Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Lc 16, 1-31
1 Disse também a Seus discípulos: «Um homem rico tinha um feitor, que foi acusado diante dele de ter dissipado os seus bens. 2 Chamou-o, e disse-lhe: Que é isto que eu oiço dizer de ti? Dá conta da tua administração; não mais poderás ser meu feitor. 3 Então o feitor disse consigo: Que farei, visto que o meu senhor me tira a administração? Cavar não posso, de mendigar tenho vergonha. 4 Já sei o que hei-de fazer, para que, quando for removido da administração, haja quem me receba em sua casa. 5 E, chamando cada um dos devedores do seu senhor, disse ao primeiro: Quanto deves ao meu senhor? 6 Ele respondeu: Cem medidas de azeite. Então disse-lhe: Toma o teu recibo, senta-te e escreve depressa cinquenta. 7 Depois disse a outro: Tu quanto deves? Ele respondeu: Cem medidas de trigo. Disse-lhe o feitor: Toma o teu recibo e escreve oitenta. 8 E o senhor louvou o feitor desonesto, por ter procedido sagazmente. Porque os filhos deste mundo são mais hábeis no trato com os seus semelhantes que os filhos da luz». 9 «Portanto, Eu vos digo: Fazei amigos com as riquezas da iniquidade, para que, quando vierdes a precisar, vos recebam nos tabernáculos eternos. 10 Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco também é injusto no muito. 11 Se, pois, não fostes fiéis nas riquezas iníquas, quem vos confiará as verdadeiras? 12 E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? 13 Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque, ou odiará um e amará o outro, ou se afeiçoará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro». 14 Ora os fariseus, que eram amigos do dinheiro, ouviam todas estas coisas e troçavam d'Ele. 15 Jesus disse-lhes: «Vós sois aqueles que pretendeis passar por justos diante dos homens, mas Deus conhece os vossos corações; o que é excelente segundo os homens é abominação diante de Deus.16 A Lei e os Profetas duraram até João; desde então é anunciado o reino de Deus e todos se esforçam por entrar nele com energia. 17 Ora é mais fácil passar o céu e a terra, do que perder-se uma vírgula da Lei. 18 Todo aquele que repudia a sua mulher, e toma outra, comete adultério; e quem casa com a que foi repudiada por seu marido comete adultério». 19 «Havia um homem rico que se vestia de púrpura e de linho fino e todos os dias se banqueteava esplêndidamente. 20 Havia também um mendigo, chamado Lázaro, que, coberto de chagas, estava deitado à sua porta, 21 desejando saciar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico, e até os cães vinham lamber-lhe as chagas.22 «Sucedeu morrer o mendigo, e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico, e foi sepultado.23 Quando estava nos tormentos do inferno, levantando os olhos, viu ao longe Abraão e Lázaro no seu seio. 24 Então exclamou: Pai Abraão, compadece-te de mim, e manda Lázaro que molhe em água a ponta do seu dedo para refrescar a minha língua, pois sou atormentado nestas chamas. 25 Abraão disse-lhe: Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em vida, e Lázaro, ao contrário, recebeu males; por isso ele é agora consolado e tu és atormentado. 26 Além disso, há entre nós e vós um grande abismo; de maneira que os que querem passar daqui para vós não podem, nem os daí podem passar para nós. 27 O rico disse: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à minha casa paterna, 28 pois tenho cinco irmãos, para que os advirta disto, e não suceda virem também eles parar a este lugar de tormentos. 29 Abraão disse-lhe: Têm Moisés e os profetas; oiçam-nos. 30 Ele, porém, disse: Não basta isso, pai Abraão, mas, se alguém do reino dos mortos for ter com eles, farão penitência. 31 Ele disse-lhe: Se não ouvem Moisés e os profetas, também não acreditarão, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos».
CARTA APOSTÓLICA
MULIERIS DIGNITATEM
DO SUMO PONTÍFICE
JOÃO PAULO II
SOBRE A DIGNIDADE
E A VOCAÇÃO DA MULHER
POR OCASIÃO DO ANO MARIANO
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5. Este evento possui um carácter nitidamente interpessoal: é um diálogo. Não o compreendemos plenamente se não enquadrarmos toda a conversação entre o Anjo e Maria na saudação: “cheia de graça”. Todo o diálogo da Anunciação revela a dimensão essencial do evento: a dimensão sobrenatural. Mas a graça nunca dispensa nem anula a natureza, antes a aperfeiçoa e enobrece. Portanto, a “plenitude de graça”, concedida à Virgem de Nazaré, em vista do seu tornar-se “Theotòkos”, significa, ao mesmo tempo, a plenitude da perfeição daquilo “que é característico da mulher”, daquilo “que é feminino”. Encontramo-nos aqui, em certo sentido, no ponto culminante, no arquétipo da dignidade pessoal da mulher.
