Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
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Evangelho: Mt 8, 1-17
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Evangelho: Mt 8, 1-17
1 Tendo Jesus descido do monte,
seguiu-O uma grande multidão. 2 E eis que, aproximando-se um
leproso, se prostrou, dizendo: «Senhor, se Tu quiseres, podes curar-me». 3
Jesus, estendendo a mão, tocou-o, dizendo-lhe: «Quero, sê curado». E logo ficou
curado da sua lepra. 4 E Jesus disse-lhe: «Vê, não o digas a
ninguém, mas vai, mostra-te ao sacerdote, e faz a oferta que Moisés preceituou
em testemunho da tua cura». 5 Tendo entrado em Cafarnaum,
aproximou-se d'Ele um centurião, e fez-Lhe uma súplica, 6 dizendo:
«Senhor, o meu servo jaz em casa paralítico e sofre muito». 7 Jesus
disse-lhe: «Eu irei e o curarei». 8 Mas o centurião, respondeu:
«Senhor, eu não sou digno de que entres na minha casa; diz, porém, uma só
palavra, e o meu servo será curado. 9 Pois também eu sou um homem
sujeito a outro, mas tenho soldados às minhas ordens, e digo a um: “Vai”, e ele
vai; e a outro: “Vem”, e ele vem; e ao meu servo: “Faz isto”, e ele o faz». 10
Jesus, ouvindo estas palavras, admirou-Se, e disse para os que O seguiam: «Em
verdade vos digo: Não achei fé tão grande em Israel. 11 Digo-vos,
pois, que virão muitos do Oriente e do Ocidente, e se sentarão com Abraão,
Isaac e Jacob no Reino dos Céus, 12 enquanto que os filhos do reino
serão lançados nas trevas exteriores, onde haverá pranto e ranger de dentes». 13
Então disse Jesus ao centurião: «Vai, seja feito conforme tu creste». E naquela
mesma hora ficou curado o servo. 14 Tendo chegado Jesus a casa de
Pedro, viu que a sogra dele estava de cama com febre; 15 e tomou-a
pela mão, e a febre deixou-a, e ela levantou-se e pôs-se a servi-los. 16
Pela tarde apresentaram-se muitos possessos do demónio, e Ele com a Sua palavra
expulsou os espíritos e curou todos os enfermos; 17 cumprindo-se
deste modo o que foi anunciado pelo profeta Isaías, quando diz: “Ele mesmo
tomou as nossas fraquezas e carregou com as nossas enfermidades”.
Ioannes Paulus PP. II
Veritatis splendor
a todos os Bispos
da Igreja Católica
sobre algumas questões fundamentais
do Ensinamento Moral da Igreja
/…3
17.
Não sabemos até que ponto o jovem do Evangelho tenha compreendido o conteúdo
profundo e exigente da primeira resposta dada por Jesus: «Se queres entrar na
vida eterna, cumpre os mandamentos»; certo é, porém, que o compromisso
professado pelo jovem a respeito de todas as exigências morais dos mandamentos,
constitui o terreno indispensável onde poderá germinar e amadurecer o desejo da
perfeição, ou seja, da realização do seu sentido mais amplo no seguimento de
Cristo. O diálogo de Jesus com o jovem ajuda-nos a identificar as condições
necessárias para o crescimento moral do homem chamado à perfeição: o jovem, que
observou todos os mandamentos, mostra-se incapaz de, unicamente com as suas
forças, dar o passo seguinte. Para o conseguir, são precisos uma liberdade
humana amadurecida: «Se queres», e o dom divino da graça: «Vem, e segue-Me».
