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26/02/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Quaresma
Semana II

Evangelho: Mt 21 33-43. 45-46

33 «Ouvi outra parábola: Havia um pai de família que plantou uma vinha, e a cercou com uma sebe, e cavou nela um lagar e edificou uma torre; depois, arrendou-a a uns vinhateiros, e ausentou-se daquela região. 34 Estando próxima a época da colheita, enviou os seus servos aos vinhateiros para receberem os frutos da sua vinha. 35 Mas os vinhateiros, agarrando os servos, feriram um, mataram outro, e a outro apedrejaram-no. 36 Enviou novamente outros servos em maior número do que os primeiros, e fizeram-lhes o mesmo.37 Por último enviou-lhes seu filho, dizendo: “Hão-de respeitar o meu filho”. 38 Porém, os vinhateiros, vendo o filho, disseram entre si: “Este é o herdeiro; vamos, matemo-lo, e ficaremos com a herança”. 39 E, agarrando-o, puseram-no fora da vinha, e mataram-no. 40 Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles vinhateiros?». 41 Responderam-Lhe: «Matará sem piedade esses malvados, e arrendará a sua vinha a outros vinhateiros que lhe paguem o fruto a seu tempo». 42 Jesus disse-lhes: «Nunca lestes nas Escrituras: “A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular; pelo Senhor foi feito isto, e é coisa maravilhosa aos nossos olhos”? 43 Por isso vos digo que vos será tirado o reino de Deus e será dado a um povo que produza os seus frutos. 45 Tendo os príncipes dos sacerdotes e os fariseus ouvido as Suas parábolas, perceberam que falava deles. 46 Procuravam prendê-l'O, mas tiveram medo do povo, porque este O tinha como um profeta.

Comentário:

Em todos os tempos houve gente como estes vinhateiros mas, nos dias de hoje, talvez porque as comunicações são mais céleres parece haver um número cada vez maior de “administradores” que não actuam com a lisura e honestidade inerente ao cargo que ocupam e à responsabilidade que têm.

Esquecem-se que os bens que têm por obrigação gerir não lhes pertencem mas apenas lhes foram entregues em absoluta confiança para que, com eficiência e dedicação, os façam render como os seus donos esperam.

O mal praticado tem sempre consequências terríveis não só para os lesados mas para os próprios que tarde ou cedo serão chamados a prestar contas.

(ama, comentário sobre Mt 21 33-43 2015.03.06)


Leitura espiritual



COMPÊNDIO
DA DOUTRINA SOCIAL
DA IGREJA


PRIMEIRA PARTE



CAPÍTULO I

O DESÍGNIO DE AMOR DE DEUS
A TODA A HUMANIDADE


II. JESUS CRISTO CUMPRIMENTO DO DESÍGNIO DE AMOR DO PAI


a) Em Jesus Cristo cumpre-se o evento decisivo da história de Deus com os homens


28 A benevolência e a misericórdia, que inspiram o agir de Deus e oferecem a sua chave de interpretação, tornam-se tão próximas do homem a ponto de assumir os traços do homem Jesus, o Verbo feito carne.
Na narração de Lucas, Jesus descreve o Seu ministério messiânico com as palavras de Isaías que evocam o significado profético do jubileu:

«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor» [i].

Jesus coloca-se na linha do cumprimento, não só porque cumpre o que tinha sido prometido e que, portanto, era esperado por Israel, mas também no sentido mais profundo de que n’Ele se cumpre o evento definitivo da história de Deus com os homens.
Com efeito, Ele proclama:

«Aquele que me viu, viu também o Pai » [ii].

Jesus, por outras palavras, manifesta de modo tangível e definitivo quem é Deus e como Ele se comporta com os homens.

29 O amor que anima o ministério de Jesus entre os homens é aquele mesmo experimentado pelo Filho na união íntima com o Pai.
O Novo Testamento consente-nos penetrar a experiência que o próprio Jesus vive e comunica do amor de Deus Seu Pai — Abbá — e, portanto, no próprio coração da vida divina.
Jesus anuncia a misericórdia libertadora de Deus para com aqueles que encontra no Seu caminho, a começar pelos pobres, pelos marginalizados, pelos pecadores, e convida a segui-lo, pois Ele por primeiro, e de modo de todo singular, obedece ao desígnio do amor de Deus como Seu enviado no mundo.

