro antropológico, infelizmente muito espalhado no nosso tempo. O homem, que
descobre a sua capacidade de transformar e, de certo modo, criar o mundo com o
próprio trabalho, esquece que este se desenrola sempre sobre a base da doação
originária das coisas por parte de Deus. Pensa que pode dispor arbitrariamente
da terra, submetendo-a sem reservas à sua vontade, como se ela não possuísse
uma forma própria e um destino anterior que Deus lhe deu, e que o homem pode,
sim, desenvolver, mas não deve trair. Em vez de realizar o seu papel de
colaborador de Deus na obra da criação, o homem substitui-se a Deus, e deste
modo acaba por provocar a revolta da natureza, mais tiranizada que governada
por ele 76.
Nota-se aqui, antes de mais, uma pobreza ou
mesquinhez da visão humana, mais animada pelo desejo de possuir as coisas do
que relacioná-las com a verdade, privado do comportamento desinteressado,
gratuito, estético que brota do assombro diante do ser e da beleza, que leva a
ler, nas coisas visíveis, a mensagem do Deus invisível que as criou. A respeito
disso, a humanidade de hoje deve estar consciente dos seus deveres e tarefas,
em vista das gerações futuras.
38. Além da destruição irracional do
ambiente natural, é de recordar aqui outra ainda mais grave, qual é a do
ambiente humano, a que se está ainda longe de prestar a necessária atenção.
Enquanto justamente nos preocupamos, apesar de bem menos do que o necessário,
em preservar o «habitat» natural das diversas espécies animais ameaçadas de
extinção, porque nos damos conta da particular contribuição que cada uma delas
dá ao equilíbrio geral da terra, empenhamo-nos demasiado pouco em salvaguardar
as condições morais de uma autêntica «ecologia humana». Não só a terra foi dada
por Deus ao homem, que a deve usar respeitando a intenção originária de bem,
segundo a qual lhe foi entregue; mas o homem é doado a si mesmo por Deus,
devendo por isso respeitar a estrutura natural e moral, de que foi dotado.
Neste contexto, são de mencionar os graves problemas da moderna urbanização, a
necessidade de um urbanismo preocupado com a vida das pessoas, bem como a
devida atenção a uma «ecologia social» do trabalho.
O homem recebe de Deus a sua dignidade
essencial e com ela a capacidade de transcender todo o regime da sociedade,
rumo à verdade e ao bem. Contudo está fortemente condicionado também pela
estrutura social em que vive, pela educação recebida e pelo ambiente. Estes elementos
tanto podem facilitar como dificultar o seu viver conforme à verdade. As
decisões, graças às quais se constitui um ambiente humano, podem criar
estruturas específicas de pecado, impedindo a plena realização daqueles que
vivem de diversos modos oprimidos por elas. Destruir tais estruturas,
substituindo-as por formas de convivência mais autênticas é uma tarefa que
exige coragem e paciência 77.
39. A primeira e fundamental estrutura a
favor da «ecologia humana» é a família, no seio da qual o homem recebe as
primeiras e determinantes noções acerca da verdade e do bem, aprende o que
significa amar e ser amado e, consequentemente, o que quer dizer, em concreto,
ser uma pessoa. Pensa-se aqui na família fundada sobre o matrimónio, onde a
doação recíproca de si mesmo, por parte do homem e da mulher, cria um ambiente
vital onde a criança pode nascer e desenvolver as suas potencialidades,
tornar-se consciente da sua dignidade e preparar-se para enfrentar o seu único
e irrepetível destino. Muitas vezes dá- -se o inverso; o homem é desencorajado
de realizar as autênticas condições da geração humana, e aliciado a
considerar-se a si próprio e à sua vida mais como um conjunto de sensações a
ser experimentadas do que como uma obra a realizar. Daqui nasce uma carência de
liberdade que o leva a renunciar ao compromisso de se ligar estavelmente com
outra pessoa e de gerar filhos, ou que o induz a considerar estes últimos como
uma de tantas «coisas» que é possível ter ou não ter, segundo os próprios
gostos, e que entram em concorrência com outras possibilidades.
