25/03/2012

Leitura Espiritual para 25 Mar 2012

Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.


Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Lc 12, 22-41

22 Depois disse a Seus discípulos: «Portanto digo-vos: Não vos preocupeis com o que é preciso para a vossa vida, com o que haveis de comer, nem com o que é preciso para vestir o vosso corpo. 23 A vida vale mais que o alimento e o corpo mais que o vestido. 24 Considerai os corvos, que não semeiam, nem ceifam, nem têm despensa, nem celeiro, e Deus, contudo, sustenta-os. Quanto mais valeis vós do que eles? 25 Qual de vós, por muito que pense, pode acrescentar um côvado à duração da sua vida? 26 Se vós, pois, não podeis fazer o que é mínimo, porque estais em cuidado sobre o resto? 27 Considerai como crescem os lírios; não trabalham, nem fiam; contudo, digo-vos que nem Salomão, com toda a sua glória, se vestia como um deles. 28 Se, pois, a erva que hoje está no campo e amanhã se lança no forno, Deus assim a veste, quanto mais a vós, homens de pouca fé? 29 «Vós, pois, não procureis o que haveis de comer ou beber; não andeis com o espírito preocupado. 30 Porque são os homens do mundo que buscam todas estas coisas. Mas o vosso Pai sabe que tendes necessidade delas. 31 Buscai, pois, em primeiro lugar, o reino de Deus, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo. 32 Não temais ó pequenino rebanho, porque foi do agrado do vosso Pai dar-vos o reino. 33 Vendei o que possuís e dai esmola; fazei para vós bolsas que não envelhecem, um tesouro inesgotável no céu, onde não chega o ladrão, nem a traça corrói. 34 Porque onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. 35 «Estejam cingidos os vossos rins e acesas as vossas lâmpadas. 36 Fazei como os homens que esperam o seu senhor quando volta das núpcias, para que, quando vier e bater à porta, logo lha abram. 37 Bem-aventurados aqueles servos, a quem o senhor quando vier achar vigiando. Na verdade vos digo que se cingirá, os fará pôr à sua mesa e, passando por entre eles, os servirá. 38 Se vier na segunda vigília, ou na terceira, e assim os encontrar, bem-aventurados são aqueles servos. 39 Sabei que, se o pai de família soubesse a hora em que viria o ladrão, vigiaria sem dúvida e não deixaria arrombar a sua casa. 40 Vós, pois, estai preparados porque, na hora que menos pensais, virá o Filho do Homem». 41 Pedro disse-lhe: «Senhor, dizes esta parábola só para nós ou para todos?».


CARTA APOSTÓLICA
TERTIO MILLENNIO ADVENIENTE
DO SUMO PONTÍFICE
JOÃO PAULO II
AO EPISCOPADO
AO CLERO E AOS FIÉIS
SOBRE A PREPARAÇÃO
PARA O JUBILEU DO ANO 2000



Aos Bispos,
Aos sacerdotes e aos diáconos,
Aos religiosos e religiosas,
A todos os fiéis leigos

1. Quando já se avizinha o terceiro milénio da era cristã, espontaneamente vêm ao pensamento as palavras do apóstolo Paulo: ”Ao chegar a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher” (Gal 4, 4). A plenitude do tempo identifica-se com o mistério da Encarnação do Verbo, Filho consubstancial ao Pai, e com o mistério da Redenção do mundo. S. Paulo sublinha, nesta passagem, que o Filho de Deus nasceu de mulher, nasceu sujeito à Lei, e veio ao mundo resgatar quantos estavam sujeitos à Lei, para poderem receber a adopção de filhos. E acrescenta:” Porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho que clama: "Abba, Pai!". A sua conclusão é verdadeiramente consoladora: ”Portanto, já não és servo, mas filho; e, se és filho, também és herdeiro, pela graça de Deus” (Gal 4, 6-7).

Esta apresentação paulina do mistério da Encarnação contém a revelação do mistério trinitário e da continuação da missão do Filho na missão do Espírito Santo. A Encarnação do Filho de Deus, a sua concepção, o seu nascimento constituem o pressuposto para o envio do Espírito Santo. O texto de S. Paulo deixa assim transparecer a plenitude do mistério da Encarnação redentora.