A
perfeição exige aquela maturidade no dom de si, a que é chamada a liberdade do
homem. Jesus indica ao jovem os mandamentos como a primeira condição
imprescindível para obter a vida eterna; o abandono de tudo quanto o jovem
possui e o seguimento do Senhor assumem, pelo contrário, o carácter de uma
proposta: «Se queres...». A palavra de Jesus revela a dinâmica particular do
crescimento da liberdade em direcção à sua maturidade e, ao mesmo tempo,
comprova a relação fundamental da liberdade com a lei divina. A liberdade do
homem e a lei de Deus não se opõem, pelo contrário, reclamam-se mutuamente. O
discípulo de Cristo sabe que a sua é uma vocação para a liberdade. «Vós,
irmãos, fostes chamados à liberdade» (Gál 5, 13), proclama com
alegria e orgulho o apóstolo Paulo. Mas logo precisa: «Não tomeis, porém, a
liberdade como pretexto para servir a carne. Pelo contrário, fazei-vos servos
uns dos outros pela caridade» (ibid.). A firmeza com que o Apóstolo se opõe a
quem confia a própria justificação à Lei, nada tem a ver com a «libertação» do
homem dos preceitos, os quais, pelo contrário, estão ao serviço da prática do
amor: «Pois quem ama o próximo cumpre a Lei. Com efeito, o preceito: Não
cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás e qualquer um dos
outros mandamentos resumem-se nestas palavras: Amarás o próximo como a ti
mesmo» (Rm 13, 8-9). O mesmo S. Agostinho, depois de ter falado da
observância dos mandamentos como sendo a primeira e imperfeita liberdade, assim
continua: «Não é ainda perfeita, por quê? — perguntará alguém. Porque
"sinto nos meus membros uma outra lei em conflito com a lei da minha
razão" (...) Liberdade parcial, parcial escravidão: a liberdade ainda não
é completa, não é ainda pura, não é ainda plena, porque ainda não estamos na
eternidade. Conservamos, em parte, a fraqueza, e, em parte, alcançamos já a
liberdade. Todos os nossos pecados foram destruídos no baptismo, mas porventura
desapareceu a fraqueza, depois de ter sido destruída a iniquidade? Se aquela
tivesse desaparecido, viver-se-ia na terra sem pecado. Quem ousará afirmar isto
a não ser o soberbo ou quem é indigno da misericórdia do libertador? (...) Ora,
uma vez que ficou em nós alguma fraqueza, ouso dizer que, na medida em que
servimos a Deus somos livres, mas somos escravos na medida em que seguimos a
lei do pecado».27
18.
Quem vive «segundo a carne» sente a lei de Deus como um peso, mais, como uma
negação ou, pelo menos, uma restrição da própria liberdade. Ao contrário, quem
é animado pelo amor e «caminha segundo o Espírito» (Gál 5, 16) e
deseja servir os outros, encontra na lei de Deus o caminho fundamental e
necessário para praticar o amor, livremente escolhido e vivido. Mais ainda, ele
percebe a urgência interior — uma verdadeira e própria «necessidade», e não já
uma imposição — de não se deter nas exigências mínimas da lei, mas de vivê-las
em toda a sua «plenitude». É um caminho ainda incerto e frágil, enquanto
estivermos na terra, mas tornado possível pela graça que nos outorga a posse da
plena liberdade dos filhos de Deus (cf. Rm 8, 21) e, portanto, de
responder na vida moral à sublime vocação de ser «filhos no Filho».
Esta
vocação ao amor-perfeito não está reservada só para um círculo de pessoas. O
convite «vai, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos pobres» com a
promessa «terás um tesouro no céu», dirige-se a todos, porque é uma
radicalização do mandamento do amor ao próximo, assim como o convite posterior
«vem e segue-Me» é a nova forma concreta do mandamento do amor de Deus. Os
mandamentos e o convite de Jesus ao jovem rico estão ao serviço de uma única e
indivisível caridade, que espontaneamente tende à perfeição, cuja medida é só
Deus: «Sede, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celeste» (Mt 5,
48). No Evangelho de S. Lucas, Jesus precisa ainda mais o sentido desta
perfeição: «Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso» (Lc
6, 36).
«Vem e segue-Me» (Mt
19, 21)
19.
O caminho e, simultaneamente, o conteúdo desta perfeição consiste na sequela
Christi, no seguir Jesus, depois de ter renunciado aos próprios bens e a si
mesmo. Esta é precisamente a conclusão do diálogo de Jesus com o jovem:
«Depois, vem e segue-Me» (Mt 19, 21). É um convite, cuja maravilhosa
profundidade será plenamente compreendida pelos discípulos só depois da
ressurreição de Cristo, quando o Espírito Santo os guiar para a verdade total (cf.
Jo 16, 13).
É
o próprio Jesus que toma a iniciativa, chamando para O seguir. O apelo é feito,
antes de mais, àqueles a quem Ele confia uma missão particular, a começar pelos
Doze; mas vê-se claramente também que ser discípulo de Cristo é a condição de
todo o crente (cf. Act 6, 1). Por isso, seguir Cristo é o fundamento
essencial e original da moral cristã: como o povo de Israel seguia Deus que o
conduzia no deserto rumo à Terra Prometida (cf. Êx 13, 21), assim o
discípulo deve seguir Jesus, para o Qual é atraído pelo próprio Pai (cf.
