Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
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Evangelho: Jo 9, 1-23
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Evangelho: Jo 9, 1-23
1 Passando Jesus, viu um homem cego de nascença. 2 Os Seus discípulos perguntaram-Lhe: «Mestre, quem pecou, este ou os seus pais, para que nascesse cego?». 3 Jesus respondeu: «Nem ele nem seus pais pecaram; mas foi para se manifestarem nele as obras de Deus. 4 Importa que Eu faça as obras d'Aquele que Me enviou enquanto é dia; vem a noite, quando ninguém pode trabalhar. 5 Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo».6 Dito isto, cuspiu no chão, fez lodo com a saliva, e ungiu com o lodo os olhos do cego. 7 Depois disse-lhe: «Vai, lava-te na piscina de Siloé!», que quer dizer “Enviado”. Foi, lavou-se e voltou com vista. 8 Então os seus vizinhos e os que o tinham visto antes a mendigar diziam: «Não é este aquele que estava sentado e pedia esmola?». Uns diziam: «É este!». 9 Outros, porém: «Não é, mas é outro, que se parece com ele!». Porém ele dizia: «Sou eu mesmo!». 10 Perguntaram-lhe: «Como se abriram os teus olhos?». 11 Ele respondeu: «Aquele homem, que se chama Jesus, fez lodo, ungiu os meus olhos e disse-me: Vai à piscina de Siloé e lava-te. Fui, lavei-me e vejo». 12 Perguntaram-lhe: «Onde está Ele?». Respondeu: «Não sei». 13 Levaram aos fariseus o que tinha sido cego. 14 Ora era dia de sábado quando Jesus fez o lodo e lhe abriu os olhos. 15 Perguntaram-lhe, pois, também os fariseus de que modo tinha adquirido a vista. Respondeu-lhes: «Pôs-me lodo sobre os olhos, lavei-me e vejo». 16 Então, alguns fariseus diziam: «Este homem, que não guarda o sábado, não é de Deus». Porém, outros diziam: «Como pode um homem pecador fazer tais prodígios?». E havia desacordo entre eles. 17 Disseram, por isso, novamente ao cego: «Tu que dizes d'Aquele que te abriu os olhos?». Ele respondeu: «Que é um profeta!». 18 Mas os judeus não acreditaram que ele tivesse sido cego e recuperado a vista, enquanto não chamaram os pais. 19 Interrogaram-nos: «É este o vosso filho, que dizeis que nasceu cego? Como vê, pois, agora?». 20 Seus pais responderam: «Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego; 21 mas não sabemos como ele agora vê e também não sabemos quem lhe abriu os olhos; perguntai-o a ele mesmo. Tem idade; ele próprio fale de si!». 22 Seus pais falaram assim porque tinham medo dos judeus; porque estes tinham combinado que, se alguém confessasse que Jesus era o Messias, fosse expulso da sinagoga. 23 Por isso é que os pais disseram: «Ele tem idade, interrogai-o a ele!».
Ioannes
Paulus PP. II
Redemptoris Mater
sobre
a Bem Aventurada
Virgem
Maria
na
vida da Igreja que está a caminho
/…6
3. O "Magnificat" da Igreja
que está a caminho
35.
Na fase actual da sua caminhada, a Igreja procura, pois, reencontrar a união de
todos os que professam a própria fé em Cristo, para manifestar a obediência ao
seu Senhor que orou por esta unidade, antes do seu iminente sacrifício. Ela vai
avançando na "sua peregrinação... e anunciando a paixão e a morte do
Senhor até que ele venha". 87
"Prosseguindo entre as tentações e tribulações da caminhada, a Igreja é
apoiada pela força da graça de Deus, que lhe foi prometida pelo Senhor, para
que não se afaste da perfeita fidelidade por causa da fraqueza humana, mas
permaneça digna esposa do seu Senhor e, com o auxílio do Espírito Santo, não
cesse de se renovar a si própria até que, pela Cruz, chegue á luz que não
conhece ocaso". 88
A
Virgem Maria está constantemente presente nesta caminhada de fé do Povo de Deus
em direcção à luz. Demonstra-o de modo especial o cântico do
"Magnificat", que, tendo jorrado da profundidade da fé de Maria na
Visitação, não cessa de vibrar no coração da Igreja ao longo dos séculos.