I
«JESUS CRISTO É O MESMO ONTEM, HOJE...”
(Heb 13, 8)

2. No seu Evangelho, Lucas transmitiu-nos uma descrição concisa das circunstâncias em que se deu o nascimento de Jesus: ”Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto, para ser recenseada toda a terra (...) E iam todos recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de recensear-se com Maria, sua mulher, que se encontrava grávida. E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoira, por não haver para eles lugar na hospedaria” (2, 1. 3-7).

Assim se cumpria aquilo que o anjo Gabriel tinha predito na Anunciação. À Virgem de Nazaré, tinha-se ele dirigido com estas palavras: ”Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo” (1, 28). Tais palavras deixaram Maria perturbada, pelo que o Mensageiro divino apressara-se a acrescentar: ”Não tenhas receio, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo. (...) O Espírito Santo descerá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer Se há-de chamar Filho de Deus” (1, 30-32. 35). A resposta de Maria à mensagem angélica foi inequívoca: ”Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (1, 38). Nunca como então na história do homem, tanto esteve dependente do consentimento da criatura humana. [i]

3. No prólogo do seu Evangelho, João resume toda a profundidade do mistério da Encarnação numa única frase: ”E o Verbo fez-se homem e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai, como Filho unigénito cheio de graça e de verdade” (1, 14). Para João, na concepção e no nascimento de Jesus realiza-se a Encarnação do Verbo eterno, consubstancial ao Pai. O evangelista refere-se ao Verbo, que no princípio estava junto de Deus e por Quem foi feito tudo quanto existe; o Verbo no Qual estava a vida, vida que era a luz dos homens (cf. 1, 1-5). Do Filho unigénito, Deus de Deus, o apóstolo Paulo escreve que foi ”o Primogénito de toda a criação” (Col 1, 15). Deus cria o mundo por meio do Verbo. O Verbo é a eterna Sabedoria, o Pensamento e a Imagem substancial de Deus,” resplendor da sua glória e imagem da sua substância” (Heb 1, 3). Gerado eternamente e eternamente amado pelo Pai, como Deus de Deus e Luz da Luz, Ele é o princípio e o arquétipo de todas as coisas, criadas por Deus no tempo.
O facto de o Verbo ter assumido, na plenitude dos tempos, a condição de criatura confere ao acontecimento de Belém, de há dois mil anos, um valor cósmico singular. Graças ao Verbo, o mundo das criaturas apresenta-se como ”cosmos”, isto é, como universo ordenado. E é ainda o Verbo que, encarnando-Se, renova a ordem cósmica da criação. A Carta aos Efésios fala do desígnio que Deus tinha preestabelecido em Cristo, ”para ser realizado ao completarem-se os tempos: recapitular em Cristo todas as coisas que há no Céu e na Terra” (1, 10).

4. Cristo, Redentor do mundo, é o único Mediador entre Deus e os homens e não há outro nome debaixo do céu pelo qual possamos ser salvos (cf. Act 4, 12). Lê-se na Carta aos Efésios: n'Ele ”temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça, que abundantemente derramou sobre nós com plena sabedoria e discernimento (...) segundo o beneplácito que n'Ele de antemão estabelecera, para ser realizado ao completarem-se os tempos” (1, 7-10). Assim Cristo, Filho consubstancial ao Pai, é Aquele que revela o desígnio de Deus relativo a toda a criação, e de modo particular sobre o homem. Como sugestivamente afirma o Concílio Vaticano II, Ele ”revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime”. [ii] Mostra-lhe esta vocação, revelando o mistério do Pai e do seu amor. ”Imagem do Deus invisível”, Cristo é o homem perfeito que restituiu aos filhos de Adão a semelhança com Deus, deformada pelo pecado. Na sua natureza humana, imune de todo o pecado e assumida pela Pessoa divina do Verbo, a natureza comum a todo o ser humano é elevada a uma dignidade sublime. ”Pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-Se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-Se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado”. [iii]