A consciência que Jesus tem de ser o Filho expressa precisamente esta experiência originária.
O Filho recebeu tudo, e gratuitamente, do Pai:

«Tudo o que o Pai possui é meu» [iii].

Ele, por Sua vez, tem a missão de tornar todos os homens partícipes desse dom e dessa relação filial:

«Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que o que faz o seu senhor. Mas chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai» [iv].

Reconhecer o amor do Pai significa para Jesus inspirar a Sua acção na mesma gratuidade e misericórdia de Deus, geradoras de vida nova, e tornar-se assim, com a Sua própria existência, exemplo e modelo para os Seus discípulos.
Estes são chamados a viver como Ele e, depois da Sua Páscoa de morte e ressurreição, também n’Ele e d’Ele, graças ao dom sobre-abundante do Espírito Santo, o Consolador que interioriza nos corações o estilo de vida do próprio Cristo.


b) A revelação do Amor Trinitário


30 O testemunho do Novo Testamento, com o deslumbramento sempre novo de quem foi fulgurado pelo amor de Deus [v], colhe na luz da plena revelação do Amor trinitário proporcionada pela Páscoa de Jesus Cristo, o significado último da Encarnação do Filho de Deus e da Sua missão entre os homens.
Escreve São Paulo:

«Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, mas que por todos nós o entregou, como não nos dará também, com ele todas as coisas?» [vi].

Semelhante linguagem usa-a também São João:

«Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos Ele amado e enviado o seu Filho para expiar os nossos pecados» [vii].

31 O Rosto de Deus, progressivamente revelado na história da salvação, resplandece plenamente no Rosto de Jesus Cristo Crucifixo e Ressuscitado.
Deus é Trindade: Pai, Filho, Espírito Santo, realmente distintos e realmente um, porque comunhão infinita de amor.
O amor gratuito de Deus pela humanidade revela-se antes de tudo, como o amor fontal do Pai, de quem tudo provém; como comunicação gratuita que o Filho faz d’Ele, entregando-se ao Pai e doando-se aos homens; como fecundidade sempre nova do amor divino que o Espírito Santo derrama no coração dos homens [viii].

Com palavras e obras, e de modo pleno e definitivo com a Sua morte e ressurreição [ix], Jesus revela à humanidade que Deus é Pai e que todos somos chamados por graça a ser filhos d’Ele no Espírito [x], e por isso irmãos e irmãs entre nós.
É por esta razão que a Igreja crê firmemente que «a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu Senhor e Mestre» [xi].

32 Contemplando a inefável gratuitidade e sobre-abundância do dom divino do Filho por parte do Pai, que Jesus ensinou e testemunhou doando a Sua vida por nós, o Apóstolo predilecto do Senhor daí aufere o profundo sentido e a mais lógica consequência:

«Caríssimos, se Deus assim nos amou, também nós devemos amar-nos uns aos outros. Ninguém jamais viu a Deus. Se nos amarmos mutuamente, Deus permanece em nós e o seu amor em nós é perfeito» [xii].

A reciprocidade do amor é exigida pelo mandamento que o próprio Jesus define novo e Seu:

«Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros» [xiii].

O mandamento do amor recíproco traça a via para viver em Cristo a vida trinitária na Igreja, Corpo de Cristo, e transformar com Ele a história até ao seu pleno cumprimento na Jerusalém Celeste.

33 O mandamento do amor recíproco, que constitui a lei de vida do povo de Deus [xiv], deve inspirar, purificar e elevar todas as relações humanas na vida social e política:

«Humanidade significa chamada à comunhão interpessoal» [xv], porque a imagem e semelhança do Deus trinitário são a raiz de «todo o “ethos” humano cujo vértice é o mandamento do amor» [xvi].

O fenómeno cultural, social, económico e político hodierno da interdependência, que intensifica e torna particularmente evidentes os vínculos que unem a família humana, ressalta uma vez mais, à luz da Revelação, «um novo modelo de unidade do género humano, no qual, em última instância, a solidariedade se deve inspirar.
Este supremo modelo de unidade, reflexo da vida íntima de Deus, uno em três Pessoas, é o que nós cristãos designamos com a palavra “comunhão”» [xvii].