Prova-o a sua recitação quotidiana na liturgia das Vésperas e em muitos outros
momentos de devoção, quer pessoal, quer comunitária.
"A
minha alma glorifica o Senhor, e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador, porque
olhou para a humildade da sua serva.
De
hoje em diante todas as gerações hão-de me chamar bem-aventurada.
Porque
fez em mim grandes coisas o Todo-poderoso. E santo é o seu nome: a sua
misericórdia estende-se de geração em geração sobre aqueles que o temem.
Manifestou
o poder do seu braço e dispersou os soberbos com os desígnios que eles
conceberam; derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes encheu
de bens os famintos e aos ricos despediu-os de mãos vazias.
Socorreu
Israel, seu servo, recordando-se da sua misericórdia, como tinha prometido aos
nossos pais, a Abraão e à sua descendência para sempre" (Lc 1, 46-55).
36.
Quando Isabel saudou a jovem parente, que acabava de chegar de Nazaré, Maria
respondeu com o Magnificat. Na sua saudação, Isabel tinha chamado a Maria:
primeiro, "bendita" por causa do "fruto do seu ventre"; e
depois, "feliz" (bem-aventurada) por causa da sua fé (cf. Lc 1,
42. 45). Estas duas palavras abençoantes referiam-se directamente ao
momento da Anunciação. Agora, na Visitação, quando Isabel, na sua saudação, dá
um testemunho daquele momento culminante, a fé de Maria enriquece-se de uma
nova consciência e de uma nova expressão. Aquilo que no momento da Anunciação
permanecia escondido na profundidade da "obediência da fé" dir-se-ia
que agora daí irrompe, como uma chama clara e vivificante do espírito. As palavras
usadas por Maria, no limiar da casa de Isabel, constituem uma profissão
inspirada desta sua fé, na qual se exprime a resposta à palavra da revelação,
com a elevação religiosa e poética de todo o seu ser no sentido de Deus. Nessas
palavras sublimes, que são ao mesmo tempo muito simples e totalmente inspiradas
nos textos sagrados do povo de Israel, 89
transparece a experiência pessoal de Maria, o êxtase do seu coração.
Resplandece nelas um clarão do mistério de Deus, a glória da sua inefável
santidade, o amor eterno que, como um dom irrevogável, entra na história do
homem.
Maria
é a primeira a participar nesta nova revelação de Deus e, mediante ela, nesta
nova "auto-doação" de Deus. Por isso proclama: "Grandes coisas
fez em mim... e santo é o seu nome". As suas palavras reflectem a alegria
do espírito, difícil de exprimir: "O meu espírito exulta em Deus, meu
Salvador". Porque "a verdade profunda, tanto a respeito de Deus como
a respeito da salvação dos homens, manifesta-se-nos... em Cristo, que é,
simultaneamente, o mediador e a plenitude de toda a revelação". 90 No arroubo do seu coração, Maria confessa
ter-se encontrado no próprio âmago desta plenitude de Cristo. Está consciente
de que em si está a cumprir-se a promessa feita aos pais e, em primeiro lugar,
em favor de "Abraão e da sua descendência para sempre": que em si,
portanto, como mãe de Cristo, converge toda a economia salvífica, na qual
"de geração em geração" se manifesta Aquele que, como Deus da
Aliança, "se recorda da sua misericórdia".
37.