5. O facto do Filho de Deus ”Se fazer um de nós”verificou-se na maior humildade, pelo que não admira que a historiografia profana, absorvida por factos mais clamorosos e personagens que davam mais nas vistas, lhe tenha dedicado, ao início, somente acenos fugidios, ainda que significativos. Encontram-se referências a Cristo, por exemplo, em Antiguidades Judaicas, obra redigida em Roma pelo historiador Flávio Josefo, nos anos 93-94, [iv] e sobretudo nos Anais de Tácito, compostos entre os anos 115 e 120; ao referir-se lá ao incêndio de Roma no ano 64, falsamente imputado por Nero aos cristãos, o historiador acena explicitamente a Cristo,” supliciado por obra do Procurador Pôncio Pilatos sob o império de Tibério”. [v] Também Suetónio, ao escrever a biografia do imperador Cláudio por 121, nos informa sobre a expulsão dos judeus de Roma, porque” por instigação de um certo Cresto suscitavam frequentes tumultos”. [vi] É convicção comum dos intérpretes que tal passagem se refere a Jesus Cristo, que Se tornara motivo de controvérsia no seio do judaísmo romano. De salientar ainda, como confirmação da rápida difusão do cristianismo, o testemunho de Plínio o Jovem, governador da Bitínia, que, entre 111 e 113, comunica ao imperador Trajano que um grande número de pessoas costumava reunir-se” num dia fixo, antes da aurora, para, em coros alternados, cantar um hino a Cristo como a um Deus”. [vii] Mas aquele grande acontecimento, que os historiadores não cristãos se limitam a mencionar, adquire a sua luz plena nos escritos do Novo Testamento, os quais, apesar de documentos de fé, nem por isso deixam de ser, no conjunto das suas referências, menos atendíveis como testemunhos históricos. Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Senhor do cosmos, é também Senhor da história, de que é ”o Alfa e o Ómega” (Ap 1, 8; 21, 6) , “o Princípio e o Fim” (Ap 21, 6). N'Ele, o Pai pronunciou a palavra definitiva sobre o homem e sobre a sua história. É o que, numa real síntese, exprime a Carta aos Hebreus: ”Tendo Deus falado outrora aos nossos pais, muitas vezes e de muitas maneiras, pelos profetas, agora falou-nos nestes últimos tempos pelo Filho” (1, 1-2).

6. Jesus nasceu do Povo eleito, dando cumprimento à promessa feita a Abraão e depois constantemente recordada pelos profetas. Estes, falavam em nome e em lugar de Deus. A economia do Antigo Testamento, de facto, está essencialmente ordenada à preparação e ao anúncio da vinda de Cristo, Redentor do universo, e do seu Reino messiânico. Assim, os livros da Antiga Aliança são testemunhas permanentes de uma solícita pedagogia divina. [viii] Em Cristo, esta pedagogia atinge a sua meta: efectivamente, Ele não Se limita a falar ”em nome de Deus” como os profetas, mas é o próprio Deus que fala no seu Verbo eterno feito carne. Tocamos, aqui, o ponto essencial onde o cristianismo se diferencia das outras religiões, nas quais se foi exprimindo, desde o início, a busca de Deus por parte do homem. No cristianismo, o ponto de partida está na Encarnação do Verbo. Aqui, não é apenas o homem a procurar Deus, mas é Deus que vem em pessoa falar de Si ao homem e mostrar-lhe o caminho, por onde é possível atingi-l'O. Isto mesmo proclama o prólogo do Evangelho de João: ”Ninguém jamais viu a Deus: o Filho único que está no seio do Pai é que O deu a conhecer” (1, 18). O Verbo Encarnado é, por conseguinte, o cumprimento do anélito presente em todas as religiões da humanidade: este cumprimento é obra de Deus e ultrapassa toda a expectativa humana. É mistério de graça.