III. A PESSOA HUMANA NO DESÍGNIO DE AMOR DE DEUS

a) O Amor trinitário, origem e meta da pessoa humana

34 A revelação em Cristo do mistério de Deus como Amor trinitário é também a revelação da vocação da pessoa humana ao amor.
Tal revelação ilumina a dignidade e a liberdade pessoal do homem e da mulher, bem como a intrínseca sociabilidade humana em toda a profundidade:

«Ser pessoa à imagem e semelhança de Deus comporta um existir em relação, em referência ao outro “eu”» [xviii], porque o próprio Deus, uno e trino, é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Na comunhão de amor que é Deus, em que as três Pessoas divinas se amam reciprocamente e são o Único Deus, a pessoa humana é chamada a descobrir a origem e a meta da sua existência e da história. Os Padres Conciliares, na Constituição Pastoral «Gaudium et spes», ensinam que «quando o Senhor Jesus pede ao Pai que “todos sejam um..., como nós também somos um” [xix], abrindo perspectivas inacessíveis à razão humana, acena a uma certa semelhança entre a união das Pessoas divinas e a união dos filhos de Deus, na verdade e na caridade.
Esta semelhança mostra que o homem, única criatura na terra que Deus quis por si mesma, não pode realizar-se plenamente senão pelo dom sincero de si mesmo [xx]» [xxi].

35 A revelação cristã projecta uma nova luz sobre a identidade, sobre a vocação e sobre o destino último da pessoa e do género humano. Toda a pessoa é por Deus criada, amada e salva em Jesus Cristo, e realiza-se tecendo multíplices relações de amor, de justiça e de solidariedade com as outras pessoas, na medida em que desenvolve a sua actividade multiforme no mundo.
O agir humano, quando tende a promover a dignidade e a vocação integral da pessoa, a qualidade das suas condições de existência, o encontro e a solidariedade dos povos e das nações, é conforme ao desígnio de Deus, que nunca deixa de mostrar o Seu amor e a Sua Providência para com Seus filhos.

36 As páginas do primeiro livro da Sagrada Escritura, que descrevem a criação do homem e da mulher à imagem e semelhança de Deus [xxii], encerram um ensinamento fundamental sobre a identidade e a vocação da pessoa humana.
Dizem-nos que a criação do homem e da mulher é um acto livre e gratuito de Deus; que o homem e a mulher constituem, porque livres e inteligentes, o tu criado de Deus e que somente na relação com Ele podem descobrir e realizar o significado autêntico e pleno de sua vida pessoal e social; que estes, precisamente na sua complementaridade e reciprocidade, são a imagem do Amor Trinitário no universo criado; que a eles, que são o ápice da criação, o Criador confia a tarefa de ordenar segundo o desígnio do seu Criador a natureza criada [xxiii].

37 O livro da Génesis propõe-nos algumas linhas mestras da antropologia cristã: a inalienável dignidade da pessoa humana, que tem a sua raiz e a sua garantia no desígnio criador de Deus; a sociabilidade constitutiva do ser humano, que tem o seu protótipo na relação originária entre o homem e a mulher, «união esta que foi a primeira expressão da comunhão de pessoas» [xxiv]; o significado do agir humano no mundo, que é ligado à descoberta e ao respeito da lei natural que Deus imprimiu no universo criado, para que a humanidade o habite e guarde segundo o Seu projecto [xxv].

Esta visão da pessoa humana, da sociedade e da história é radicada em Deus e é iluminada pela realização do Seu desígnio de salvação.

(cont)