A Igreja, que desde o início modela a sua caminhada terrena pela caminhada da
Mãe de Deus, repete constantemente, em continuidade com ela, as palavras do
Magnificat. Nas profundidades da fé da Virgem Maria na Anunciação e na
Visitação, a Igreja vai aurir a verdade acerca do Deus da Aliança; acerca de
Deus que é Todo-poderoso e faz "grandes coisas" no homem: "santo
é o seu nome". No Magnificat, ela vê debelado nas suas raízes o pecado do
princípio da história terrena do homem e da mulher: o pecado da incredulidade e
da "pouca fé" em Deus. Contra a "suspeita" que o "pai
da mentira" fez nascer no coração de Eva, a primeira mulher, Maria, a quem
a tradição costuma chamar "nova Eva" 91
e verdadeira "mãe dos vivos", 92
proclama com vigor a não ofuscada verdade acerca de Deus: o Deus santo e
omnipotente, que desde o princípio é a fonte de todas as dádivas, aquele que
"fez grandes coisas" nela, Maria, assim como em todo o universo.
Deus, ao criar, dá a existência a todas as realidades; e ao criar o homem,
dá-lhe a dignidade da imagem e da semelhança consigo, de modo singular em
relação a todas as demais criaturas terrestres. E não se detendo na sua vontade
de doação, não obstante o pecado do homem, Deus dá-se no Filho: "Amou
tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito" (Jo 3, 16)
Maria é a primeira testemunha desta verdade maravilhosa, que se actuará plenamente
mediante "as obras e os ensinamentos" (cf. Act 1, 1) do
seu Filho e, definitivamente, mediante a sua Cruz e Ressurreição.
A
Igreja, que, embora entre "tentações e tribulações", não cessa de
repetir com Maria as palavras do Magnificat, "escora-se" na força da
verdade sobre Deus, proclamada então com tão extraordinária simplicidade; e, ao
mesmo tempo, deseja iluminar com esta mesma verdade acerca de Deus os difíceis
e por vezes intrincados caminhos da existência terrena dos homens. A caminhada
da Igreja, portanto, já quase no final do Segundo Milénio cristão, implica um
empenhamento renovado na própria missão. Segundo Aquele que disse de si:
"(Deus) mandou-me a anunciar aos pobres a boa nova" (cf. Lc 4,
18), a Igreja tem procurado, de geração em geração, e procura ainda hoje
cumprir esta mesma missão.
O
seu amor preferencial pelos pobres acha-se admiravelmente inscrito no
Magnificat de Maria. O Deus da Aliança, cantado pela Virgem de Nazaré, com
exultação do seu espírito, é ao mesmo tempo aquele que "derruba os
poderosos dos tronos e exalta os humildes... enche de bens os famintos e
despede os ricos de mãos vazias... dispersa os soberbos... e conserva a sua
misericórdia para com aqueles que o temem".
Maria
está profundamente impregnada do espírito dos "pobres de Javé" que,
segundo a oração dos Salmos, esperavam de Deus a própria salvação, pondo nele
toda a sua confiança (Sl 25; 31; 35; e 55). Ela, na verdade,
proclama o advento do mistério da salvação, a vinda do "Messias dos
pobres" (cf. Is 11, 4; 61, 1). Aurindo certeza do coração de
Maria, da profundidade da sua fé, expressa nas palavras do Magnificat, a Igreja
renova em si, sempre para melhor, essa própria certeza de que não se pode
separar a verdade a respeito de Deus que salva, de Deus que é fonte de toda a
dádiva, da manifestação do seu amor preferencial pelos pobres e pelos humildes,
amor que, depois de cantado no Magnificat, se encontra expresso nas palavras e
nas obras de Jesus.