Quando Maria responde às palavras do mensageiro celeste com o seu “fiat”, a “cheia de graça” sente necessidade de exprimir a sua relação pessoal, a respeito do dom que lhe foi revelado, dizendo: “Eis a serva do Senhor” (Lc 1, 38). Esta frase não pode ser privada nem diminuída do seu sentido profundo, tirando-a artificialmente de todo o contexto do evento e de todo o conteúdo da verdade revelada sobre Deus e sobre o homem. Na expressão “serva do Senhor” transparece toda a consciência de Maria de ser criatura em relação a Deus. Todavia, a palavra “serva”, quase no fim do diálogo da Anunciação, se inscreve na perspectiva integral da história da Mãe e do Filho. Na verdade, este Filho, que é verdadeiro e consubstancial “Filho do Altíssimo”, dirá muitas vezes de si, especialmente no momento culminante de sua missão: “o Filho do homem... não veio para ser servido, mas para servir” (Mc 10, 45).
Cristo está sempre consciente de ser “servo do Senhor”, segundo a profecia de Isaías (cf. 42, 1; 49, 3. 6; 52, 13), na qual se encerra o conteúdo essencial da sua missão messiânica: a consciência de ser o Redentor do mundo. Maria, desde o primeiro instante da sua maternidade divina, da união com o seu Filho que “o Pai enviou ao mundo, para que o mundo fosse salvo por ele” (cf. Io 3, 17), insere-se no serviço messiânico de Cristo… é precisamente este serviço que constitui o fundamento próprio do Reino, no qual “servir... quer dizer reinar». Cristo, “Servo do Senhor”, manifestará a todos os homens a dignidade real do serviço, com a qual anda estreitamente ligada a vocação de todo homem.
Assim, considerando a realidade mulher-Mãe de Deus, entramos da maneira mais oportuna na presente meditação do Ano Mariano. Essa realidade determina também o horizonte essencial da reflexão sobre a dignidade e sobre a vocação da mulher. Ao pensar, dizer ou fazer algo em ordem à dignidade e à vocação da mulher, não se devem separar deste horizonte o pensamento, o coração e as obras. A dignidade de todo homem e a vocação que a ela corresponde encontram a sua medida definitiva na união com Deus. Maria — a mulher da Bíblia — é a expressão mais acabada desta dignidade e desta vocação. De facto, o ser humano, homem ou mulher, criado à imagem e semelhança de Deus, não pode realizar-se fora da dimensão desta imagem e semelhança.
III
IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS
O Livro do Génesis
6. Devemos colocar-nos no contexto do “princípio” bíblico, no qual a verdade revelada sobre o homem como “imagem e semelhança de Deus” constitui a base imutável de toda a antropologia cristã. “Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou” (Gén 1, 27). Esta passagem concisa contém as verdades antropológicas fundamentais: o homem é o ápice de toda a ordem criada no mundo visível; o Género humano, que se inicia com a chamada à existência do homem e da mulher, coroa toda a obra da criação; os dois são seres humanos, em grau igual o homem e a mulher, ambos criados à imagem de Deus. Esta imagem e semelhança com Deus, essencial para o homem, o homem e a mulher transmitem-na, como esposos e pais, aos seus descendentes: “Sede fecundos e multiplicai-vos, povoai a terra; submetei-a” (Gen 1, 28). O Criador confia o “domínio” da terra ao Género humano, a todas as pessoas, a todos os homens e a todas as mulheres, que aurem a sua dignidade e vocação do “princípio” comum.
No Génesis encontramos ainda uma outra descrição da criação do homem - homem e mulher (cf. 2, 18-25) - à qual nos referiremos em seguida. Desde agora, todavia, é preciso afirmar que da citação bíblica emerge a verdade sobre o carácter pessoal do ser humano. O homem é uma pessoa, em igual medida o homem e a mulher: os dois, na verdade, foram criados à imagem e semelhança do Deus pessoal. O que torna o homem semelhante a Deus é o facto de - diferentemente de todo o mundo das criaturas viventes, incluídos os entes dotados de sentidos (animalia) - ser também racional (animal rationale). Graças a esta propriedade o homem e a mulher podem “dominar” as outras criaturas do mundo visível (cf. Gén 1, 28).