[i] 4, 18-19; cf. Is 61, 1-2
[ii] Jo 14, 9
[iii] Jo 16, 15
[iv] Jo 15, 15
[v] cf. Rm 8, 26
[vi] Rm 8, 31-32
[vii] 1 Jo 4, 10
[viii] cf. Rm 5, 5
[ix] Cf. Concílio Vaticano II, Const. dogm. Dei Verbum, 4: AAS 58 (1966) 819.
[x] cf. Rm 8, 15; Gal 4, 6
[xi] Cf. Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 10: AAS 58 (1966) 1033.
[xii] 1 Jo 4, 11-12
[xiii] Jo 13, 34
[xiv] Cf. Concílio Vaticano, Const. Dogm. Lumen gentium, 9: AAS 57 (1965) 12-14.
[xv] João Paulo II, Carta apost. Mulieris dignitatem, 7: AAS 80 (1988) 1666.
[xvi] João Paulo II, Carta apost. Mulieris dignitatem, 7: AAS 80 (1988) 1665-1666.
[xvii] João Paulo II, Carta encicl. Sollicitudo rei socialis, 40: AAS 80 (1988) 569.
[xviii] João Paulo II, Carta apost. Mulieris dignitatem, 7: AAS 80 (1988) 1664.
[xix] Jo 17, 21-22
[xx] cf. Lc 17, 33
[xxi] Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 24: AAS 58 (1966) 1045.
[xxii] cf. Gn 1, 26-27
[xxiii] cf. Gn 1, 28
[xxiv] Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 12: AAS 58 (1966) 1034.
[xxv] cf. 2Pd 3, 13

05/10/2014

Evangelho do dia, coment e Leit. esp. (Enc.Divino afflante spiritu)

Tempo comum XXVII Semana

Evangelho: Mt 21, 33-43

33 «Ouvi outra parábola: Havia um pai de família que plantou uma vinha, e a cercou com uma sebe, e cavou nela um lagar e edificou uma torre; depois, arrendou-a a uns vinhateiros, e ausentou-se daquela região. 34 Estando próxima a época da colheita, enviou os seus servos aos vinhateiros para receberem os frutos da sua vinha. 35 Mas os vinhateiros, agarrando os servos, feriram um, mataram outro, e a outro apedrejaram-no. 36 Enviou novamente outros servos em maior número do que os primeiros, e fizeram-lhes o mesmo.37 Por último enviou-lhes seu filho, dizendo: “Hão-de respeitar o meu filho”. 38 Porém, os vinhateiros, vendo o filho, disseram entre si: “Este é o herdeiro; vamos, matemo-lo, e ficaremos com a herança”. 39 E, agarrando-o, puseram-no fora da vinha, e mataram-no. 40 Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles vinhateiros?». 41 Responderam-Lhe: «Matará sem piedade esses malvados, e arrendará a sua vinha a outros vinhateiros que lhe paguem o fruto a seu tempo».

Comentário:

Impressiona e comove o cuidado que a nossa Santa Mãe a Igreja tem connosco seus filhos!
Não cessa de nos chamar a atenção para os cuidados de Deus para com os seus filhos os homens.

Não se fica por dar-lhes coisas, mas dá-lhes coisas boas, óptimas até.

Não se limita a entregar-lhes uma vinha qualquer mas sim uma vinha rodeada por uma sebe, com um lagar e uma torre de vigia.

Tal como acontece na vida corrente quem toma posse da vinha tem de prestar contas ao arrendatário, ou seja, pagar a renda devida.

(ama, comentário sobre Mt 21, 33-43; 45-46, 203-03.01)

Leitura espiritual



Documentos do Magistério

CARTA ENCÍCLICA
DIVINO AFFLANTE SPIRITU (*)
DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS
PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
COMO A TODO O CLERO E FIÉIS DE CRISTO
DO ORBE CATÓLICO SOBRE OS ESTUDOS BÍBLICOS

3. Interpretação dos Livros santos

Antes de tudo o sentido literal e a doutrina teológica

15. Bem preparado com o conhecimento das línguas antigas e com os recursos da crítica, aplique-se o exegeta católico àquele que é o principal de todos os seus deveres: indagar e expor o sentido genuíno dos Livros Sagrados.
Neste trabalho tenham os intérpretes bem presente que o seu maior cuidado deve ser distinguir claramente e precisar qual seja o sentido literal das palavras bíblicas.
Procurem-no pois com toda a diligência, valendo-se da ciência das línguas, do exame do contexto, da comparação com passos semelhantes, coisas todas de que se costuma tirar partido na interpretação dos escritores profanos, para tirar a limpo o pensamento do autor.
Mas os comentadores da Sagrada Escritura, tendo presente que se trata de um texto divinamente inspirado, cuja conservação e interpretação foram pelo mesmo Deus confiadas à Igreja, com não menor diligência, atenderão às explicações e declarações do magistério eclesiástico, bem como à exposição dos santos Padres e "à analogia da fé", como nota sapientissimamente Leão XIII na Encíclica Providentissimus Deus. (26)
Guardem-se com particular cuidado de expor somente o que toca à história, à arqueologia, à filologia e outras matérias semelhantes - como com mágoa vemos que se faz em alguns comentários -, mas, dadas oportunamente tais notícias enquanto podem servir à exegese, ponham em evidência sobretudo a doutrina teológica, dogmática ou moral, de cada livro ou texto.
Desse modo a sua exposição não só aproveitará aos professores de teologia ao exporem e provarem os dogmas da fé, mas servirá também aos sacerdotes para a explicação da doutrina cristã ao povo, e será útil a todos os fiéis para viverem uma vida santa, digna de um verdadeiro cristão.