A
Igreja, portanto, está bem cônscia - e na nossa época esta sua certeza
reforça-se de modo particular - não só de que não podem ser separados estes
dois elementos da mensagem contida no Magnificat, mas também de que deve
outrossim ser salvaguardada cuidadosamente a importância que têm os
"pobres" e a "opção em favor dos pobres" na palavra de Deus
vivo. Trata-se de temas e problemas organicamente conexos com o sentido cristão
da liberdade e da libertação. Maria, "totalmente dependente de Deus e toda
ela orientada para Ele, ao lado do seu Filho, é a ícone mais perfeita da
liberdade e da libertação da humanidade e do cosmos. É para Maria que a Igreja,
da qual ela é Mãe e modelo, deve olhar, a fim de compreender na sua
integralidade o sentido da própria missão". 93
TERCEIRA PARTE - MEDIAÇÃO MATERNA
1. Maria, Serva do Senhor
38.
A Igreja sabe e ensina, com São Paulo, que um só é o nosso mediador: "Não
há senão um só Deus e um só é também o mediador entre Deus e os homens, o homem
Cristo Jesus, que se entregou a si mesmo como resgate por todos" (1
Tim 2, 5-6). "A função maternal de Maria para com os homens de modo
nenhum obscurece ou diminui esta única mediação de Cristo; mas até manifesta
qual a sua eficácia" 94 é
uma mediação em Cristo.
A
Igreja sabe e ensina que "todo o influxo salutar da Santíssima Virgem em
favor dos homens se deve ao beneplácito divino e... dimana da superabundância
dos méritos de Cristo, funda-se na sua mediação, dela depende absolutamente, aurindo
aí toda a sua eficácia; de modo que não impede o contacto imediato dos fiéis
com Cristo, antes o facilita". 95
Este influxo salutar é apoiado pelo Espírito Santo, que, assim como estendeu a
sua sombra sobre a Virgem Maria, dando na sua pessoa início à maternidade
divina, assim também continuamente sustenta a sua solicitude para com os irmãos
do seu Filho.
Efectivamente,
a mediação de Maria está intimamente ligada à sua maternidade e possui um
carácter especificamente maternal, que a distingue da mediação das outras
criaturas que, de diferentes modos e sempre subordinados, participam na única
mediação de Cristo; também a mediação de Maria permanece subordinada. 96 Se, na realidade, "nenhuma criatura
pode jamais colocar-se no mesmo plano que o Verbo Incarnado e Redentor",
também é verdade que "a mediação única do Redentor não exclui, antes
suscita nas criaturas uma cooperação multiforme, participada duma única
fonte"; e assim, "a bondade de Deus, única, difunde-se realmente, de
diferentes modos, nas criaturas". 97
O
ensino do Concílio Vaticano II apresenta a verdade da mediação de Maria como
"participação nesta única fonte, que é a mediação do próprio Cristo".
Com efeito, lemos: "A Igreja não hesita em reconhecer abertamente essa
função assim, subordinada; sente-a continuamente e recomenda-a ao amor dos
fiéis, para que, apoiados nesta ajuda materna, eles estejam mais intimamente
unidos ao Mediador e Salvador". 98
Tal função é, ao mesmo tempo, especial e extraordinária. Ela promana da sua
maternidade divina e pode ser comprendida e vivida na fé somente se nos
basearmos na plena verdade desta maternidade. Sendo Maria, em virtude da
eleição divina, a Mãe do Filho consubstancial ao Pai e "cooperadora
generosa" na obra da Redenção, ela tornou-se para nós "mãe na ordem
da graça". 99 Esta função constitui uma dimensão real da sua presença no
mistério salvífico de Cristo e da Igreja.
39.
Sob este ponto de vista, temos necessidade de voltar, mais uma vez, à
consideração do acontecimento fundamental na economia da salvação, ou seja, a
Incarnação do Verbo de Deus, no momento da Anunciação. É significativo que
Maria, reconhecendo nas palavras do mensageiro divino a vontade do Altíssimo e
submetendo-se ao seu poder, diga: "Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim
segundo a tua palavra" (Lc 1, 38). O primeiro momento da
submissão à única mediação "entre Deus e os homens" - a mediação de
Jesus Cristo - é a aceitação da maternidade por parte da Virgem de Nazaré.