Na segunda descrição da criação do homem (cf. Gén 2, 18-25), a linguagem em que se expressa a verdade sobre a criação do homem e, especialmente, da mulher é diversa; em certo sentido é menos precisa; é - poder-se-ia dizer - mais descritiva e metafórica; mais próxima da linguagem dos mitos então conhecidos. Todavia, não se encontra nenhuma contradição essencial entre os dois textos. O texto de Génesis 2, 18-25 ajuda a compreender bem o que encontramos na passagem concisa de Génesis 1, 27-28 e, ao mesmo tempo, se lido em conjunção com este, ajuda a compreender de modo ainda mais profundo a verdade fundamental aí contida sobre o homem, criado à imagem e semelhança de Deus como homem e mulher.
Na descrição de Génesis 2, 18-25, a mulher é criada por Deus “da costela” do homem e é colocada como um outro “eu”, como um interlocutor junto ao homem, o qual, no mundo circunstante das criaturas animadas, está só e não encontra em nenhuma delas um “auxiliar” que lhe seja conforme. A mulher, chamada desse modo à existência, é imediatamente reconhecida pelo homem “como carne da sua carne e osso dos seus ossos” (cf. Gén 2, 23), e precisamente por isto é chamada “mulher”. Na linguagem bíblica este nome indica a identidade essencial com referência ao homem: 'iš - 'iššah, o que, em geral, as línguas modernas infelizmente não conseguem exprimir. “Ela chamar-se-á mulher ('iššah), porque foi tirada do homem ('iš)” (Gén 2, 23).
O texto bíblico fornece bases suficientes para reconhecer a igualdade essencial do homem e da mulher do ponto de vista da humanidade. (24) Ambos, desde o início, são pessoas, à diferença dos outros seres vivos do mundo que os circunda. A mulher é um outro «eu» na comum humanidade. Desde o início aparecem como “unidade dos dois”, e isto significa a superação da solidão originária, na qual o homem não encontra um “auxiliar que lhe seja semelhante” (Gén 2, 20). Trata-se aqui do “auxiliar” só na acção, no “submeter a terra” (cf. Gén 1, 28)? Certamente se trata da companheira da vida, com a qual o homem pode unir-se como a uma esposa, tornando-se com ela “uma só carne” e abandonando por isso “seu pai e sua mãe” (cf. Gén 2, 24). A descrição bíblica, por conseguinte, fala da instituição, por parte de Deus, do matrimónio contextualmente com a criação do homem e da mulher como condição indispensável para a transmissão da vida às novas gerações dos homens, à qual o matrimónio e o amor conjugal são, por sua natureza, ordenados: “Sede fecundos e multiplicai-vos, povoai a terra; submetei-a” (Gén 1, 28).
Pessoa - Comunhão - Dom
7. Penetrando com o pensamento no conjunto da descrição de Génesis 2, 18-25 e interpretando-a à luz da verdade sobre a imagem e semelhança de Deus (cf. Gén 1, 26-27), podemos compreender ainda mais plenamente em que consiste o carácter pessoal do ser humano, graças ao qual ambos — o homem e a mulher — são semelhantes a Deus. Cada homem, com efeito, é à imagem de Deus enquanto criatura racional e livre, capaz de conhecê-lo e de amá-lo. Lemos também que o homem não pode existir “só” (cf. Gén 2, 18); pode existir somente como “unidade dos dois”, e portanto em relação a uma outra pessoa humana. Trata-se de uma relação recíproca: do homem para com a mulher e da mulher para com o homem. Ser pessoa à imagem e semelhança de Deus comporta, pois, também um existir em relação, em referência ao outro “eu”. Isto preludia a definitiva auto-revelação de Deus uno e trino: unidade viva na comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
No início da Bíblia, não se ouve ainda dizer isto directamente. Todo o Antigo Testamento é sobretudo a revelação da verdade sobre a unicidade e unidade de Deus. Nesta verdade fundamental sobre Deus o Novo Testamento introduzirá a revelação do mistério imperscrutável da vida íntima de Deus. Deus, que se dá a conhecer aos homens por meio de Cristo, é unidade na Trindade: é unidade na comunhão. Desse modo lança-se uma nova luz também sobre a semelhança e imagem de Deus no homem, de que fala o Livro do Génesis. O facto de o homem, criado como homem e mulher, ser imagem de Deus não significa apenas que cada um deles, individualmente, é semelhante a Deus, enquanto ser racional e livre; significa também que o homem e a mulher, criados como “unidade dos dois” na comum humanidade, são chamados a viver uma comunhão de amor e, desse modo, a refletir no mundo a comunhão de amor que é própria de Deus, pela qual as três Pessoas se amam no íntimo mistério da única vida divina. O Pai, o Filho e o Espírito Santo, um só Deus pela unidade da divindade, existem como pessoas pelas imperscrutáveis relações divinas. Somente assim se torna compreensível a verdade que Deus em si mesmo é amor (cf. 1 Jo 4, 16).