O sentido espiritual, querido e ordenado por Deus

16. Tal interpretação prevalentemente teológica, como dissemos, será meio eficaz para fazer calar os que se queixam de não encontrar nos comentários bíblicos nada que eleve a mente a Deus, alimente a alma, fomente a vida interior, e por isso dizem que é preciso recorrer a uma interpretação que chamam espiritual e mística. Quão pouco justa seja essa acusação, prova-o a experiência de muitos que com frequente consideração e meditação da palavra de Deus têm santificado as suas almas e se têm inflamado no amor de Deus, provam-no claramente a constante prática da Igreja e os ensinamentos dos maiores doutores. Certamente que nem todo o sentido espiritual se pode excluir da Sagrada Escritura, pois que tudo o que foi dito e feito no Antigo Testamento, foi por Deus sapientissimamente ordenado e disposto de modo que as coisas passadas prefigurassem espiritualmente as futuras que deviam realizar-se no Novo Testamento da graça. Por isso o exegeta do mesmo modo como deve encontrar e expor o sentido literal das palavras que o hagiógrafo pretendia exprimir, assim também deve indagar o espiritual nos passos onde realmente conste que Deus o quis expressar. De facto este sentido espiritual só Deus o pode conhecer e revelar. Ora, indica-o e ensina-o o próprio Salvador nos evangelhos, e, seguindo o exemplo do divino Mestre, usam-no os apóstolos falando e escrevendo, aponta-o a constante tradição da Igreja, e, finalmente, o conhecido princípio: "A lei de orar é a lei de crer". Esse sentido espiritual por Deus pretendido e ordenado, descubram-no e exponham-no os exegetas católicos com a diligência que requer a dignidade da divina palavra, guardem-se, porém, escrupulosamente de apresentar como sentido genuíno da Sagrada Escritura outros valores figurativos das coisas. Pode sim ser útil, especialmente na pregação, ilustrar e persuadir as coisas da fé e da moral cristã com uso mais largo do sagrado texto em sentido figurado, contanto que se faça com moderação e sobriedade, mas é preciso não esquecer que tal uso da Sagrada Escritura lhe é como que extrínseco e adicional, e não deixa de ser perigoso, sobretudo em nossos dias, porque os fiéis, e nomeadamente as pessoas cultas nas ciências sagradas ou profanas, querem saber o que Deus disse nas Sagradas Escrituras, e não tanto o que um fecundo orador ou escritor usando com destreza as palavras da Bíblia, é capaz de nos dizer. "A palavra de Deus viva e eficaz, mais cortante que uma espada de dois gumes, penetrante até dividir alma e espírito, articulações e medulas, capaz de destrinçar pensamentos e sentimentos do coração" (27) não precisa de artifícios e adaptações humanas para mover e abalar os corações, as Sagradas Páginas escritas sob a inspiração do Espírito de Deus são de per si ricas de sentido próprio, dotadas de força divina, são poderosas por si mesmas, ornadas de supremo esplendor por si mesmas brilham e resplandecem, se o intérprete com uma explicação fiel e completa sabe desentranhar todos os tesouros de sabedoria e prudência que nelas estão encerrados.