Em Cristo, a religião deixa de ser um ”procurar Deus como que às apalpadelas” (cf. Act 17, 27), para se tornar resposta de fé a Deus que Se revela: resposta na qual o homem fala a Deus como seu Criador e Pai; resposta feita possível por aquele Homem único, que ao mesmo tempo é o Verbo consubstancial ao Pai, no qual Deus fala a cada homem, e cada homem se torna capaz de responder a Deus. Mais ainda, nesse Homem responde a Deus a criação inteira. Jesus Cristo é o novo início de tudo: tudo n'Ele se reencontra, é acolhido e reconduzido ao Criador de Quem teve origem. Deste modo, Cristo é o cumprimento do anélito de todas as religiões do mundo, constituindo por isso mesmo o seu único e definitivo ponto de chegada. Se por um lado Deus em Cristo fala de Si à humanidade, por outro, no mesmo Cristo, a humanidade inteira e toda a criação falam de si a Deus — melhor, dão-se a Deus. Assim, tudo volta ao seu princípio. Simultaneamente Jesus Cristo é a recapitulação (cf. Ef 1, 10) e o cumprimento de todas as coisas em Deus: cumprimento que é glória de Deus. A religião, que se funda em Jesus Cristo, é religião da glória, é um existir em novidade de vida para louvor da glória de Deus (cf.Ef 1, 12). Na realidade, toda a criação é manifestação da sua glória; de modo particular, o homem (vivens homo) é epifania da glória de Deus, chamado a viver da plenitude da vida em Deus.

7. Em Jesus Cristo, Deus não só fala ao homem, mas procura-o. A Encarnação do Filho de Deus testemunha que Deus procura o homem. Jesus fala desta busca como sendo a recuperação de uma ovelha tresmalhada (cf. Lc 15, 1-7). É uma busca que nasce no íntimo de Deus e tem o seu ponto culminante na Encarnação do Verbo. Se Deus vai à procura do homem, criado à sua imagem e semelhança, fá-lo porque o ama eternamente no Verbo, e em Cristo quer elevá-lo à dignidade de filho adoptivo. Portanto, Deus procura o homem, que é sua particular propriedade, de um maneira diversa de como o é qualquer outra criatura. Aquele é propriedade de Deus na base de uma opção de amor: Deus procura o homem, impelido pelo seu coração de Pai.

Por que é que o busca? Porque o homem se afastou d'Ele, escondendo-se como Adão entre as árvores do paraíso terreal (cf. Gn 3, 8-10). O homem deixou-se transviar pelo inimigo de Deus (cf. Gn 3, 13). Satanás enganou-o, persuadindo-o de que ele próprio era deus, e de que, como Deus, podia conhecer o bem e o mal, governando o mundo a seu livre arbítrio, sem obrigação de ter em conta a vontade divina (cf. Gn 3, 5). Ao procurar o homem por intermédio do Filho, Deus quer induzi-lo a abandonar os caminhos do mal, onde tende a sumir-se cada vez mais. ”Fazê-lo abandonar” tais caminhos, significa fazer-lhe compreender que está seguindo por sendas erradas; significa derrotar o mal disseminado na história humana. Derrotar o mal: eis a Redenção. Esta realiza-se no sacrifício de Cristo, pelo qual o homem resgata a dívida do pecado e fica reconciliado com Deus. O Filho de Deus fez-Se homem, assumindo um corpo e uma alma no seio da Virgem Maria para isto mesmo: para fazer de Si o sacrifício redentor perfeito. A religião da Encarnação é a religião da Redenção do mundo através do sacrifício de Cristo, no qual está contida a vitória sobre o mal, sobre o pecado e sobre a própria morte. Cristo, aceitando a morte na cruz, contemporaneamente manifesta e dá a vida, porque ressuscita e a morte fica sem qualquer poder sobre Ele.

8. A religião, que tem origem no mistério da Encarnação redentora, é a religião caracterizada pelo ”permanecer no íntimo de Deus”, pelo participar na sua própria vida. Afirma-o S. Paulo na passagem citada ao início:” Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho que clama: "Abba, Pai"! (Gal 4, 6). “O homem levanta a sua voz à semelhança de Cristo, que” com grande clamor e lágrimas” (Heb 5, 7) se dirigia a Deus, especialmente no Getzemani e na cruz: o homem clama por Deus como clamou Cristo, testemunhando assim que participa da sua filiação por obra do Espírito Santo. O Espírito Santo, que o Pai enviou no nome do Filho, faz com que o homem participe na vida íntima de Deus. Faz com que o homem seja também filho à semelhança de Cristo, e herdeiro daqueles bens que constituem a parte do Filho (cf. Gal 4, 7). Tal é a religião do” permanecer na vida íntima de Deus”, que tem início na Encarnação do Filho de Deus. O Espírito Santo, que perscruta as profundezas de Deus (cf. 1 Cor 2, 10), introduz-nos a nós, homens, nessas profundezas em virtude do sacrifício de Cristo.