Maria consente na escolha divina para se tornar, por obra do Espírito Santo, a
Mãe do Filho de Deus. Pode dizer-se que este consentimento que ela dá à
maternidade é fruto sobretudo da doação total a Deus na virgindade. Maria
aceitou a eleição para ser mãe do Filho de Deus, guiada pelo amor esponsal, o
amor que "consagra" totalmente a Deus uma pessoa humana. Em virtude
desse amor, Maria desejava estar sempre e em tudo "doada a Deus",
vivendo na virgindade. As palavras: "Eis a serva do Senhor!"
comprovam o facto de ela desde o princípio ter aceitado e entendido a própria
maternidade como dom total de si, da sua pessoa, ao serviço dos desígnios
salvíficos do Altíssimo. E toda a participação materna na vida de Jesus Cristo,
seu Filho, ela viveu-a até ao fim de um modo correspondente à sua vocação para
a virgindade.
A
maternidade de Maria, profundamente impregnada da atitude esponsal de
"serva do Senhor", constitui a dimensão primária e fundamental daquela
sua mediação que a Igreja lhe reconhece, proclama 100
e continuamente "recomenda ao amor dos fiéis" porque confia muito
nela. Com efeito, importa reconhecer que, primeiro do que quaisquer outros, o
próprio Deus, o Pai eterno, se confiou à Virgem de Nazaré, dando-lhe o próprio
Filho no mistério da Incarnação. Esta sua eleição para a sublime tarefa e
suprema dignidade de Mãe do Filho de Deus, no plano ontológico, tem relação com
a própria realidade da união das duas naturezas na Pessoa do Verbo (união hipostática).
Este facto fundamental de ser Mãe do Filho de Deus, é desde o princípio uma
abertura total à pessoa de Cristo, a toda a sua obra e a toda a sua missão. As
palavras: "Eis a serva do Senhor!" testemunham esta abertura de espírito
em Maria, que une em si, de maneira perfeita, o amor próprio da virgindade e o
amor característico da maternidade, conjuntos e como que fundidos num só amor.
Por
isso, Maria tornou-se não só a "mãe-nutrícia" do Filho do homem, mas
também a "cooperadora generosa, de modo absolutamente singular", 101 do Messias e Redentor. Ela - como já foi
dito - avançava na peregrinação da fé e, nessa sua peregrinação até aos pés da
Cruz, foi-se realizando, ao mesmo tempo, com as suas acções e os seus
sofrimentos, a sua cooperação materna e esponsal em toda a missão do Salvador.
Ao longo do caminho de tal colaboração com a obra do Filho-Redentor, a própria
maternidade de Maria veio a conhecer uma transformação singular, sendo cada vez
mais cumulada de "caridade ardente" para com todos aqueles a quem se
destinava a missão de Cristo. Mediante essa "caridade ardente",
visando cooperar, em união com Cristo, na restauração "da vida
sobrenatural nas almas", 102
Maria entrava de modo absolutamente pessoal na única mediação "entre Deus
e os homens", que é a mediação do homem Cristo Jesus. Se ela mesma foi
quem primeiro experimentou em si os efeitos sobrenaturais desta mediação única
- já aquando da Anunciação ela tinha sido saudada como "cheia de
graça" - então tem de se dizer que, em virtude desta plenitude da graça e
de vida sobrenatural, ela estava particularmente predisposta para a
"cooperação" com Cristo, único mediador da salvação humana. E tal
cooperação é precisamente esta mediação subordinada à mediação de Cristo.
No
caso de Maria trata-se de uma mediação especial e excepcional, fundada na sua
"plenitude de graça", que se traduzia na total disponibilidade da
"serva do Senhor". Em correspondência com essa disponibilidade
interior da sua Mãe, Jesus Cristo preparava-a cada vez mais para ela se tornar
para os homens "mãe na ordem da graça". Isto acha-se indicado, pelo
menos de maneira indirecta, em certos pormenores registados pelos Sinópticos (cf.