Incitamento ao estudo dos santos Padres e dos doutores da Igreja

17. Para isso conseguir poderá o exegeta católico auxiliar-se egregiamente do estudo inteligente dos escritos em que os santos Padres e doutores da Igreja e os ilustres intérpretes das épocas passadas comentaram os Livros Santos.
Pois que eles, bem que talvez menos fornecidos de instrução profana e de ciência linguística do que os intérpretes dos nossos dias, contudo pelo lugar que Deus lhes deu na Igreja, distinguem-se por uma suave intuição das coisas celestes e por uma admirável perspicácia com que penetram até às mais íntimas profundidades da divina palavra e tiram à luz quanto pode servir para ilustrar a doutrina de Cristo e promover a santidade da vida.
Verdadeiramente é pena que tão preciosos tesouros da antiguidade cristã sejam pouco conhecidos de muitos escritores do nosso tempo e que os cultores da história da exegese não tenham ainda feito tudo para aprofundar bem e apreciar devidamente uma coisa de tanta importância.
Preza a Deus que muitos se deem diligentemente a explorar os autores e obras de interpretação católica da Escritura, e, extraindo as riquezas quase imensas nelas acumuladas, concorram eficazmente para que se veja melhor quão intimamente penetravam e quão bem explicaram os antigos a divina doutrina dos Livros Santos, e os intérpretes atuais tomem daí exemplo e aproveitem os preciosos materiais postos à sua disposição.
Assim efectuar-se-á, finalmente, a feliz e fecunda combinação da doutrina e suave unção dos antigos com a mais vasta erudição e arte mais progredida dos modernos, a qual decerto produzirá novos frutos no campo nunca assaz cultivado das divinas Escrituras.

4. Tarefa especial dos exegetas em nossos dias

Estado actual das ciências bíblicas

18. Com fundada razão podemos esperar que os nossos tempos contribuam também com a sua quota nova para uma interpretação mais completa e exacta das Sagradas Escrituras.
De facto há não poucas coisas, especialmente no terreno histórico que não foram explicadas, ou foram só imperfeitamente, pelos expositores dos séculos passados, porque lhes faltavam os conhecimentos necessários para obter melhores resultados.
Quão árduos e quase inacessíveis acharam os mesmos Padres alguns passos, mostram-no, por exemplo, os repetidos esforços que muitos deles fizeram para interpretar os primeiros capítulos do Génesis, ou também as várias tentativas de São Jerónimo para traduzir os salmos de modo que o sentido literal do texto aparecesse claramente.
Noutros livros ou textos sagrados só a Idade Moderna descobriu dificuldades, antes não suspeitadas, depois que um melhor conhecimento dos tempos antigos fez surgir problemas que fazem penetrar mais adentro no assunto. Por isso erradamente vão dizendo alguns, mal informados do estado da ciência bíblica, que ao exegeta católico dos nossos dias nada resta a acrescentar a quanto produziu a antiguidade cristã, pelo contrário, a verdade é que o nosso tempo tem chamado a atenção para muitas coisas que requerem nova investigação e novo exame e estimulam fortemente a actividade do exegeta.

Natureza e efeitos da inspiração divina

19. E realmente a nossa época, se por um lado acumula novos problemas e dificuldades, por outro, graças a Deus, oferece à exegese novos recursos e subsídios.
Entre esses merece especial referência o facto de os teólogos católicos, seguindo a doutrina dos santos Padres e, principalmente, do doutor angélico e comum, terem indagado e exposto com mais precisão e fineza do que nos séculos passados, a natureza e efeito da inspiração bíblica.
Partindo nas suas investigações do princípio que o hagiógrafo ao escrever o livro sagrado é órgão ou instrumento do Espírito Santo, mas instrumento vivo e racional, observam justamente que ele sob a moção divina usa das suas faculdades e energias de tal modo, que todos podem facilmente reconhecer do livro por ele composto "qual a sua índole própria, e como que as feições e traços característicos da sua fisionomia". (28)
Procure por conseguinte o intérprete distinguir com todo o cuidado, sem descurar nenhuma luz fornecida pelas recentes investigações, qual a índole própria e condição social do autor sagrado, em que tempo viveu, de que fontes, escritas ou orais, se serviu, que formas de dizer empregou.
Assim poderá conhecer melhor quem foi o hagiógrafo e o que quis dizer no seu escrito.
Porque, enfim, ninguém ignora que a norma suprema da interpretação é indagar e definir que coisa se propôs dizer o escritor, como egregiamente adverte santo Atanásio: "Aqui, como em todos os outros passos da Escritura divina, deve notar-se diligente e fielmente em que ocasião falou o Apóstolo, qual o destinatário e qual o motivo de escrever, não seja que, ignorando essas coisas ou tomando umas por outras, nos desviemos do pensamento do autor". (29)