II
O JUBILEU DO ANO 2000

9. Falando do nascimento do Filho de Deus, S. Paulo situa-o na ”plenitude do tempo” (cf. Gal 4, 4). Na verdade, o tempo cumpriu-se pelo próprio facto de Deus Se ter entranhado na história do homem, com a Encarnação. A eternidade entrou no tempo: poderia haver” cumprimento”maior que este? Que outro” cumprimento”seria possível? Alguém pensou em determinados ciclos cósmicos arcanos, nos quais a história do universo, e particularmente a do homem, se repetiria constantemente. O homem levanta-se da terra e à terra retorna (cf. Gn 3, 19): eis o dado de evidência imediata. Mas no homem há uma irreprimível aspiração de viver para sempre. Como pensar numa sua sobrevivência para além da morte? Alguns imaginaram várias formas de reencarnação: consoante o modo como tivesse vivido durante a existência anterior, assim se acharia a experimentar uma nova existência mais nobre ou mais humilde, até atingir a plena purificação. Muito radicada nalgumas religiões orientais, esta crença indica, entre outras coisas, que o homem não entende resignar-se à irrevocabilidade da morte. Está convencido da própria natureza essencialmente espiritual e imortal.

A revelação cristã exclui a reencarnação e fala de um cumprimento que o homem é chamado a realizar no curso de uma única existência sobre a terra. Este cumprimento do seu próprio destino, o homem alcança-o no dom sincero de si, um dom que só se torna possível no encontro com Deus. É em Deus, pois, que o homem encontra a plena realização de si: esta é a verdade revelada por Cristo. O homem cumpre-se a si mesmo em Deus, que veio ao seu encontro mediante o eterno Filho. Graças à vinda de Deus à terra, o tempo humano, iniciado na criação, atingiu a sua plenitude. ”A plenitude do tempo”, de facto, é simplesmente a eternidade — melhor, Aquele que é eterno, isto é, Deus. Entrar na” plenitude do tempo”significa, pois, atingir o termo do tempo e sair dos seus confins para encontrar o seu cumprimento na eternidade de Deus.

10. No cristianismo, o tempo tem uma importância fundamental. Dentro da sua dimensão, foi criado o mundo, no seu âmbito se desenrola a história da salvação, que tem o seu ponto culminante na” plenitude do tempo”da Encarnação e a sua meta no regresso glorioso do Filho de Deus no fim dos tempos. Em Jesus Cristo, Verbo encarnado, o tempo torna-se uma dimensão de Deus, que em Si mesmo é eterno. Com a vinda de Cristo, principiam os” últimos tempos” (cf. Heb 1, 2), a” última hora” (cf. 1 Jo 2, 18), inicia o tempo da Igreja que durará até à Parusia.

Desta relação de Deus com o tempo, nasce o dever de o santificar. Tal se verifica, por exemplo, quando se dedicam a Deus tempos específicos, dias ou semanas, como já sucedia na religião da Antiga Aliança, e acontece ainda, embora de modo novo, no cristianismo. Na liturgia da Vigília Pascal, o celebrante, quando abençoa o círio que simboliza Cristo ressuscitado, proclama:” Cristo, ontem e hoje, Princípio e Fim, Alfa e Ómega. A Ele pertence o tempo e a eternidade. A Ele a glória e o poder para sempre”. Pronuncia estas palavras, enquanto grava no círio os algarismos do ano em curso. O significado do rito é claro: põe em evidência que Cristo é o Senhor do tempo; é o seu princípio e o seu cumprimento; cada ano, cada dia e cada momento ficam abraçados pela sua Encarnação e Ressurreição, reencontrando-se assim na ”plenitude do tempo”. Por isso, também a Igreja vive e celebra a liturgia no espaço do ano. O ano solar fica assim permeado pelo ano litúrgico, que, em certo sentido, reproduz todo o mistério da Encarnação e da Redenção, começando do primeiro domingo do Advento para terminar na solenidade de Cristo Rei, Senhor do universo e da história. Cada domingo recorda o dia da ressurreição do Senhor.