Jo 6, 44).
Aqui
não se trata apenas de dispor-se a ouvir um ensinamento e de acolher na
obediência um mandamento. Trata-se, mais radicalmente, de aderir à própria
pessoa de Cristo, de compartilhar a sua vida e o seu destino, de participar da
sua obediência livre e amorosa à vontade do Pai. Seguindo, mediante a resposta
da fé, Aquele que é a Sabedoria encarnada, o discípulo de Jesus torna-se
verdadeiramente discípulo de Deus (cf. Jo 6, 45). De facto, Jesus é
a luz do mundo, a luz da vida (cf. Jo 8, 12); é o pastor que guia e
alimenta as ovelhas (cf. Jo 10, 11-16), é o caminho, a verdade e a
vida (cf. Jo 14, 6), é Aquele que conduz ao Pai, ao ponto que vê-Lo
a Ele, o Filho, é ver o Pai (cf. Jo 14, 6-10). Portanto, imitar o
Filho, «a imagem do Deus invisível» (Col 1, 15), significa imitar o
Pai.
20.
Jesus pede para O seguir e imitar pelo caminho do amor, de um amor que se dá
totalmente aos irmãos por amor de Deus: «O meu mandamento é este: que vos ameis
uns aos outros, como eu vos amei» (Jo 15, 12). Este «como» exige a
imitação de Jesus, do seu amor, de que o lava-pés é sinal: «Se eu vos lavei os
pés, sendo Senhor e Mestre, também vós deveis lavar os pés uns aos outros.
Dei-vos o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também» (Jo 13,
14-15). O comportamento de Jesus e a Sua palavra, as Suas acções e os
Seus preceitos constituem a regra moral da vida cristã. De facto, estas suas
acções e, particularmente, a sua paixão e morte na cruz são a revelação viva do
Seu amor pelo Pai e pelos homens. É precisamente este amor que Jesus pede seja
imitado por quantos O seguem. Este é o mandamento «novo»: «Um novo mandamento
vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, vós também vos
deveis amar uns aos outros. É por isto que todos saberão que sois meus discípulos:
se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 34-35).
Este
«como» indica também a medida com que Jesus amou, e com a qual os seus
discípulos se devem amar entre si. Depois de ter dito: «O meu mandamento é
este: que vos ameis uns aos outros,como eu vos amei» (Jo 15, 12),
Jesus prossegue com as palavras que indicam o dom sacrifical da sua vida na
cruz, como testemunho de um amor «até ao fim» (Jo 13, 1): «Ninguém
tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13).
Ao
chamar o jovem para O seguir pelo caminho da perfeição, Jesus pede-lhe para ser
perfeito no mandamento do amor, no «Seu» mandamento: para inserir-se no
movimento da Sua doação total, para imitar e reviver o próprio amor do Mestre
«bom», d'Aquele que amou «até ao fim». É o que Jesus pede a cada homem que quer
segui-l'O: «Se alguém quiser vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua
cruz e siga-Me» (Mt 16, 24).
21.
Seguir Cristo não é uma imitação exterior, já que atinge o homem na sua
profunda interioridade. Ser discípulo de Jesus significa tornar-se conforme a
Ele, que Se fez servo até ao dom de Si sobre a cruz (cf. Fil 2, 5-8).
Pela fé, Cristo habita no coração do crente (cf. Ef 3, 17), e assim
o discípulo é assimilado ao seu Senhor e configurado com Ele. Isto é fruto da
graça, da presença operante do Espírito Santo em nós.
Inserido
em Cristo, o cristão torna-se membro do Seu Corpo, que é a Igreja (cf. 1
Cor 12, 13.27). Sob o influxo do Espírito, o Baptismo configura
radicalmente o fiel a Cristo no mistério pascal da morte e ressurreição,
«reveste-o» de Cristo (cf. Gál 3, 27): «Alegremo-nos e agradeçamos —
exclama S. Agostinho dirigindo-se aos baptizados —: tornamo-nos não apenas
cristãos, mas Cristo (...). Maravilhai-vos e regozijai: tornamo-nos Cristo!». 28 Morto para o pecado, o baptizado recebe a
vida nova (cf. Rm 6, 3-11): vivendo para Deus em Jesus Cristo, é
chamado a caminhar segundo o Espírito e a manifestar na vida os seus frutos (cf.