Importância do género literário, especialmente na história

20. Ora, o sentido literal de um escrito, muitas vezes não é tão claro nas palavras dos antigos orientais como nos escritores do nosso tempo. O que eles queriam significar com as palavras não se pode determinar só pelas regras da gramática e da filologia, nem só pelo contexto, o intérprete deve transportar-se com o pensamento àqueles antigos tempos do Oriente, e com o auxílio da história, da arqueologia, etnologia e outras ciências, examinar e distinguir claramente que géneros literários quiseram empregar e empregaram de facto os escritores daquelas épocas remotas.
De facto os antigos orientais, para exprimir os seus conceitos, nem sempre usaram das formas ou géneros de dizer de que nós hoje usamos, mas sim daqueles que estavam em uso entre os seus contemporâneos e conterrâneos. Quais eles fossem não o pode o exegeta determinar a priori, mas só por meio de um diligente exame das antigas literaturas orientais. Esse estudo, feito com maior cuidado e diligência nos últimos decênios, mostrou mais claramente quais as formas de dizer empregadas naqueles antigos tempos quer nas composições poéticas, quer na legislação ou na história.
A mesma investigação demonstrou já luminosamente que o povo de Israel, entre todas as antigas nações do Oriente, ocupa um lugar eminente e singular no escrever da história, quer pela antiguidade quer pela fiel narração dos factos, prerrogativas essas que em verdade se podem deduzir do carisma da divina inspiração e do particular fim religioso da história bíblica.
Contudo ninguém que tenha um conceito justo da inspiração bíblica poderá estranhar que também nos autores sagrados, como nos outros antigos, se encontrem certos modos de expor e contar, certos idiotismos próprios, especialmente das línguas semíticas, certas expressões aproximativas ou hiperbólicas e talvez paradoxais, que servem para gravar as coisas mais firmemente na memória.
Nenhum dos modos de falar de que entre os antigos e especialmente entre os orientais se servia a linguagem para exprimir o pensamento, pode dizer-se incompatível com os Livros Santos, uma vez que o género adotado não repugne à santidade e verdade de Deus.
Advertiu-o já o doutor angélico com a sua costumeira perspicácia por estas palavras: "Na Escritura as coisas divinas nos são apresentadas ao modo usual, humano". (30)
Como o Verbo substancial de Deus se fez semelhante aos homens em tudo "excepto o pecado", (31) assim também a palavra de Deus expressa em línguas humanas assemelhou-se em tudo à linguagem humana, exceto o erro.
Nisto consiste aquela providencial "condescendência" (sinkatábasis) de Deus, que já são João Crisóstomo exaltou eloquentemente e que tantas vezes assegurou encontrar-se nos Livros Santos. (32)

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)
___________________________________
Notas:

(*) Em 30 de Setembro de 1943, por motivo do cinqüentenário da encíclica "Providentissimus Deus", o Santo Padre Pio XII publicou a seguinte encíclica sobre os estudos bíblicos. Por sua extensão, e pela admirável clareza com que expõe as normas que devem ser observadas no uso da Sagrada Escritura, o importante documento adquire o alcance de uma verdadeira Carta Magna em matéria de estudos e apostolado bíblicos.
(26) Leão XIII, Acta 13, pp. 345-346, Ench. Bibl. n.109.
(27) Hb 4, 12.
(28) Cf. Bento XV, Enc. Spiritus Paraclitus: Acta Ap. Sedis 12(1920), p. 390, Ench. Bibl. n. 461.
(29) Contra Arianos, I, 54, PG 26,123.
(30) Comment. ad. Hebr. cap. I, lectio 4.
(31) Hb 4, 15.
(32) Cf. v, gr. In Gen. I, 4: PG 53, 34-35, In Gen, II, 21: PG 53, 121, In Gen., III, 8: PG 53, 135, Hom. 15 in Ioan., ad I,18: PG 59, 95s.