A imagem e semelhança de Deus no homem, criado como homem e mulher (pela analogia que se pode presumir entre o Criador e a criatura), exprime portanto também a “unidade dos dois” na comum humanidade. Esta “unidade dos dois”, que é sinal da comunhão interpessoal, indica que na criação do homem foi inscrita também uma certa semelhança com a comunhão divina (“communio”). Esta semelhança foi inscrita como qualidade do ser pessoal dos dois, do homem e da mulher, e, conjuntamente, como uma chamada e um empenho. Na imagem e semelhança de Deus que o Género humano traz consigo desde o “princípio”, radica-se o fundamento de todo o “ethos” humano: o Antigo e o Novo Testamento irão desenvolver esse “ethos”, cujo vértice é o mandamento do amor. (25)
Na “unidade dos dois”, o homem e a mulher são chamados, desde o início, não só a existir “um ao lado do outro” ou “juntos”, mas também a existir reciprocamente “um para outro”.
Assim se explica também o significado daquele “auxiliar” de que se fala em Génesis 2, 18-25: “Dar-lhe-ei um auxiliar que lhe seja semelhante”. O contexto bíblico permite entendê-lo também no sentido de que a mulher deve “auxiliar” o homem - e que este, por sua vez, deve ajudar a ela - em primeiro lugar por causa do seu idêntico “ser pessoa humana”: isto, em certo sentido, permite a ambos descobrirem sempre de novo e confirmarem o sentido integral da própria humanidade. É fácil compreender que - neste plano fundamental - se trata de um “auxiliar” de ambas as partes e de um “auxiliar” recíproco. Humanidade significa chamada à comunhão interpessoal. O texto de Génesis 2, 18-25 indica que o matrimónio é a primeira e, num certo sentido, a fundamental dimensão desta chamada. Não é, porém, a única. Toda a história do homem sobre a terra realiza-se no âmbito desta chamada. Na base do princípio do recíproco ser “para” o outro, na “comunhão” interpessoal, desenvolve-se nesta história a integração na própria humanidade, querida por Deus, daquilo que é “masculino” e daquilo que é “feminino”. Os textos bíblicos, começando pelo Génesis, permitem-nos reencontrar constantemente o terreno no qual se enraíza a verdade sobre o homem, um terreno sólido e inviolável em meio a tantas transformações da existência humana.
Esta verdade refere-se também à história da salvação. A este respeito, um enunciado do Concílio Vaticano II é particularmente significativo. No capítulo sobre a “comunidade dos homens” da Constituição pastoral Gaudium et Spes lemos: “Quando o Senhor Jesus reza ao Pai que «todos sejam um... como nós somos um» (Jo 17, 21-22), abre perspectivas inacessíveis à razão humana e sugere alguma semelhança entre a união das Pessoas divinas e a união dos filhos de Deus na verdade e na caridade. Esta semelhança manifesta que o homem, única criatura na terra que Deus quis por si mesma, não pode se encontrar plenamente senão por um dom sincero de si mesmo”. Com estas palavras o texto conciliar apresenta sinteticamente o conjunto da verdade sobre o homem e sobre a mulher - verdade que se delineia já nos primeiros capítulos do Livro do Génesis - como a própria estrutura que sustenta a antropologia bíblica e cristã. O homem - tanto homem como mulher - é o único ser entre as criaturas do mundo visível que Deus Criador “quis por si mesmo”: é portanto uma pessoa. O ser pessoa significa tender à própria realização (o texto conciliar diz “se encontrar”), que não se pode alcançar “senão por um dom sincero de si mesmo”. Modelo de tal interpretação da pessoa é Deus mesmo como Trindade, como comunhão de Pessoas. Dizer que o homem é criado à imagem e semelhança deste Deus quer dizer também que o homem é chamado a existir “para” os outros, a tornar-se um dom.
Isso diz respeito a todo ser humano, seja homem, seja mulher; estes o actuam na peculiaridade própria a cada um. No âmbito da presente meditação sobre a dignidade e a vocação da mulher, esta verdade sobre o ser humano constitui o ponto de partida indispensável. Já o Livro do Génesis permite entrever, como num primeiro esboço, este carácter esponsal da relação entre as pessoas, terreno sobre o qual se desenvolverá, a seguir, a verdade sobre a maternidade, como também sobre a virgindade, como duas dimensões particulares da vocação da mulher à luz da Revelação divina. Estas duas dimensões vão encontrar a sua expressão mais alta no advento da «plenitude dos tempos» (cf. Gál 4, 4) na figura da “mulher” de Nazaré: Mãe-Virgem.