Lc 11, 28; 8, 20-21; Mc 3, 32-35; Mt 12, 47-50) e, mais ainda, pelo
Evangelho de São João (cf. 2, 1-12; 19, 25-27), como já procurei pôr
em evidência. A este propósito, são particularmente eloquentes as palavras
pronunciadas por Jesus do alto da Cruz, referindo-se a Maria e a João.
40.
Depois dos acontecimentos da Ressurreição e da Ascensão, Maria, entrando com os
Apóstolos no Cenáculo enquanto esperavam o Pentecostes, estava aí presente como
Mãe do Senhor glorificado. Era não só aquela que "avançou na peregrinação
da fé" e conservou fielmente a sua união com o Filho "até à
Cruz", mas também a "serva do Senhor" deixada por seu Filho como
mãe no seio da Igreja nascente: "Eis a tua mãe". Assim começou a
estabelecer-se um vínculo especial entre esta Mãe e a Igreja. Com efeito, a
Igreja nascente era fruto da Cruz e da Ressurreição do seu Filho. Maria, que
desde o princípio se tinha entregado sem reservas à pessoa e à obra do Filho,
não podia deixar de derramar sobre a Igreja, desde os inícios, esta sua doação
materna. Depois da "partida" do Filho a sua maternidade permanece na Igreja,
como mediação materna: intercedendo por todos os seus filhos, a Mãe coopera na
obra salvífica do Filho-Redentor do mundo. De facto, o Concílio ensina: "a
maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção... até à
consumação perpétua de todos os eleitos". 103
Com a morte redentora do seu Filho, a mediação materna da serva do Senhor
revestiu-se de uma dimensão universal, porque a obra da Redenção abrange todos
os homens. Assim se manifesta, de modo singular, a eficácia da única e
universal mediação de Cristo "entre Deus e os homens". A cooperação
de Maria participa, com o seu carácter subordinado, na universalidade da
mediação do Redentor, único Mediador. Isto é claramente indicado pelo Concílio
com as palavras acima citadas.
De
facto - lemos ainda - depois de elevada ao céu, Maria não abandonou este papel
de salvação, mas com a sua múltipla intercessão, continua a alcançar-nos os
dons da salvação eterna".104
Com este carácter de a intercessão", que se manifestou pela primeira vez
em Caná da Galileia, a mediação de Maria continua na história da Igreja e do
mundo. Lemos que Maria, "com a sua caridade materna, cuida dos irmãos de
seu Filho, que ainda peregrinam e se debatem entre perigos e angústias, até que
sejam conduzidos à pátria bem-aventurada". 105
Deste modo, a maternidade de Maria perdura incessantemente na Igreja, como
mediação que intercede; e a Igreja exprime a sua fé nesta verdade invocando-a
sob os títulos de Advogada, Auxiliadora, (Perpétuo) Socorro e Medianeira. 106
41.
Pela sua mediação, subordinada à mediação do Redentor, Maria contribui de
maneira especial para a união da Igreja peregrina na terra com a realidade
escatológica e celeste da comunhão dos santos, tendo já sido "elevada ao
Céu". 107 A verdade da
Assunção, definida por Pio XII, é reafirmada pelo Vaticano II, que exprime a fé
da Igreja nestes termos: "Finalmente, a Virgem Imaculada, preservada imune
de toda a mancha da culpa original, terminado o curso da sua vida terrena, foi
assumida à glória celeste em corpo e alma e exaltada pelo Senhor como Rainha do
universo, para que se conformasse mais plenamente com o seu Filho, Senhor dos
senhores (cf. Apoc 19, 16) e vencedor do pecado e da morte", 108 Com esta doutrina, Pio XII situava-se na
continuidade da Tradição, que ao longo da história da Igreja teve expressões
múltiplas, tanto no Oriente como no Ocidente.