Gál 5, 16-25). Depois a participação na Eucaristia, sacramento da Nova
Aliança (cf. 1 Cor 11, 23-29), é o ápice da assimilação a Cristo,
fonte de «vida eterna» (cf. Jo 6, 51-58), princípio e força do dom
total de si mesmo, que Jesus — segundo o testemunho transmitido por S. Paulo —
manda rememorar na celebração e na vida: «Sempre que comerdes este pão e
beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor até que Ele venha» (1
Cor 11, 26).
«A Deus tudo é possível» (Mt
19, 26)
22.
Amarga é a conclusão do colóquio de Jesus com o jovem rico: «Ao ouvir isto, o
jovem retirou-se contristado, porque possuía muitos bens» (Mt 19, 22).
Não só o homem rico, mas também os próprios discípulos se assustam com o apelo
de Jesus para O seguir, cujas exigências superam as aspirações e as forças
humanas: «Ao ouvir isto, os discípulos ficaram estupefactos e disseram:
"Quem pode então salvar-se?"» (Mt 19, 25). Mas o Mestre
faz apelo ao poder de Deus: «Aos homens é impossível, mas a Deus tudo é possível»
(Mt 19, 26).
No
mesmo capítulo do Evangelho de Mateus (19, 3-10), Jesus, ao interpretar
a Lei mosaica sobre o matrimónio, rejeita o direito de repúdio, apoiando-se num
«princípio» mais original e autêntico que a Lei de Moisés: o desígnio
primordial de Deus sobre o homem, um desígnio para o qual o homem, após o
pecado, se tornou inadequado: «Por causa da dureza do vosso coração, Moisés
permitiu que repudiásseis as vossas mulheres, mas ao princípio não foi assim» (Mt
19, 8). A chamada ao «princípio» abala os discípulos, que comentam com
estas palavras: «Se essa é a situação do homem perante a mulher, não é
conveniente casar-se!» (Mt 19, 10). E Jesus, referindo-se
especificamente ao carisma do celibato «pelo Reino dos céus» (Mt 19, 12),
mas enunciando uma regra geral, apela para a nova e surpreendente possibilidade
aberta ao homem pela graça de Deus: «Ele respondeu-lhes: "Nem todos
compreendem esta linguagem, mas apenas aqueles a quem isso é dado"» (Mt
19, 11).
Ao
homem, não é possível imitar e reviver o amor de Cristo unicamente com as suas
forças. Torna-se capaz deste amor somente em virtude de um dom recebido. Tal
como o Senhor Jesus recebe o amor do seu Pai, assim Ele, por Sua vez,
comunica-o gratuitamente aos discípulos: «Como o Pai Me amou, também Eu vos
amei; permanecei no Meu amor» (Jo 15, 9). O dom de Cristo é o Seu
Espírito, cujo «fruto» primeiro (cf. Gál 5, 22) é a caridade: «O
amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo, que nos foi
concedido» (Rm 5, 5). S. Agostinho pergunta- -se: «É o amor que nos
faz cumprir os mandamentos, ou é a observância dos mandamentos que faz nascer o
amor?». E responde: «Mas quem pode pôr em dúvida que o amor precede a
observância? Quem, de facto, não ama está privado de motivações para cumprir os
mandamentos».29
23.
«A lei do Espírito de vida em Cristo Jesus, libertou-nos da lei do pecado e da
morte» (Rm 8, 2). Com estas palavras, o apóstolo Paulo nos leva a
considerar, na perspectiva da história da Salvação que se cumpre em Cristo, a
relação entre a Lei (antiga) e a graça (nova Lei). Ele reconhece o papel
pedagógico da Lei, a qual permitindo ao homem pecador medir a sua fraqueza e
retirando-lhe a presunção da auto-suficiência, abre-o à invocação e ao
acolhimento da «vida no Espírito». Só nesta vida nova é possível a prática dos
mandamentos de Deus. Com efeito, é pela fé em Cristo que fomos justificados (cf.
