Parece que a esperança não é uma virtude:
1. Com efeito, diz Agostinho: “Ninguém usa mal da virtude”. Ora, usa-se mal da esperança, porque ela comporta, como as outras paixões, meio e extremos. Logo, a esperança não é uma virtude.
2. Além disso, nenhuma virtude procede de méritos, porque “a virtude, Deus a opera em nós sem nós”, como diz Agostinho. Ora, “a esperança tem por origem a graça e os méritos”, como diz o Mestre das Sentenças. Logo, a esperança não é virtude.
3. Ademais, “A virtude é a disposição do que é perfeito”, diz o livro VII da Física. Ora, a esperança é disposição do que é imperfeito, isto é, daquele que não tem aquilo que espera. Logo, a esperança não é virtude.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, Gregório diz que as três filhas de Jó significam as três
virtudes: fé, esperança e caridade. Logo, a esperança é uma virtude.
Segundo o Filósofo: “a virtude de cada coisa é o que torna bom o que a possui e
torna boa a sua acção”. Logo, é necessário que onde se encontra um ato bom do homem, este ato corresponde a uma virtude humana. Ora, em todas as coisas submissas a regras e a medidas, o bem se reconhece pelo fato de que uma coisa atinge a sua regra própria; assim, dizemos que a roupa é boa, se não vai além nem aquém da medida devida. Ora, para os actos humanos, como foi dito acima (I-II, q.71, a.6), há duas medidas: uma imediata e homogénea, que é a razão; outra, suprema e transcendente, que é Deus. Por isso, todo ato humano que esteja de acordo com a razão ou com o próprio Deus é bom. Mas, o ato da esperança, do qual agora falamos, se refere a Deus. Com efeito, como já foi dito, quando se tratou da paixão da esperança, o objecto da esperança é um bem futuro, difícil, mas que se pode obter. Ora, uma coisa nos é possível, de dois modos: por nós mesmos ou por outrem, como está claro no livro III da Ética. Enquanto, pois, esperamos alguma coisa como possível pelo auxílio divino, nossa esperança se refere ao próprio Deus em cujo auxílio confia. E, por isso, é manifesto que a esperança é uma virtude, pois ela torna bom o acto do homem, que atinge a devida regra.
Suma Teológica II-II, q.17, a.1
Quanto às objecções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. Nas paixões, o meio-termo da virtude consiste na obediência à recta razão; e nisso consiste a natureza da virtude. Por onde, também na esperança, considera-se o bem da virtude quando o homem, pela esperança, atinge a regra devida, que é Deus. Portanto, ninguém pode usar mal da esperança que busca a Deus, como nem da virtude moral que atinge a razão, porque o fato mesmo de atingir é o bom uso da virtude. Ainda que a esperança da qual agora falamos não seja paixão, mas hábito da alma, como a seguir se demonstrará (q. 18, a. 1).
2. A esperança provém do mérito, quando se fala da realidade mesma que se espera; enquanto alguém espera alcançar a bem-aventurança por graça e méritos, ou enquanto ao ato da esperança formada. Mas o hábito mesmo da esperança, pelo qual esperamos a bem-aventurança, não é causado pelo mérito, mas exclusivamente pela graça. [i]
3. Quem espera é, na verdade, imperfeito, se se considera o bem que ele espera obter, mas ainda não tem; mas é perfeito no sentido de ter atingido sua própria regra, isto é, Deus, com cujo auxílio ele conta.
[i] O acto de esperança provém da virtude infundida de esperança: pode, portanto, ser meritório. Já a virtude infundida provém directamente de Deus, e não de um mérito prévio.
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