Com
o mistério da Assunção ao Céu, actuaram em Maria definitivamente todos os
efeitos da única mediação de Cristo, Redentor do mundo e Senhor ressuscitado:
"Todos receberão a vida em Cristo. Cada um, porém, na sua ordem: primeiro
Cristo, que é a primícia; depois, à sua vinda, aqueles que pertencem a
Cristo" (1 Cor 15, 22-23). No mistério da Assunção exprime-se a
fé da Igreja, segundo a qual Maria está "unida por um vínculo estreito e
indissolúvel a Cristo", pois, se já como mãe-virgem estava a Ele unida
singularmente na sua primeira vinda, pela sua contínua cooperação com Ele o
estará também na expectativa da segunda: "Remida dum modo mais sublime, em
atenção aos méritos de seu Filho", 109
ela tem também aquele papel, próprio da Mãe, de medianeira de clemência, na
vinda definitiva, quando todos os que são de Cristo forem vivificados e quando
"o último inimigo a ser destruído será a morte" (1 Cor 15, 26).
110
Com
tal exaltação da "excelsa Filha de Sião" 111 mediante a Assunção ao Céu, está conexo o mistério da
sua glória eterna. A Mãe de Cristo, efectivamente, foi glorificada como
"Rainha do universo". 112
Ela, que na altura da Anunciação se definiu "serva do Senhor", permaneceu
fiel ao que este nome exprime durante toda a vida terrena, confirmando desse
modo ser uma verdadeira "discípula" de Cristo, que teve ocasião de
acentuar fortemente o carácter de serviço da sua missão: o Filho do homem
"não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate
de muitos" (Mt 20, 28). Por isso, Maria tornou-se a primeira
entre aqueles que, "servindo a Cristo também nos outros, conduzem os seus
irmãos, com humildade e paciência, àquele Rei, servir ao qual é reinar"; 113 e alcançou plenamente aquele
"estado de liberdade real" que é próprio dos discípulos de Cristo: servir
quer dizer reinar!
"Cristo,
tendo-se feito obediente até à morte, foi por isso mesmo exaltado pelo Pai (cf.
Flp 2, 8-9) e entrou na glória do seu Reino; a ele estão submetidas todas
as coisas, até que ele se sujeite a si mesmo e consigo todas as criaturas ao
Pai, a fim de que Deus seja tudo em todos (cf. 1 Cor 15, 27-28)".
114 Maria, serva do Senhor, tem
parte neste Reino do Filho. 115 A
glória de servir não cessa de ser a sua exaltação real: elevada ao céu, não
suspende aquele seu serviço salvífico em que se exprime a mediação materna,
"até à consumação perpétua de todos os eleitos". 116 Assim, aquela que, aqui na terra,
"conservou fielmente a sua união com o Filho até à Cruz", permanece
ainda unida a ele, uma vez que "tudo lhe está submetido, até que ele
sujeite ao Pai a sua pessoa e todas as criaturas". Mais, com a sua
Assunção ao Céu, Maria está como que envolvida por toda a realidade da comunhão
dos santos; e a sua própria união com o Filho na glória está toda propendente
para a plenitude definitiva do Reino, quando a Deus for tudo em todos".
Também
nesta fase a mediação materna de Maria não deixa de estar subordinada àquele
que é o único Mediador, até à definitiva actuação "da plenitude dos
tempos": "a de em Cristo recapitular todas as coisas" (Ef
1, 10).
(Nota:
Revisão da tradução para português por ama)
__________________
Notas
(em latim):
(87) CONC. OEC. VAT. II, Const. dogm. Lumen
Gentium de Ecclesia, 8.
(88) Ibid., 9.
(89) Ut est notum, verba cantici «
Magnificat » continent plurimos locos Veteris Testamenti vel ad eos revocantur.