Rm 3, 28): a «justiça» que a Lei exige, mas não pode dar a ninguém,
encontra-a o crente manifestada e concedida pelo Senhor Jesus. De forma
admirável, o mesmo S. Agostinho sintetiza a dialéctica paulina sobre a lei e a
graça: «Portanto, a lei foi dada para se invocar a graça; a graça foi dada para
que se observasse a lei».30
O
amor e a vida segundo o Evangelho não podem ser pensados primariamente em
termos de preceito, porque o que eles pedem supera as forças do homem: apenas
são possíveis como fruto de um dom de Deus, que restaura, cura e transforma o
coração do homem através da Sua graça: «Porque, se a Lei foi dada por meio de
Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo» (Jo 1, 17).
Por isso, a promessa da vida eterna está unida ao dom da graça, e o dom do
Espírito que recebemos é já «penhor da nossa herança» (cf. Ef 1, 14).
24.
Revela-se assim a face autêntica e original do mandamento do amor e da
perfeição, à qual aquele se ordena: trata-se de uma possibilidade aberta ao
homem exclusivamente pela graça, pelo dom de Deus, pelo Seu amor. Por outro
lado, precisamente a consciência de ter recebido o dom, de possuir em Jesus
Cristo o amor de Deus, gera e sustenta a resposta responsável de um amor total
a Deus e entre os irmãos, como insistentemente lembra o apóstolo João na sua primeira
Carta: «Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo
aquele que ama, nasceu de Deus e conhece-O. Aquele que não ama, não conhece a
Deus, porque Deus é amor (...) Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nos
devemos amar uns aos outros (...) Nós amamo-Lo, porque Ele nos amou primeiro» (1
Jo 4, 7-8. 11. 19).
Esta
conexão indivisível entre a graça do Senhor e a liberdade do homem, entre o dom
e o dever, foi expressa, em termos simples e profundos, por S. Agostinho, ao
rezar assim: «Da quod iubes et iube quod vis» (dá o que mandas e manda o que
quiseres). 31
O
dom não diminui, mas reforça a exigência moral do amor: «O Seu mandamento é
este: que creiamos no nome de Seu Filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos
outros, como Ele nos mandou» (1 Jo 3, 23). Só se pode «permanecer»
no amor, com a condição de observar os mandamentos, como afirma Jesus: «Se
guardardes os Meus mandamentos, permanecereis no Meu amor, do mesmo modo que Eu
tenho guardado os mandamentos de Meu Pai e permaneço no Seu amor» (Jo 15,
10).
Recolhendo
aquilo que constitui o âmago da mensagem moral de Jesus e da pregação dos
Apóstolos, e repropondo numa síntese admirável a grande tradição dos Padres do
Oriente e do Ocidente — particularmente de S. Agostinho 32 —, S. Tomás pôde escrever que a Nova Lei
é a graça do Espírito Santo dada pela fé em Cristo. 33 Os preceitos externos, de que, aliás,
fala o Evangelho, dispõem para esta graça ou prolongam os seus efeitos na vida.
De facto, a Nova Lei não se contenta em dizer o que se deve fazer, mas dá
também a força «de praticar a verdade» (cf. Jo 3, 21). Ao mesmo
tempo, S. João Crisóstomo observou que a Nova Lei foi promulgada precisamente
quando o Espírito Santo desceu do céu no dia de Pentecostes, e que os Apóstolos
«não desceram do monte trazendo em suas mãos, como Moisés, tábuas de pedra; mas
traziam o Espírito Santo em seus corações, (...) tornados pela Sua graça uma
lei viva, um livro com vida».34
«Eu estarei sempre convosco, até ao
fim do mundo» (Mt 28, 20)
25.
O colóquio de Jesus com o jovem rico continua, de certa forma, em cada época da
história, hoje também. A pergunta: «Mestre, que devo fazer de bom para alcançar
a vida eterna?», desabrocha no coração de cada homem, e é sempre Cristo e
unicamente Ele a oferecer a resposta plena e decisiva. O Mestre, que ensina os
mandamentos de Deus, que convida ao Seu seguimento e dá a graça para uma vida
nova, está sempre presente e operante no meio de nós, como prometeu: «Eu
estarei sempre convosco, até ao fim do mundo» (Mt 28, 20). A
contemporaneidade de Cristo ao homem de cada época realiza-se no Seu corpo, que
é a Igreja. Por esta razão, o Senhor prometeu aos Seus discípulos o Espírito
Santo, que lhes haveria de «lembrar» e fazer compreender os seus mandamentos (cf.
Jo 14, 26) e seria o princípio fontal de uma nova vida no mundo (cf.
Jo 3, 5-8; Rm 8, 1-13).