É necessário voltar a considerar a família
como o santuário da vida. De facto, ela é sagrada: é o lugar onde a vida, dom
de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida contra os múltiplos
ataques a que está exposta, e pode desenvolver-se segundo as exigências de um
crescimento humano autêntico. Contra a denominada cultura da morte, a família
constitui a sede da cultura da vida.
O engenho humano parece orientar-se, nesse
campo, mais para limitar, suprimir ou anular as fontes da vida, chegando até ao
recurso do aborto, infelizmente tão espalhado pelo mundo, do que para defender
e criar possibilidades à mesma vida. Na Encíclica Sollicitudo rei socialis,
foram denunciadas as campanhas sistemáticas contra a natalidade, que, baseadas
numa concepção distorcida do problema demográfico e num clima de «absoluta
falta de respeito pela liberdade de decisão das pessoas interessadas», as
submetem muitas vezes «a pressões intoleráveis (...) a fim de cederem a esta
nova forma de opressão» 78.
Trata-se de políticas que, com novas técnicas, estendem o seu raio de acção até
ao ponto de chegarem, como numa «guerra química», a envenenar a vida de milhões
de seres humanos indefesos.
Estas críticas, são dirigidas não tanto
contra um sistema económico, quanto contra um sistema ético-cultural. De facto,
a economia é apenas um aspecto e uma dimensão da complexa actividade humana. Se
ela for absolutizada, se a produção e o consumo das coisas acabar por ocupar o
centro da vida social, tornando-se o único valor verdadeiro da sociedade, não
subordinado a nenhum outro, a causa terá de ser procurada não tanto no próprio
sistema económico, quanto no facto de que todo o sistema socio-cultural,
ignorando a dimensão ética e religiosa, ficou debilitado, limitando-se apenas à
produção dos bens e dos serviços 79.
Tudo isto se pode resumir afirmando mais
uma vez que a liberdade económica é apenas um elemento da liberdade humana.
Quando aquela se torna autónoma, isto é, quando o homem é visto mais como um
produtor ou um consumidor de bens do que como um sujeito que produz e consome
para viver, então ela perde a sua necessária relação com a pessoa humana e
acaba por a alienar e oprimir 80.
(Nota: Revisão da
tradução para português por ama)
____________________________
Notas:
(71) Cf. Litt. Enc. Laborem exercens,
21: l. mem., 632-634.
(72) Cf. PAULUS PP. VI, Litt. Enc.
Populorum progressio, 33-42: l. mem., 273-278.
(73) Cf. Litt. Enc. Laborem exercens,
7: l. mem., 592-594.
(74) Cf. Ibid., 8: I. mem., 594-598.
(75) Cf. CONC. OEC. VAT. II, Const.
past. Gaudium et spes de Ecclesia in mundo huius temporis, 35; PAULUS PP. VI,
Litt. Enc. Populorum prog ressio, 19: l. mem., 266 s.
(76) Cf. Litt. Enc. Sollicitudo rei
socialis, 34: l. mem., 559 s.; Nuntius pro Mundiali Die Paci fovendae dicato
1990: AAS 82 (1990), 147-156.
(77) Cf. Adhort. Apost. post-synodalis
Reconciliatio et Paenitentia (2 Decembris 1984), 16: AAS 77 (1985), 213-217;
PIUS PP. XI, Litt. Enc. Quadragesimo anno, III: l. mem., 219.
(78) Litt. Enc. Sollicitudo rei
socialis, 25: l. mem., 544.
(79) Cf. Ibid., 34: l. mem., 559 s.
(80) Cf. Litt. Enc. Redemptor hominis
(4 Martii 1979), 15: AAS 71 (1979), 286-289.
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