O antropomorfismo da linguagem bíblica
8. A apresentação do homem como “imagem e semelhança de Deus”, logo no início da Sagrada Escritura, reveste-se também de outro significado. Este facto constitui a chave para compreender a Revelação bíblica como um discurso de Deus sobre si mesmo. Falando de si, seja “pelos profetas, seja por meio do Filho” (cf. Hbr 1, 1-2) feito homem, Deus fala com linguagem humana, faz uso de conceitos e imagens humanas. Se este modo de exprimir-se é caracterizado por um certo antropomorfismo, a razão está no facto de que o homem é “semelhante” a Deus: criado à sua imagem e semelhança. E então também Deus é, de algum modo, “semelhante ao homem” e, precisamente com base nesta semelhança, ele pode ser conhecido pelos homens. Ao mesmo tempo a linguagem da Bíblia é suficientemente precisa para indicar os limites da “semelhança”, os limites da “analogia”. Com efeito, a revelação bíblica afirma que, se é verdadeira a “semelhança” do homem com Deus, é essencialmente mais verdadeira ainda a “não-semelhança”, que separa do Criador toda a criação. Em última análise, para o homem criado à semelhança de Deus, Deus não cessa de ser “aquele que habita numa luz inacessível” (1 Tim 6, 16): é o “Diverso” por essência, o “totalmente Outro”.
Esta observação sobre os limites da analogia - limites da semelhança do homem com Deus na linguagem bíblica - deve ser levada em consideração também quando, em diversas passagens da Sagrada Escritura (especialmente no Antigo Testamento), encontramos comparações que atribuem a Deus qualidades “masculinas” ou “femininas”. Encontramos nessas comparações a confirmação indirecta da verdade de que ambos, tanto o homem como a mulher, foram criados à imagem e semelhança de Deus. Se existe semelhança entre o Criador e as criaturas, é compreensível que a Bíblia tenha usado, a esse respeito, expressões que lhe atribuem qualidades quer “masculinas” quer “femininas”.
Lembramos aqui algumas passagens características do profeta Isaías: “Dissera Sião: "Javé abandonou-me, o Senhor esqueceu-se de mim ". Pode, acaso, uma mãe esquecer o próprio filhinho, não se enternecer pelo fruto das suas entranhas? Pois bem; ainda que tais mulheres dele se esqueçam, eu, porém, não me esquecerei de ti” (49, 14-15). E noutra passagem: “Como alguém que é consolado pela própria mãe, assim eu vos consolarei; e em Jerusalém recebereis conforto” (Is 66, 13). Também nos Salmos Deus é comparado a uma mãe pressurosa: “Como a criança desmamada no regaço da mãe, como uma criança desmamada está minh'alma. Espera, Israel, no Senhor” (Sl 131, 2-3). Em diversos trechos o amor de Deus, solícito para com o seu povo, é apresentado como semelhante ao amor de uma mãe: tal como uma mãe, Deus «carregou” a humanidade e, particularmente, o seu povo escolhido no próprio seio, deu-o à luz na dor, nutriu-o e consolou-o (cf. Is 42, 14; 46, 3-4). O amor de Deus é apresentado em muitos trechos como amor “masculino” de esposo e pai (cf. Os 11, 1-4; Jer 3, 4-19), mas, às vezes, também como amor a feminino” de mãe.
Esta característica da linguagem bíblica, o seu modo antropomórfico de falar de Deus, indica também indirectamente o mistério do eterno “gerar”, que pertence à vida íntima de Deus. Todavia, este “gerar” em si mesmo não possui qualidades “masculinas” nem “femininas”. É de natureza totalmente divina. É espiritual do modo mais perfeito, pois «Deus é espírito» (Jo 4, 24) e não possui nenhuma propriedade típica do corpo, nem “feminina” nem “masculina”. Por conseguinte, também a “paternidade” em Deus é totalmente divina, livre da característica corporal “masculina”, que é própria da paternidade humana. Neste sentido, o Antigo Testamento falava de Deus como de um Pai e se dirigia a ele como a um Pai. Jesus Cristo, que pôs esta verdade no próprio centro do seu Evangelho como norma da oração cristã, e que se dirigia a Deus chamando-lhe: «Abá – Pai» (Mc 14, 36), como Filho unigénito e consubstancial, indicava a paternidade neste sentido ultra-corporal, sobre-humano, totalmente divino. Falava como Filho, unido ao Pai pelo mistério eterno do gerar divino, e o fazia sendo ao mesmo tempo. Filho autenticamente humano da sua Mãe Virgem.
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