As
prescrições morais, emanadas por Deus na Antiga Aliança e levadas à sua
perfeição na Nova e Eterna Aliança pela Pessoa mesma do Filho de Deus feito
homem, devem ser fielmente conservadas e permanentemente actualizadas nas
diferentes culturas, ao longo da história. A tarefa da sua interpretação foi
confiada por Jesus aos Apóstolos e aos seus sucessores, com a especial
assistência do Espírito da verdade: «Quem vos ouve é a Mim que ouve» (Lc
10, 16). Com a luz e a força deste Espírito, os Apóstolos cumpriram a
missão de pregar o Evangelho e de indicar a «via» do Senhor (cf. Act 18,
25), ensinando, antes de mais, a seguir e a imitar Cristo: «Para mim, o
viver é Cristo» (Fil 1, 21).
26.
Na catequese moral dos Apóstolos, a par de exortações e indicações ligadas ao
contexto histórico e cultural, há um ensinamento ético com normas precisas de
comportamento. Comprovam-no as suas Cartas que contêm a interpretação, guiada
pelo Espírito Santo, dos preceitos do Senhor vividos nas distintas
circunstâncias culturais (cf. Rm 12-15; 1 Cor 11-14; Gál 5-6; Ef 4-6; Col
3-4; 1 Pd e Tg). Incumbidos de pregar o Evangelho, os Apóstolos, desde as
origens da Igreja, movidos pela sua responsabilidade pastoral, vigiaram sobre a
rectidão da conduta dos cristãos, 35
da mesma forma que vigiaram sobre a pureza da fé e sobre a transmissão dos dons
divinos através dos Sacramentos. 36
Os primeiros cristãos, provindos quer do povo judaico quer dos gentios,
diferenciavam-se dos pagãos não somente pela sua fé e pela liturgia, mas também
pelo testemunho da própria conduta moral, inspirada na Nova Lei. 37 De facto, a Igreja é, ao mesmo tempo,
comunhão de fé e de vida; a sua norma é «a fé que actua pela caridade» (Gál
5, 6).
Nenhuma
dilaceração deve atentar contra a harmonia entre a fé e a vida: a unidade da
Igreja é ferida não apenas pelos cristãos que recusam ou alteram as verdades da
fé, mas também por aqueles que desconhecem as obrigações morais a que o
Evangelho os chama (cf. 1 Cor 5, 9-13). Os Apóstolos recusaram, com
decisão, qualquer ruptura entre o compromisso do coração e os gestos que o
exprimem e comprovam (cf. 1 Jo 2, 3-6). E, desde os tempos
apostólicos, os Pastores da Igreja denunciaram abertamente os modos de agir
daqueles que eram fautores de divisão com os seus ensinamentos ou com o seus
comportamentos. 38
(Nota: Revisão da tradução para português por ama)
______________________________________________________
Notas (italiano):
27 In lohannis Evangelium Tractatus, 41,
10: CCL 36, 363.
28 Ibid., 21, 8: CCL 36, 216.
29 Ibid., 82, 3: CCL 36, 555.
30 De spiritu et littera, 19, 4: CSEL 60,
187.
31 Confessiones, X, 29, 40: CCL 27, 176; cf
De gratia et libero arbitrio, XV: PL 44, 899.
32 Cf De spiritu et littera, 21, 36; 26,
46: CSEL 60, 189-190; 200-201.
33 Cf Summa Theologiae, I-II, q. 106, a. 1,
conclus. e ad 2 um.
34 In Matthaeum, hom. I, 1: PG 57, 15.
35 Cf S. Ireneo, Adversus haereses, IV, 26,
2-5: SCh 100/2, 718-729.
36 Cf S. Giustino, Apologia I, 66: PG 6,
427-430.
37 Cf 1 Pt 2, 12ss.; Didaché, II, 2: Patres
Apostolici, ed. F.X. Funk, I, 6-9; Clemente d'Alessandria, Paedagogus, I, 10;
II, 10: PG 8, 355-364; 497-536; Tertulliano, Apologeticum, IX, 8: CSEL, 69, 24.
38 Cf S. Ignazio di Antiochia, Ad
Magnesios, IV, 1-2: Patres Apostolici, ed. F.X. Funk, I, 234-235; S. Ireneo,
Adversus haereses, IV, 33, 1. 6. 7: SCh 100/2, 802-805; 814-815; 816-819.
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