(90) CONC. OEC. VAT. II, Const. dogm. Dei
Verbum de Divina Revelatione, 2.
(91) Cfr. ex. gr. S. IUSTINUS, Dialogus cum
Tryphone Iudaeo, 100: Otto II, 358; S. IRENAEUS, Adversus Haereses III, 22, 4:
S. Ch. 211, 439-445; TERTULLIANUS, De Carne Christi, 17, 4-6: CCL II, 904 s.
(92) Cfr. S. EPIPHANIUS, Panarion III, 2;
Haer. 78, 18: PG 42, 727-730.
(93) CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI,
Instructio Libertà cristiana e liberazione (22 Martii 1986), 97.
(94) CONC. OEC. VAT. II, Const. dogm. Lumen
Gentium de Ecclesia, 60.
(95) Ibid., 60.
(96) Cfr. formula mediatricis « ad
Mediatorem » S. BERNARDI, In Dominica intra oct. Assumptionis Sermo, 2: S.
Bernardi Opera, V, 1968, 263. Maria tamquam purum speculum refert ad Filium
ominem gloriam et honorem quae recipit: ID., In Nativitate B. Mariae Sermo - De
acquaeductu, 12: ed. mem., 283.
(97) CONC. OEC. VAT. II. Const. dogm.Lumen
Gentium de Ecclesia, 62.
(98) Ibid., 62,
(99) Ibid., 61.
(100) Ibid., 62.
(101) Ibid., 61.
(102) Ibid., 61.
(103) Ibid., 62.
(104) Ibid., 62.
(105) Ibid., 62. Etiam in suis precibus
Ecclesia confitetur celebratque « munus maternum » Mariae: munus «
intercessionis et veniae, impetrationis et gratiae, reconciliationis et pacis »
(cfr. praefatio Missae de Beata Maria Virgine, Matre et Mediatrice gratiae,
Collectio Missarum de Beata Maria Virgine, ed, typ. 1987, I, 120).
(106) Ibid., 62.
(107) Ibid., 62; cfr. S. IOANNES DAMASCENUS,
Hom. in Donnitionem I 11, II 2 14; III, 2: 8. Ch. 80. 111 s.; 127-131; 157-161;
181-185; S. BERNARDUS, In Assumptione Beata; Mariae 8ermo, 1-2: S. Bernardi
Opera, V, 1968, 228-238.
(108) Const. dogm. Lumen Gentium de
Ecclesia, 59; cfr. PIUS PP. XII, Const. Ap. Munificentissimus Deus (1 Novembris
1950): AAS 42 (1950) 769-771; S. Bernardus ostendit Mariam circumfusam
splendore gloriae Filii: In Dominica infra oct. Assumptionis Sermo, 3: S. Bernardi
Opera, V, 1968, 263 s.
(109) CONC OEC. VAT. II, Const. dogm. Lumen
Gentium de Ecclesia, 53.
(110) Quod attinet ad hanc praecipuam
partem intercessionis Mariae ut impetratricis clementiae apud « Filium Iudicem
», cfr. S. BERNARDUS, In Dominica infra oct. Assumptionis Sermo, 1-2: S.
Bernardi Opera, V, 1968, 262 s.; LEO PP. XIII, Ep. Enc. Octobri Mense (22 Septembris
1891): Acta Leonis, IX, 299-315.
(111) CONC. OEC. VAT. II, Const. dogm.
Lumen Gentium de Ecclesia, 55.
(112) Ibid., 59.
(113) Ibid., 36.
(114) Ibid., 36.
(115) De Maria Regina, cfr. S. IOANNES
DAMASCENUS, Hom. in Nativitatem, 6; 12; Hom. in Dormitionem, I, 12,14; II,11;
III, 4: S. Ch. 80, 59 S.; 778.; 838.; 1138.; 117; 1519.; 189-193.
(116) CONC. OEC. VAT. II, Const. dogm.
Lumen Gentium de Ecclesia, 62.
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