11. Neste contexto, torna-se compreensível o costume dos jubileus, que tem início no Antigo Testamento e reencontra a sua continuação na história da Igreja. Um dia Jesus de Nazaré, tendo ido à sinagoga da sua Cidade, levantou-Se para ler (cf. Lc 4, 16-30). Foi-Lhe entregue o livro do profeta Isaías, onde leu o seguinte trecho:” O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Me ungiu, para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-Me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, o recobrar da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano de graça do Senhor” (61, 1-2).

O Profeta falava do Messias. ”Cumpriu-se hoje — acrescentou Jesus — esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir(Lc 4, 21), fazendo compreender que Ele próprio era o Messias anunciado pelo Profeta, e que n'Ele tinha início o” tempo”tão esperado: tinha chegado o dia da salvação, a” plenitude do tempo”. Todos os jubileus se referem a este” tempo”e dizem respeito à missão messiânica de Cristo, que veio como” consagrado com a unção do Espírito Santo”, como” enviado pelo Pai”. É Ele que anuncia a Boa Nova aos pobres. É Ele que leva a liberdade àqueles que dela estão privados, que liberta os oprimidos, que restitui a vista aos cegos (cf. Mt 11, 4-5; Lc 7, 22). Deste modo, Ele realiza” um ano de graça do Senhor”, que anuncia não só com a palavra, mas sobretudo com as suas obras. Jubileu, ou seja,” um ano de graça do Senhor”é a característica da actividade de Jesus, e não apenas a definição cronológica de uma certa ocorrência.

12. As palavras e as obras de Jesus constituem assim o cumprimento de toda a tradição dos jubileus do Antigo Testamento. É sabido que o jubileu era um tempo dedicado de modo particular a Deus. Tinha lugar de sete em sete anos, segundo a Lei de Moisés: o sétimo era o” ano sabático”, durante o qual se deixava repousar a terra e eram libertados os escravos. A obrigação da libertação dos escravos era regulada por detalhadas prescrições, contidas nos livros do Êxodo (23, 10-11), do Levítico (25, 1-28), e do Deuteronómio (15, 1-6), isto é, praticamente em toda a legislação bíblica, que adquire assim essa peculiar dimensão. No ano sabático, além da libertação dos escravos, a Lei previa o perdão de todas as dívidas, segundo precisas prescrições. E tudo isto devia ser feito em honra de Deus. Tudo quanto dizia respeito ao ano sabático, valia também para o ”jubilar”, que ocorria no quinquagésimo ano. No ano jubilar, porém, os usos do ano sabático eram ampliados e celebrados ainda mais solenemente. Lê-se no Levítico: ”Santificareis o quinquagésimo ano, proclamando no país a liberdade de todos os que o habitam. Este ano será para vós jubileu, cada um de vós recobrará a sua propriedade e voltará para a sua família” (25, 10). Uma das consequências mais significativas do ano jubilar era a geral” emancipação”de todos os habitantes carecidos de libertação. Nessa ocasião, todo o israelita voltava à posse da terra de seus pais, se eventualmente a tivesse vendido ou perdido, caindo na escravidão. Não se podia ser privado da terra de modo definitivo, porque esta pertencia a Deus, nem os israelitas podiam ficar para sempre numa situação de escravatura, já que Deus os tinha ”resgatado” para Si como propriedade exclusiva, libertando-os da escravidão do Egipto.

[ix]…/
Btº joão paulo ii, Cart. Apost. Tertio millennio adveniente


[i] Cf. S. BERNARDO, In laudibus Virginis Matris, Homilia IV, 8: Opera omnia, Ed. Cisterc. (1966), 53.
[ii] Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 22.
[iii] Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 22.
[iv] Cf. Antiquitates Iudaicae, 20,200; veja-se também a passagem, tão conhecida como discutida, de 18, 63-64.
[v] Annales 15, 44, 3.
[vi] Vita Claudii, 25, 4.
[vii] Epistolae, 10, 96.
[viii] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Divina Revelação Dei Verbum, 15.
[ix] © Copyright 1994 - Libreria Editrice Vaticana

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